CAMILO ASSIS
FONSECA
O
decano dos ecologistas mineiros
João Amílcar Salgado
No
dia 25/09/92 a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais e o Centro de Memória da Medicina
de Minas Gerais prestaram homenagem ao professor Camilo de Assis Fonseca Filho,
a propósito da Semana da Árvore. Constou
de bela solenidade em que o homenageado plantou três buritis em frente à
Faculdade, ao som do Hino Nacional executado em solo de flauta pelo estudante
de medicina Walker M. Lahmann. O plantio
foi acolitado pelo professor Ênio Pedroso, diretor da Faculdade, e é resultado
de sugestão antiga do professor Oswaldo Costa, outro pioneiro da preservação
natural dos gerais.
O professor
Camilo de Assis Fonseca Filho, nascido em Formiga e agrônomo pela gloriosa
Universidade Federal de Viçosa, veio a se consagrar como o decano dos
ecologistas mineiros, por ser o brasileiro que mais árvores plantou em uma
vida. Combativo defensor da flora
nativa, arborizador amazônico sobre minérios, ajardinador de nossas ruas e campi, atapetador dos grandes estádios
brasileiros de futebol, original em metodologia de florestamento - foi
requisitado pelo Centro de Memória, por seu enciclopédico domínio sobre o uso
medicinal das plantas brasileiras.
Sobre
a arborização de nossas ruas, Camilo Fonseca se fez irresistível pedagogo com
esta inesquecível lição: As cidades não arborizam todas as suas ruas,
com a desculpa de que não é possível arborizar rua estreita – e eu respondo que
o hibisco é perfeito para rua estreita e, assim, qualquer cidade pode ter todas as suas ruas
arborizadas e floridas. Sobre plantas medicinais, ele é autor desta
verdade irrevogável: Os antigos transmitiram a idéia de que só
são medicinais as plantas pequenas (ervas e arbustos). Ora, essa idéia era própria
para o uso prático nas condições precárias de antigamente. Mas a verdade é que
qualquer planta é medicinal, desde a menor erva até a árvore mais gigantesca.
Cabe à ciência descobrir sua virtude e seu uso.
Por
causa da 2a Guerra Mundial, foi vedada a importação de madeira
estrangeira e Camilo Fonseca Fo se
celebrizou ao indicar madeiras brasileiras próprias à confecção de nossos
lápis, uma de suas muitas maneiras de ser educador. Correspondeu e trocou sementes
com o negus Salassiê da Etiópia,
também ilustre botânico, permitindo que árvores africanas sejam admiradas no
Horto, em Belo
Horizonte , ao lado de plantas de cada paisagem do Brasil –
todas pacientemente cultivadas pelo extraordinário sábio formiguense.
Em
1989, em comemoração ao Bicentenário da Inconfidência, foi convidado a indicar
as plantas que hoje compõem o Horto Medicinal Frei Veloso, inaugurado junto à
Biblioteca Baeta Vianna, em lembrança de nosso primeiro botânico, primo de
Tiradentes. Ao mesmo tempo, o Horto Frei
Veloso deve contribuir à reabilitação histórica dos hortos medicinais
intrínsecos às primeiras escolas médicas, fonte de toda a farmacoterapia atual.
O
plantio dos buritis fez parte também do curso sobre plantas de importância
terapêutica, ministrado pelo mestre Camilo por meio de caminhadas ecológicas em
diversos sítios, segundo a variedade da flora regional. Os ensinamentos, gravados em vídeo, serão
utilizados em múltiplos desdobramentos, quer do ponto de vista de preservação
de espécies e usos, quer para o ensino e a pesquisa.
O
buriti é o traço que une a ecologia, a memória da medicina e Guimarães
Rosa. Foi este ex-aluno da Faculdade,
que, em seu harmonioso leque de tematizações, profeticamente reservou para
título da maior de suas obras nada mais nada menos que os contra-polos de
fantástico e real eco-sistema - o sertão e suas veredas. Por isso mesmo uma das magistrais lições
peripatéticas do professor Camilo não poderia deixar de ocorrer nos arredores
de Maquiné, onde as filmagens flagraram a reunião histórica de personagens
afins e irmãos, simbólicos e vivos: Manuelzão, Juca Bananeira, Maria de Lourdes
Rocha Correa e Camilo de Assis Fonseca Filho.
Por
ocasião de sua aposentadoria, em vez de glorificado por tantas realizações,
este extraordinário brasileiro e autêntico mineiro foi vítima de injustiça
inominável perpetrada por gente indigna que, estribada em soberba mesquinharia,
agiu para impedi-lo de freqüentar sequer o horto e as estufas (Museu de
História Natural) co-edificados por ele.
O nome desses infelizes deficientes morais hoje jaz no lixo da memória
da instituição, enquanto o de mestre Camilo rebrilha, com ternura e com
carinho, no coração de inumeráveis discípulos e admiradores.
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O autor é professor titular
de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal
de Minas Gerais.