João Amílcar Salgado

sexta-feira, 9 de março de 2018


CASSINO DE SEVILHA NA VILA
em O RISO DOURADO DA VILA (2003)

João Amílcar Salgado
Quando o novo prédio do clube da Vila ficou pronto, foi anunciado que o baile de inauguração seria com a orquestra Cassino de Sevilha. Foi aquele alvoroço.  Gente, que nunca tinha dançado ao som de sua música, dizia maravilhas da orquestra.  Imaginavam a coisa e a descreviam como se o sonho fosse real.  As moças prometiam vestidos dignos do acontecimento.  Os cata-bailes das cidades vizinhas prometiam encher o novo salão de dança.  Correu a notícia de que o Dr. João Pereira, em reunião da diretoria, queria exigir rigorosa seleção dos frequentadores. 
            No dia marcado, a rua Direita estava dura de gente.  Os que não eram sócios se contentavam em aguardar para ouvir os números musicais do lado de fora.  Chega a hora: onze da noite. O salão já está repleto e num vozerio danado.  De repente, súbito silêncio corre o público. É o desfile dos músicos que vão chegando para ocupar seus lugares. Parece apresentação de toureiros, mas suas vestimentas são ainda mais bonitas, pois misturam a destes com os mais vistosos uniformes militares. Gala assim jamais foi vista, com tanto enfeite e tanto brilho! Completam o cortejo duas morenas andaluzas de vestido longo, com uma fenda até o meio das coxas.  Ao andar, suas pernas perfeitas se entremostram provocantemente. São duas lindas carmens que desencadeiam audível onda de suspiros na rapaziada, seguida de outra onda, esta de resmungos das mocinhas.
            Os músicos se sentam e ficam mexendo discretamente em seus instrumentos.  Ouve-se, então, leve rufo e eles se põem de pé.  É o instante em que começa aquela coisa inesquecível, ao mesmo tempo comovente e triunfal: são os acordes magníficos do Lamento Borincano, trinado na orquestração de Peres Prado.  A beleza esmagadora dos metais e violinos, se prolongam por deliciosas variações da melodia, pois, a cada vez, um naipe de instrumentos se ergue e a coisa se faz cada vez mais inebriante.
            Quando a música cessa sob a explosão de aplausos, os músicos apenas se curvam em agradecimento, pois de imediato mudam o ritmo e começa a rumba Quien Será.  É tocada num sincopado tão rebolante que o salão em peso começa a se mexer. E então as duas moças saem a dançar com dois dos rapazes da orquestra.  Depois de duas voltas de exibição, somos convidados pelos dois pares para iniciarmos o baile.  O Marcli e a Gigita são os primeiros a sair em rodopio.  E foi a primeira vez que este casal foi visto a começar um baile sem que a música fosse  Esmagando Rosas.
            Faço um esforço para recriar a seqüência das músicas desse baile:
Cachito, cachito / cachito mio /  pedazo de cielo / que Diós me dió ...;
Abrazame asi / que esta noche / yo quiero sentir /  ...;
Comprende lo que sufro yo / canto pues ya no puedo sollozar / ..
Tanto tiempo / disfrutamos de este amor / ... / pero tu lhevas tambien / sabor a mi / ...;
Que bonitos ojos tienes / debajo de esas dos ocejas / ... / malagueña salerosa / ...;
La puerta se cerró detrás de ti / y nunca más volviste a aparecer / ...;
Dicen que la distancia es el olvido / pero... / ... / hasta que tu decidas regresar /;
Usted es la culpable / de todas mis angustias / y todos mis quebrantos / ...;
No existe um momento del dia / ... / más allá de tus labios / ... / contigo a la distancia / ... ;
Bésame, bésame mucho / como si fuera esta la noche / la última vez / ..;
Noche de ronda / que triste pasas / ... / luna que se quiebra / sobre la tiniebla / ...;
Reloj no marques las horas / porque voy a enloquecer / ... / cuando amanezca otra vez / ...;
Aquellos ojos verdes / ... / de todas las dulzuras/ ... / serenos como um lago /...
Siempre que te pregunto / ... / tu siempre me respondes / quizás, quizás, quizás / ...;
Solamente una vez / amé en la vida / .. / y nada más / ...;
Quiéreme mucho / dulce amor mio / que amante siempre  / te adoraré / ...;
Ya no estás a mi lado corazón / en el alma solo tengo soledad / ...;
Atiéndeme / quiero decirte algo/ .. / escúchame / ... / yo necesito hablarte / ...;
Señor, eterno Dios / ante tu altar / hoy vengo suplicante / ...;
Yo sé que volverás / cuando amanesca / ....
Si llegó el momento ya de separarnos / en silencio el corazón dice y suspira /...;
            Depois do intervalo para descanso da orquestra, surge um cantor parecido com o Nelson Gonçalves e inicia:
Boemia / aqui me tens de regresso / e suplicante te peço/ ...;
Amor, eu me lembro ainda / que era linda, muito linda / ... / a camisola do dia /...;
Não, eu não posso lembrar que te amei / não, eu preciso esquecer que sofri / ...;
Eu sonhei que tu estavas tão linda / numa festa de raro esplendor / ...;
Dolores Sierra / vive em Barcelona na beira do cais / ...;
Fugindo da nostalgia / fui procurar alegria / na ilusão dos cabarés / ...;
Fica comigo esta noite / e não te arrependerás / ...;
Cansado de tanto amar / eu quis um dia criar / ... / uma mulher diferente / ...;
Eu amanheço pensando em ti / eu anoiteço pensando em ti / ...;
Minha vida era um palco iluminado / eu vivia vestido de dourado / ...;
Tu és divina e graciosa / estatua majestosa do amor / ...;
As estrelas tão serenas / ... / andam tontas ao luar / ...
A lua que procura diamantes / para seu lindo sonho ornamentar / ...;
Ela é tão rica e eu tão pobre / eu sou plebeu, ela é nobre / ...;
Minha linda suburbana / por trás da veneziana / vem sorrir nesta canção / ...;
Por ser do morro e moreno / é que eu soluço, é que eu peno / ...;
Boa noite, meu grande amor / contigo eu sonharei / ...