OS
90 ANOS DE ALZIRA RABELO VILELA DE FIGUEIREDO
De
tão espontaneamente bela se esqueceu de envelhecer

João Amílcar Salgado
O
primeiro Figueiredo foi o herói astúrio-cantábrico que, armado de meio tronco
de uma figueira, salvou cem donzelas germânicas quase-entregues a lúbrico
califa. Custa-me acreditar em reencarnação, mas, por causa da cor dos olhos
visigodos de dona Alzira, gostaria de crer ser ela a reencarnação daquela linda
moça que o primeiro Figueiredo escolheu para esposa, entre as cem resgatadas.
Todos os suaves encantos de sua personalidade sei que herdou da mãe
Clara Rabelo, muito bem conhecidos por todos, na autenticidade sulmineira de
ambas. O irmão desta, o farmacêutico
Quinca Rabelo, colega universitário de meu pai em Alfenas e eterno apaixonado
por minha tia Bebete (ele e ela solteiros por toda a vida), foi o cidadão mais
culto de Campos Gerais de seu tempo. Ele dizia descender do primeiro Rabelo de
Minas, o letrado de Ouro Preto e Pitangui José Rabelo Perdigão. Este ex-militar e depois abastado minerador
está celebrizado na história mineira, por ter documentado a tragédia da
primeira fome epidêmica no país, quando a cobiça do ouro fez, de toda uma
população recém-enriquecida, paradoxalmente esquecida do que comer.
As duas linhagens citadas e mais a
Garcia e a Vilela culminaram no ser harmonioso que é a dona Alzira. Seu ramo
Vilela é de Serranos e decorre de Maria Garcia Vilela, esposa de José Alvares
de Figueiredo, o fundador de Boa Esperança. Assim, ela, pelo pai Manoel Vilela
Figueiredo, descende do casal Diogo Garcia – Júlia Maria da Caridade, esta a
principal das famosas Três Ilhoas, cuja prole se estabeleceu na região de
Lavras e seus distritos (Carrancas, Nepomuceno, Três Pontas, Campos Gerais,
Varginha e Carmo da Cachoeira), e para aí atraíram primos derivados das outras
duas açoreanas.
Marcos Chaves Figueiredo, que é ao
mesmo tempo excelente médico e notável linhagista, retribuiu a riqueza de dados
a ele fornecidos pela dona Alzira, brindando-a com enorme gráfico da árvore
genealógica dos Figueiredo. Trabalho exaustivo e rigoroso que vasculha essa
gente ao longo dos últimos séculos, no caso chegando até a Ana Luiza, a
primeira dos bisnetos da homenageada.
Percorrendo aquelas intrincadas
linhas da parentalha, a dona Alzira se entusiasmou e, perdendo a timidez usual,
nos deu prova cabal do quanto ela própria era historiadora, e das melhores. Na
época de eleições acirradas, mais no
plano municipal, mas também nas esferas estadual e federal, ela foi testemunha
presencial de reuniões com figuras marcantes da política, seja em sua
casa seja na de seu sogro. Para mim, ela foi a fonte mais fidedigna e
equilibrada das circunstancias da rumorosa morte do irmão de sua sogra. Ou então da rocambolesca migração dos Caiafa
até Minas Gerais.
A educadora e musicista Márcia
Vilela Souza me relatou que, quando era elogiada como a moça mais bonita de Boa
Esperança, respondia que, se o elogio se estendesse ao âmbito regional, ela o
cederia sem inveja para a mais bela da redondeza: Alzira Rabelo de Figueiredo.
Disse que todos os rapazes eram apaixonados por esta, mas o médico
recém-formado Carlos Caiafa Filho a cercava de ciúmes tão possessivos que
ninguém teve chance a não ser ele de se casar com ela, em memorável boda. E os
muitos filhos, contados acima da dúzia, não diminuiu em nada a distintiva
estampa dessa inimitável noiva.
Caiafa Filho relatou suas memórias
no livro VIDA DE MENINO ANTIGO (1986). Seu curso médico e seu casamento seriam
descritos no segundo volume, que não chegou a escrever. Do que conta nesse
primeiro é possível inferir o glamour e a alegria da juventude de Campos Gerais,
desfrutados pela normalista Alzira naquele ditoso tempo.
As grandes fazendas dessa
esplendorosa região eram célebres, por exemplo a do Paraíso , a Ariadnópolis e
a da Serra. Nesta, Alzira passou a infância e depois foi professora, em
cavalgadas diárias.. Quando visitamos a magnífica edificação, para que o Carlos
Amílcar e o João Vinícius a conhecessem, antes que algum malvado a demolisse, a
dona Alzira reviveu ali, com muitos causos, a azáfama do dia-a-dia de
antigamente.
Para melhor encaminhar a filharada,
Carlos e Alzira vieram para a Capital e aqui voltou a dar aulas, com visível
satisfação e justo orgulho, por ainda aproveitar sua jamais perdida competência
pedagógica. E mais mestra do que nunca ela o é no carinho igualitário por
netos, bisnetos e trinetos. Teve de enfrentar o falecimento de dois filhos e do
esposo e nessa sucessão de golpes atrozes é que todos nos encantamos com a
estatura dessa mulher de rija têmpera, desse ser humano raro, dessa dama mineira sem igual.
Em seus 90 anos, a dona Alzira,
rodeada de tantos descendentes e amigos, merece
ser cumulada de todas as galanterias que pudermos formular, de todas as
loas que pudermos entoar e de todos os louvores que pudermos tributar a uma
heroína ao mesmo tempo da ternura e da
bravura..