Brinde à cidade de Cristais
João Amílcar Salgado
Cristais é onde algumas das tintas mais fortes da
história de Minas e do Brasil não conseguem sobrepor-se à paisagem de
incomensurável beleza. De fato, nela se demarcam tanto o passado, por acontecimentos de bravura e drama, como o
presente, pelo aprazível acolhimento, humano e físico.
Escassas notícias houve sobre esta região ao longo de dois
séculos, desde o desembarque europeu no Brasil. Duas muralhas, a serra do Mar e
a da Mantiqueira, serviam de barreira à penetração colonial do futuro chão de
Minas. Os bandeirantes, antes de descobridores de ouro, eram caçadores de
indígenas, para serem escravizados e vendidos.
Com esse mercado acumularam capital para financiar a busca do ouro. Os
índios eram facilmente aprisionados ao norte do rio Paraíba, quando, acossados
até o aclive da Mantiqueira, dali não logravam escapar. Até que os mais
insubmissos passaram a esgueirar-se por mais de uma garganta da cordilheira.
Quando os perseguidores afinal desvendaram suas trilhas, toparam do lado de cá
procedimentos de guerrilha. O contingente mais
desafiador se sentia protegido ao norte do rio Grande. Os algozes
enfurecidos se reforçaram de gente e de armas e cruzaram o rio mais estreito a
leste. Afinal flanquearam e sitiaram
aqueles bravos no ângulo entre uma alta serra e o rio volumoso. Este beco-sem-saída
deixou os perseguidos em pânico, ainda mais porque o terreno, na época, era
semelhante ao atual pantanal mato-grossense. E foi assim que o magnífico panorama
desse local emoldurou o impiedoso massacre da totalidade dos indígenas para aí tangidos.
Ficou a lenda de que era possível sempre ouvir, na noite daquelas águas, o
gemido das milhares de vítimas.
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anos depois, se deu outro cerco e se fez outro genocídio, desta vez dos
quilombolas. Estes eram ex-escravos negros que
tinham fugido de infames grilhões nas Lavras do Funil. Julgaram que
aquele lindo lugar, sendo cheio de cristais mas escasso de ouro, não atrairia eventuais
perseguidores. Assim aconteceu, até que houve uma decisão, não de garimpeiros,
mas de tropas a serviço do governo provincial, para exterminá-los.
Os
quilombolas sobreviventes foram banidos para bem distante, no rumo da Farinha
Podre, e aquela encantadora paragem passou a ser cobiçada por posseiros,
grileiros e aventureiros. Foi finalmente comprada como sesmaria por um opulento
senhor, auto-apelidado de Frazão, antes enriquecido nas lavras do rio
Paraopeba. Seus descendentes hoje são ilustres cidadãos da cidade, a qual,
depois da usina de Furnas, não manifesta qualquer traço desse passado de
conflito e dor..
E para
coroar tudo isso, em meio ao mesmo antigo cenário, agora com a sedução multiplicada pelo represamento
das águas, a cidade foi brindada com a
família de um casal de médicos, que são a bênção que faltava para fecho de tão fascinante história. Vieram
morar na cidade o cirurgião Gilberto Lino Vieira e a pediatra Penha Furtado
Campos Vieira.
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