O
GUEVARISMO CRISTÃO
DO
PAPA FRANCISCO
João Amílcar Salgado
Para os radicais do partido republicano, Obama é
socialista. Para os radicais da direita católica, o papa Francisco é
socialista. Para ambos os agrupamentos radicais, a comprovação dessa rotulação
ideológica de Obama e Francisco vem da cooperação entre os dois para reconciliar
EUA e Cuba.
O papa Francisco é jesuíta e foram os jesuítas os autores
da mais prolongada experiência comunista
no mundo moderno, quando criaram as reduções ou missões no cone
sul das Américas. Em vez do lógico codinome Inácio, decidiu assumir o nome
Francisco, sem dúvida para apontar seu modelo de cristianismo calcado em
Francisco de Assis, o mais socialista dos santos. Entre as vertentes
franciscanas, há inclusive aquela que propõe a substituição da plenitude dos
tempos por uma sequencia ascensional, que parte do padre eterno, passa pelo
filho salvador e chega enfim ao espírito igualitário. De fato, o Divino
Espírito Santo, celebrado nas festas do Divino difundidas por todo o Brasil, é
a expressão do acolhimento popular a tal doutrina.
O papa Francisco é argentino e deve orgulhar-se de ser
conterrâneo tanto de Ernesto Guevara como das Avós da Praça de Maio - e também
de José de San Matin, de Juan Cesar Garcia, de Carlos Gardel e de
Maradona. E ainda de ter parentesco
espiritual com Gabriela Mistral, Pablo Neruda, Salvador Allende, Simon Bolívar
e Tupac Amaru. Assim ele está intelectualmente bem distante dos ideólogos seja
do partido republicano dos EUA, seja do Salon Beige católico da França.
Sua referencia como papa é o papa João 23. Sua estratégia
vem da consciência de seu carisma. E tem raro senso de oportunidade. Sabe que
não pode deixar de aproveitar a oportuna presença de um democrata negro na
presidência dos EUA, contemporaneamente a seu papado. E sabe também que a
oportunidade de Obama ficar na história, com alguma realização a mais, além de
sua dupla eleição, é agora, quando não tem de cuidar de reeleger-se. Esta é,
sem dúvida, a base da comunicação entre ambos.
Obama tem de conseguir, no final de seu governo, três
vitórias históricas, no plano interno: consolidar o neo-crescimento econômico,
fechar Guantánamo e submeter a National Rifle Association. No plano externo,
basta-lhe reatar com Cuba. É quase certo
que isso passou pela conversa entre Francisco e Obama. O cacife de Obama é seu
cuidadoso estilo de lidar com racistas e belicistas, estilo este que, em vez de
elogios, lhe tem valido acusações de covarde. Ele pode, no final do governo, comunicar
a todos que a paciência aí implícita pode findar e que um Obama latente que
nunca veio à tona pode emergir e patentear-se. Sim, Obama é o potencial líder
de uma guerra civil, evidentemente evitável e anteriormente improvável, de
negros e hispânicos contra racistas e belicistas.
O Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, desde
sua criação, estuda médicos ligados à política, como, entre muitos outros, JK,
Clóvis Salgado, Émile Littré, José
Rizal, Norman Bethume e Che Guevara. Quem conhece a biografia do médico Ernesto
Guevara e quem acompanhou sua evolução ideológica sabe que o fascínio exercido
por ele sobre gerações de várias tendências se assenta em pontos comuns entre
este herói, o papa e Obama. O lado supra-marxista do guevarismo terá novo
significado se Obama e Francisco continuarem de mãos-dadas.
O autor é professor titular de Clínica Médica da
Universidade Federal de Minas Gerais e fundador do Centro de Memória da
Medicina de Minas Gerais