João Amílcar Salgado

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

HISTÓRIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UFJF
João Amílcar Salgado

Acaba de ser publicado o livro CRIAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA DE JUIZ DE FORA E DA UFJF (2017), do eminente médico e professor José Carlos de Castro Barbosa. Muito nos desvanece que este livro tenha surgido por influência do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais. Quando criamos este Centro em 1977, o juiz-forano Pedro Nava comemorava cinquenta anos de formatura, ao lado de Pedro Sales, historiador maior da medicina mineira e brasileira. Da mesma turma, Juscelino Kubitschek (JK), o maior e mais democrático governante do país, não estava na festa, falecido um ano antes. Tive a honra de saudar a turma aniversariante, em nome de sua faculdade mater.  A ideia, discutida com Nava e Sales, nesse dia, não era nós mesmos nos encarregarmos da história da saúde de toda Minas, mas criar, em cada faculdade, um centro de memória e um curso de história da medicina. Foi criado o centro de memória Belisário Pena em Barbacena, em 2002, e o centro da Faculdade Federal de Juiz de Fora, em 2006. No 1º Congresso Mineiro de História da Medicina em Barbacena, em 2004, cada faculdade mineira foi convidada a expor sua própria história. Da exposição de José Carlos surgiu o livro que ora se edita.
O autor do livro guarda comigo aspectos comuns. Ele foi vestibulando da turma pioneira de sua faculdade e eu o fui da primeira turma rockefelleriana da UFMG, na mesma década de 50 do século 20. Ambos fomos oradores de nossas turmas, nos tornamos professores titulares, fundamos os respectivos centros de memória e escrevemos a história de nossas faculdades e universidades. Demais somos grandes amigos e casados com duas doces Leilas. Cumpre acrescentar que a Leila Barbosa, além de fundadora do hoje Museu Murilo Mendes, é sobrinha neta do poeta municipal Belmiro Braga, enquanto eu sou filho do poeta municipal João Salgado Filho. A proximidade geográfica entre Juiz de Fora e Nepomuceno traz também um vínculo familiar, pois João Ribeiro Vilaça, o diretor-fundador da faculdade juiz-forana, pertence à mesma tradicional família Ribeiro, migrada de Entre-Rios de Minas também ao sul do Estado, da qual sou membro.
Não bastasse tudo isso, me tornei amigo de Pedro Nava e sou co-editor de livros póstumos do polígrafo Antônio da Silva Melo, além de biógrafo de Carlos Chagas. Isso me faz admirador da fase áurea da medicina de Juiz de Fora, entre os séculos 19 e 20. Sebastião Gusmão afirmou que Hermenegildo Vilaça, Eduardo Borges da Costa (casado na família Halfeld) e Afonso Pavie colocaram a cirurgia mineira na vanguarda da cirurgia moderna do país, sendo que dos três o único nascido em Minas é Vilaça. José Carlos Resende Alves biografou Hermenegildo e mostrou sua fraterna amizade ao descobridor Carlos Chagas (também componente do clã Ribeiro), em vilegiaturas de caça -  fazendo trio com João Penido, outro gigante da medicina juiz-forana. Já Eduardo de Menezes foi adjetivado de médico imperial de Juiz de Fora por seu biógrafo José Sílvio Resende.  Assim, Vilaça, Menezes, Penido, Melo e Nava representam um conjunto dourado de médicos, que se completa com a proeminência do poeta universal Murilo Mendes e do genial empreendedor Francisco Batista de Oliveira (mais um Ribeiro).
Necessário se faz analisar as razões pelas quais Hermenegildo Vilaça e seus companheiros não conseguiram que a cidade tivesse sua faculdade de medicina antes da inauguração de Belo Horizonte e até mesmo antes da era JK. O livro de José Carlos Barbosa dá o primeiro passo nessa direção.  De fato, houve claro impedimento para que o esplêndido desenvolvimento de Juiz de Fora fosse levado a suas últimas consequências. Há várias indicações de que esta cidade e região se rivalizariam pari-passu com o boom paulista. O progressismo juiz-forano, contudo, ocorreu logo após um movimento separatista do sul de Minas. Isso causou dois efeitos. Os paulistas temeram que um sul de Minas que abrangesse Juiz de Fora seria contrário a suas pretensões hegemônicas. Por outro lado, os separatistas do sul queriam que a capital do novo Estado fosse a cidade de Campanha e procuraram descaracterizar Juiz de Fora como abrangida pelo sul. Tudo isso com ingerências ferroviárias e eclesiásticas. Assim, a separação do verdadeiro sul de Minas, entre Sul e Mata, cedo prejudicou não só o próprio Sul, como a própria Mata, e prejudicou mais especificamente Juiz de Fora.
Esse absurdo poderia ter sido revertido já no governo Vargas, pelo medo que este tinha do poderio paulista. Benedito Valadares, entretanto, se curvou aos interesses cariocas. Ele teria convencido Vargas de que o melhor golpe contra São Paulo seria favorecer o Rio, em vez de Minas. Com isso, a usina de Volta Redonda, em vez de ser erguida em Minas, que tinha o minério, foi erguida, em 1941, no Rio, que não tinha minério, mas era perto dos que queriam dirigi-la. Minas passou a ceder seu minério para fazer aço em Volta Redonda de modo a impedir que o progresso de Juiz de Fora ganhasse o trunfo siderúrgico contra o progresso paulista. Mas estes tanto exigiram que a usina paulista (Cosipa) veio em 1953 - e esta só poderia produzir aço, para os paulistas, se  recebesse o minério de Minas. A primeira em Minas, a Usiminas, só nasceu, a título de consolação, em 1956. A Faculdade de Medicina de juiz de Fora, nascida já na era JK, é, portanto, irmã da primeira grande siderúrgica de Minas, ambas postergadas em detrimento de Juiz de Fora.

O primeiro dos Diogo Vasconcelos foi o primeiro historiador de Minas e foi o primeiro a afrontar Juiz de Fora. Em seu livro BREVE DESCRIÇÃO GEOGRÁFICA, FÍSICA E POLÍTICA DA CAPITANIA DE MINAS GERAIS (1801), no capítulo que enumera as pessoas célebres da capitania, censurou a menção ao médico Domingos Vidal Barbosa Lage, que proponho para patrono de sua primeira faculdade médica. Juiz de Fora detém, antes de muitas glórias, a singularidade ilustre de ter tido, entre seus fundadores, este heroico republicano, de fato um mártir, morto no exílio depois de condenado como inconfidente.