João Amílcar Salgado

terça-feira, 30 de julho de 2013

QUE FOI FEITO DO SUS?
 EM OUTRAS PALAVRAS, QUEM MANDA NO SUS?

Tenho sido cobrado pelo caos na saúde, em razão de ter participado, com forte engajamento, na luta pela aprovação do SUS na constituinte de 1988. Ora, o SUS é uma decisão simples sobre um sistema simples de cuidado da saúde, adotado com sucesso por vários países. Hoje, no Brasil,  é um caos – resultante da pusilanimidade e da incompetência dos que deveriam estruturá-lo, somada à incompetência e da má fé dos que, depois deles,  foram encarregados de administrá-lo.
Em meu livro que deverá sair ainda este ano, intitulado ENSINO DA MEDICINA no Brasil e em Minas, analiso o caos atual na saúde. Esta análise também não é complexa e pode ser divulgada, resumidamente, como segue.

Quem manda no SUS
O Sistema Nacional de Saúde deveria ter sido implantado, logo depois da Constituição  de 1988, por meio de uma estrutura nada complicada,  que deveria partir do Conselho Nacional de Saúde, passando pelo Ministério, e deste pelos Conselhos Estaduais e pelas Secretarias Estaduais, e destes pelos Conselhos Municipais e pelas Secretarias Municipais.

Os secretários estaduais da época se apressaram em criar um órgão espúrio, o Conselha Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Esta foi a providência antecipada para que aquele sistema, em vez de tecnicamente estruturado, passasse a atender demandas da politicalha regional.  Foi tão eficiente em inviabilizar o lado bom do sistema, que logo foi criado mais outro órgão espúrio, o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saude (CONASEMS).  Este também induz o sistema a funcionar, em vez do modo correto, de modo a atender  demandas diretas da politicalha municipal.

A indústria de saúde viu com bons olhos estas organizações para-sistêmicas. Elas, de um lado,  se prestariam às suas demandas comerciais e, de outro, enfraqueceriam a rigidez técnica do sistema. A principal medida, porém da indústria, não seria a pressão para a criação de conselhos para-sistêmicos referentes a seus interesses. Seria a pressão para a criação de algo mais eficaz e acima da politicalha eleitoreira. Conseguiram a estruturação de agencias que, sob o disfarce de instrumentos reguladores do funcionamento do sistema, representassem diretamente os interesses econômicos e de marketing de produtos e serviços, ou seja, agências contra-sistemicas. Assim, as agencias novas e outras pre-existentes, como a ANVISA, o CFM, os CRMs e a ANS, foram direcionadas a esse fim. De modo semelhante,  as associações corporativas dos profissionais da saúde pré-existentes ou neo-existentes foram rapidamente constrangidas a esse mesmo fim contra-sistêmico, por meio do financiamento de suas convenções e outros meios de suborno aberto ou disfarçado.

                O objetivo final é neutralizar o dispositivo constitucional,  sistêmico por definição, de tal modo que o controle de fato do que deveria ser o sistema nacional úncio de saúde fica nas mãos de um anti-sistema constituído pela indústria de saúde, composta pela indústria químico-farmacêutica, indústria de equipamentos de saúde, indústria de alimentos, indústria de insumos laboratoriais de saúde, indústria de venenos agropecuários, domésticos e ambientais, indústria de serviços (os chamados planos de saúde, os hospitais privados e filantrópicos, e outros), a indústria publicitária e/ou de marketing da saúde e ainda a indústria de educação em saúde (principalmente a criação irresponsável de faculdades de medicina).
                Sem muito esforço, é possível desenhar três diagramas análogos,  para mostrar como o sistema nacional de educação, que deveria ser verdadeiramente universal e totalmente gratuito, isto é, direito tácito de todos os cidadãos,  foi e está sendo progressivamente alienado da esfera pública, em favor da esfera privada, clamorosamente entregue a gigantescos interesses privados.
                Todo o caos, nos dois sistemas - de saúde e de educação -, traz um tremendo efeito que não é colateral, mas principal: é a perfeita trama para o mais desbragado carnaval de corrupção.
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            E há mais: o caos culmina com a susificação dos chamados planos de saúde ...  que não são planos nem são de saúde!

Nos dias em que o presente texto estava sendo redigido, ocorreu uma cena muito significativa, no salão de espera de uma clínica oftalmológica. A sala de espera, ampliada para salão de espera, estava repleta de clientes. Nenhum deles era do SUS. Todos eram contribuintes de “planos de saúde”. Um senhor, com um curativo ocular, perdeu a paciência por causa da longa espera. Começou a reclamar alto e depois a esbravejar. Como os funcionários não conseguiram acalmá-lo, chamaram um médico co-proprietário da clínica. Depois de ouvir o desabafo do  paciente, o doutor disse que ele estava cheio de razão. Mas completou, com a seguinte ressalva: “O senhor está certíssimo em querer ser bem atendido, mas está havendo uma confusão aqui - com o senhor e também com todos os que estão neste salão. A confusão é a seguinte: o senhor pensa que saiu do SUS, mas não saiu. “