João Amílcar Salgado

domingo, 6 de janeiro de 2013


CAMILO ASSIS FONSECA
 O decano dos ecologistas mineiros

João Amílcar Salgado

            No dia 25/09/92 a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais  e o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais prestaram homenagem ao professor Camilo de Assis Fonseca Filho, a propósito da Semana da Árvore.  Constou de bela solenidade em que o homenageado plantou três buritis em frente à Faculdade, ao som do Hino Nacional executado em solo de flauta pelo estudante de medicina Walker M. Lahmann.  O plantio foi acolitado pelo professor Ênio Pedroso, diretor da Faculdade, e é resultado de sugestão antiga do professor Oswaldo Costa, outro pioneiro da preservação natural dos gerais.
            O professor Camilo de Assis Fonseca Filho, nascido em Formiga e agrônomo pela gloriosa Universidade Federal de Viçosa, veio a se consagrar como o decano dos ecologistas mineiros, por ser o brasileiro que mais árvores plantou em uma vida.  Combativo defensor da flora nativa, arborizador amazônico sobre minérios, ajardinador de nossas ruas e campi, atapetador dos grandes estádios brasileiros de futebol, original em metodologia de florestamento - foi requisitado pelo Centro de Memória, por seu enciclopédico domínio sobre o uso medicinal das plantas brasileiras.
            Sobre a arborização de nossas ruas, Camilo Fonseca se fez irresistível pedagogo com esta inesquecível lição: As cidades não arborizam todas as suas ruas, com a desculpa de que não é possível arborizar rua estreita – e eu respondo que o hibisco é perfeito para rua estreita e, assim,  qualquer cidade pode ter todas as suas ruas arborizadas e floridas. Sobre plantas medicinais, ele é autor desta verdade irrevogável: Os antigos transmitiram a idéia de que só são medicinais as plantas pequenas (ervas e arbustos). Ora, essa idéia era própria para o uso prático nas condições precárias de antigamente. Mas a verdade é que qualquer planta é medicinal, desde a menor erva até a árvore mais gigantesca. Cabe à ciência descobrir sua virtude e seu uso.
            Por causa da 2a Guerra Mundial, foi vedada a importação de madeira estrangeira e Camilo Fonseca Fo se celebrizou ao indicar madeiras brasileiras próprias à confecção de nossos lápis, uma de suas muitas maneiras de ser educador. Correspondeu e trocou sementes com o negus Salassiê da Etiópia, também ilustre botânico, permitindo que árvores africanas sejam admiradas no Horto, em Belo Horizonte, ao lado de plantas de cada paisagem do Brasil – todas pacientemente cultivadas pelo extraordinário sábio formiguense.  
            Em 1989, em comemoração ao Bicentenário da Inconfidência, foi convidado a indicar as plantas que hoje compõem o Horto Medicinal Frei Veloso, inaugurado junto à Biblioteca Baeta Vianna, em lembrança de nosso primeiro botânico, primo de Tiradentes.  Ao mesmo tempo, o Horto Frei Veloso deve contribuir à reabilitação histórica dos hortos medicinais intrínsecos às primeiras escolas médicas, fonte de toda a farmacoterapia atual.
            O plantio dos buritis fez parte também do curso sobre plantas de importância terapêutica, ministrado pelo mestre Camilo por meio de caminhadas ecológicas em diversos sítios, segundo a variedade da flora regional.  Os ensinamentos, gravados em vídeo, serão utilizados em múltiplos desdobramentos, quer do ponto de vista de preservação de espécies e usos, quer para o ensino e a pesquisa.
            O buriti é o traço que une a ecologia, a memória da medicina e Guimarães Rosa.  Foi este ex-aluno da Faculdade, que, em seu harmonioso leque de tematizações, profeticamente reservou para título da maior de suas obras nada mais nada menos que os contra-polos de fantástico e real eco-sistema - o sertão e suas veredas.  Por isso mesmo uma das magistrais lições peripatéticas do professor Camilo não poderia deixar de ocorrer nos arredores de Maquiné, onde as filmagens flagraram a reunião histórica de personagens afins e irmãos, simbólicos e vivos: Manuelzão, Juca Bananeira, Maria de Lourdes Rocha Correa e Camilo de Assis Fonseca Filho.
            Por ocasião de sua aposentadoria, em vez de glorificado por tantas realizações, este extraordinário brasileiro e autêntico mineiro foi vítima de injustiça inominável perpetrada por gente indigna que, estribada em soberba mesquinharia, agiu para impedi-lo de freqüentar sequer o horto e as estufas (Museu de História Natural) co-edificados por ele.  O nome desses infelizes deficientes morais hoje jaz no lixo da memória da instituição, enquanto o de mestre Camilo rebrilha, com ternura e com carinho, no coração de inumeráveis discípulos e admiradores.
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O autor é professor titular de Clínica Médica e  pesquisador em  História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.