HISTÓRIA
DA FACULDADE DE MEDICINA DA UFJF
João Amílcar Salgado
Acaba
de ser publicado o livro CRIAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA DE JUIZ DE FORA E DA
UFJF (2017), do eminente médico e professor José Carlos de Castro Barbosa.
Muito nos desvanece que este livro tenha surgido por influência do Centro de
Memória da Medicina de Minas Gerais. Quando criamos este Centro em 1977, o
juiz-forano Pedro Nava comemorava cinquenta anos de formatura, ao lado de Pedro
Sales, historiador maior da medicina mineira e brasileira. Da mesma turma, Juscelino
Kubitschek (JK), o maior e mais democrático governante do país, não estava na
festa, falecido um ano antes. Tive a honra de saudar a turma aniversariante, em
nome de sua faculdade mater. A ideia,
discutida com Nava e Sales, nesse dia, não era nós mesmos nos encarregarmos da
história da saúde de toda Minas, mas criar, em cada faculdade, um centro de
memória e um curso de história da medicina. Foi criado o centro de memória
Belisário Pena em Barbacena, em 2002, e o centro da Faculdade Federal de Juiz
de Fora, em 2006. No 1º Congresso Mineiro de História da Medicina em Barbacena,
em 2004, cada faculdade mineira foi convidada a expor sua própria história. Da
exposição de José Carlos surgiu o livro que ora se edita.
O
autor do livro guarda comigo aspectos comuns. Ele foi vestibulando da turma
pioneira de sua faculdade e eu o fui da primeira turma rockefelleriana da UFMG,
na mesma década de 50 do século 20. Ambos fomos oradores de nossas turmas, nos
tornamos professores titulares, fundamos os respectivos centros de memória e
escrevemos a história de nossas faculdades e universidades. Demais somos
grandes amigos e casados com duas doces Leilas. Cumpre acrescentar que a Leila
Barbosa, além de fundadora do hoje Museu Murilo Mendes, é sobrinha neta do
poeta municipal Belmiro Braga, enquanto eu sou filho do poeta municipal João
Salgado Filho. A proximidade geográfica entre Juiz de Fora e Nepomuceno traz
também um vínculo familiar, pois João Ribeiro Vilaça, o diretor-fundador da faculdade
juiz-forana, pertence à mesma tradicional família Ribeiro, migrada de
Entre-Rios de Minas também ao sul do Estado, da qual sou membro.
Não
bastasse tudo isso, me tornei amigo de Pedro Nava e sou co-editor de livros
póstumos do polígrafo Antônio da Silva Melo, além de biógrafo de Carlos Chagas.
Isso me faz admirador da fase áurea da medicina de Juiz de Fora, entre os
séculos 19 e 20. Sebastião Gusmão afirmou que Hermenegildo Vilaça, Eduardo
Borges da Costa (casado na família Halfeld) e Afonso Pavie colocaram a cirurgia
mineira na vanguarda da cirurgia moderna do país, sendo que dos três o único
nascido em Minas é Vilaça. José Carlos Resende Alves biografou Hermenegildo e
mostrou sua fraterna amizade ao descobridor Carlos Chagas (também componente do
clã Ribeiro), em vilegiaturas de caça - fazendo
trio com João Penido, outro gigante da medicina juiz-forana. Já Eduardo de
Menezes foi adjetivado de médico imperial de Juiz de Fora por seu biógrafo José
Sílvio Resende. Assim, Vilaça, Menezes, Penido,
Melo e Nava representam um conjunto dourado de médicos, que se completa com a
proeminência do poeta universal Murilo Mendes e do genial empreendedor
Francisco Batista de Oliveira (mais um Ribeiro).
Necessário
se faz analisar as razões pelas quais Hermenegildo Vilaça e seus companheiros
não conseguiram que a cidade tivesse sua faculdade de medicina antes da
inauguração de Belo Horizonte e até mesmo antes da era JK. O livro de José
Carlos Barbosa dá o primeiro passo nessa direção. De fato, houve claro impedimento para que o esplêndido
desenvolvimento de Juiz de Fora fosse levado a suas últimas consequências. Há
várias indicações de que esta cidade e região se rivalizariam pari-passu com o
boom paulista. O progressismo juiz-forano, contudo, ocorreu logo após um
movimento separatista do sul de Minas. Isso causou dois efeitos. Os paulistas
temeram que um sul de Minas que abrangesse Juiz de Fora seria contrário a suas
pretensões hegemônicas. Por outro lado, os separatistas do sul queriam que a
capital do novo Estado fosse a cidade de Campanha e procuraram descaracterizar
Juiz de Fora como abrangida pelo sul. Tudo isso com ingerências ferroviárias e
eclesiásticas. Assim, a separação do verdadeiro sul de Minas, entre Sul e Mata,
cedo prejudicou não só o próprio Sul, como a própria Mata, e prejudicou mais
especificamente Juiz de Fora.
Esse
absurdo poderia ter sido revertido já no governo Vargas, pelo medo que este
tinha do poderio paulista. Benedito Valadares, entretanto, se curvou aos
interesses cariocas. Ele teria convencido Vargas de que o melhor golpe contra
São Paulo seria favorecer o Rio, em vez de Minas. Com isso, a usina de Volta
Redonda, em vez de ser erguida em Minas, que tinha o minério, foi erguida, em
1941, no Rio, que não tinha minério, mas era perto dos que queriam dirigi-la.
Minas passou a ceder seu minério para fazer aço em Volta Redonda de modo a
impedir que o progresso de Juiz de Fora ganhasse o trunfo siderúrgico contra o
progresso paulista. Mas estes tanto exigiram que a usina paulista (Cosipa) veio
em 1953 - e esta só poderia produzir aço, para os paulistas, se recebesse o minério de Minas. A primeira em
Minas, a Usiminas, só nasceu, a título de consolação, em 1956. A Faculdade de
Medicina de juiz de Fora, nascida já na era JK, é, portanto, irmã da primeira
grande siderúrgica de Minas, ambas postergadas em detrimento de Juiz de Fora.
O
primeiro dos Diogo Vasconcelos foi o primeiro historiador de Minas e foi o
primeiro a afrontar Juiz de Fora. Em seu livro BREVE DESCRIÇÃO GEOGRÁFICA,
FÍSICA E POLÍTICA DA CAPITANIA DE MINAS GERAIS (1801), no capítulo que
enumera as pessoas célebres da capitania, censurou a menção ao médico Domingos
Vidal Barbosa Lage, que proponho para patrono de sua primeira faculdade médica.
Juiz de Fora detém, antes de muitas glórias, a singularidade ilustre de ter
tido, entre seus fundadores, este heroico republicano, de fato um mártir, morto
no exílio depois de condenado como inconfidente.