João Amílcar Salgado

segunda-feira, 10 de setembro de 2012


Brinde à cidade de Cristais
João Amílcar Salgado
       
       Cristais é onde algumas das tintas mais fortes da história de Minas e do Brasil não conseguem sobrepor-se à paisagem de incomensurável beleza. De fato, nela se demarcam tanto o passado, por acontecimentos de bravura e drama, como o presente, pelo aprazível acolhimento, humano e físico.
       Escassas notícias houve sobre esta região ao longo de dois séculos, desde o desembarque europeu no Brasil. Duas muralhas, a serra do Mar e a da Mantiqueira, serviam de barreira à penetração colonial do futuro chão de Minas. Os bandeirantes, antes de descobridores de ouro, eram caçadores de indígenas, para serem escravizados e vendidos.  Com esse mercado acumularam capital para financiar a busca do ouro. Os índios eram facilmente aprisionados ao norte do rio Paraíba, quando, acossados até o aclive da Mantiqueira, dali não logravam escapar. Até que os mais insubmissos passaram a esgueirar-se por mais de uma garganta da cordilheira. Quando os perseguidores afinal desvendaram suas trilhas, toparam do lado de cá procedimentos de guerrilha. O contingente mais  desafiador se sentia protegido ao norte do rio Grande. Os algozes enfurecidos se reforçaram de gente e de armas e cruzaram o rio mais estreito a leste.  Afinal flanquearam e sitiaram aqueles bravos no ângulo entre uma alta serra e o rio volumoso. Este beco-sem-saída deixou os perseguidos em pânico, ainda mais porque o terreno, na época, era semelhante ao atual pantanal mato-grossense. E foi assim que o magnífico panorama desse local emoldurou o impiedoso massacre da totalidade dos indígenas para aí tangidos. Ficou a lenda de que era possível sempre ouvir, na noite daquelas águas, o gemido das milhares de vítimas.
56 anos depois, se deu outro cerco e se fez outro genocídio, desta vez dos quilombolas. Estes eram ex-escravos negros que  tinham fugido de infames grilhões nas Lavras do Funil. Julgaram que aquele lindo lugar, sendo cheio de cristais mas escasso de ouro, não atrairia eventuais perseguidores. Assim aconteceu, até que houve uma decisão, não de garimpeiros, mas de tropas a serviço do governo provincial, para  exterminá-los. 
Os quilombolas sobreviventes foram banidos para bem distante, no rumo da Farinha Podre, e aquela encantadora paragem passou a ser cobiçada por posseiros, grileiros e aventureiros. Foi finalmente comprada como sesmaria por um opulento senhor, auto-apelidado de Frazão, antes enriquecido nas lavras do rio Paraopeba. Seus descendentes hoje são ilustres cidadãos da cidade, a qual, depois da usina de Furnas, não manifesta qualquer traço desse passado de conflito e dor..
E para coroar tudo isso, em meio ao mesmo antigo cenário, agora  com a sedução multiplicada pelo represamento das águas,  a cidade foi brindada com a família de um casal de médicos, que são a bênção que faltava  para fecho de tão fascinante história. Vieram morar na cidade o cirurgião Gilberto Lino Vieira e a pediatra Penha Furtado Campos Vieira. 

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