ANÁLISE DO DEBATE DOS
PRESIDENCIÁVEIS EM 26-8-14
João Amílcar
Salgado
Qual
é o espectro ideológico dos aspirantes presidenciais que debateram na tv em
26-8-14? A petista Dilma, os ex-petistas Marina, Luciana e Eduardo, bem como o
ex-brizolista Levy, poderiam ser taxados de mais ou menos esquerdistas. Aécio
poderia ser considerado centrista e ficaria para o engraçado pastor Everaldo o
rótulo de direitista. Se isso é fato,
tal espectro deve ter sido
decepcionante para âncoras da extrema
direita, como José Roberto Guzzo, Reinaldo
Azevedo e Arnaldo Jabor, que, diante de tais presidenciáveis, concluirão que o
país lhes foi surdo, fazendo vã sua feroz doutrinação na mídia. Só lhes restará
o apelo a militares eventualmente extremistas.
Afora
esta curiosidade, minha apreciação é mais abrangente. Ao contemplar os
candidatos e ao acompanhar o debate, de que gostei bastante, deixo de lado o rótulo
ideológico simplificado, para explorar as características de nosso populismo
esquerdista – que vem atropelando com folga aquele insignificante e desnorteado
esquerdismo residual, sobrevivente à ditadura.
Tenho
vários amigos hoje partidários do Aécio. Quase todos vinham expressando feroz condenação
ao bolsa-família. Quase todos, completavam o veemente anátema por apelidá-lo
darwinisticamente de bolsa-preguiça. E não é que tais amigos estão sendo
obrigados a engolir o Aécio anunciando não só manter como expandir o
bolsa-família? Se Dilma vê Fernado Henrique em Aécio, Tancredo veria a UDN na
tucanagem.
Eu
era admirador de Mário Covas e acreditava em sua lisura, tanto que, com as
denuncias contra seus auxiliares, subornados no metrô dele, sugiro reabrir o
caso das mortes de Ulisses e Severo. Minha hipótese é que Covas teve suspeitas
do que aprontavam e pediu a Ulisses e Severo para investigar. Deviam estar
investigando quando morreram. Como covista, acompanhei a criação do PSDB, ao
lado do Buduca (Carlos Becker), e cheguei a ajudar na UFMG o início da
administração do prefeito Pimenta. Neste
início, os tucanos eram socialistas democráticos. Acabaram stripers
neoliberais. Cardoso enganou Habermas e Mitterand, mas não enganou Florestan.
Por
outro lado, fiz parte, junto com Dario Tavares e outros, da preparação dos
governos estadual e federal de Tancredo, que nunca deixou de ser getulista de
esquerda, apesar de incompatibilizado com Brizola. Ele admirava nossas
inovações na faculdade de medicina, apoiou nossa greve em plena ditadura e essa
afinidade foi fator de sua entrada na Campanha das Diretas. Tais
inovações em educação e saúde seriam
aproveitadas nacionalmente, caso houvesse a posse e o governo Tancredo Neves.
Estão escondendo isso do Aécio?
Acontece
que os governos federais, a partir de Sarney, Color e Itamar, primaram pelo
desmonte de cada uma de nossas conquistas e impediram a sustentação da inovação
mineira. Sarnei, trêmulo diante da
prepotência de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan, passou a fazer o
contrário de tudo o que Tancredo ia fazer, particularmente favorecendo as
universidades católicas em detrimento das federais. Itamar, que, por pressão de
denúncias mineiras, acabou com o corrupto Conselho Federal de Educação, quando
voltou a Minas para ser governador, teve atitude oposta para com o Conselho
Estadual de Educação – e o resultado é o horripilante desastre que aí está, de
uma escola de medicina a cada esquina e a importação emergencial de médicos.
Tudo
isso tornou ininterrupto o sucateamento das universidades públicas, o corte
orçamentário e o rebaixamento salarial, transformando os hospitais
universitários em caricaturas assistenciais. Agora mesmo está acontecendo
aquilo que seria antes impensável: a USP está leiloando seus excelentes
hospitais universitários. Mas o
principal malefício foi o vilipêndio da educação e da saúde, convertidas em covil
de gente gananciosa, obcecada com o lucro a qualquer custo, sob o comando
perverso de apedeutas encastelados em organizações crescentemente milionárias,
ornadas com quase todas as características do crime organizado.
As
perspectivas mundiais pareciam melhores após Bush. Logo tudo voltou a piorar e
hoje estamos assistindo crimes e mais crimes contra a humanidade, principalmente
indizíveis atrocidades contra as crianças. Já a América do Sul, antes infelicitada pelo
triste trio neoliberal Menem-Fujimore-Henrique Cardoso, viu emergir, em reação,
o trio populista Evo-Chaves-Lula. Ambos os trios exibem, em comum, olímpica
indiferença pela saúde e pela educação. Seus sequazes acharam de bom tom
mostrar que acompanham a tendência mundial. Se Thatcher foi copiada na Alemanha
por Angela Merkel, os daqui inventaram a versão esquerdo-populista do neo-tatcherismo
de Merkel com o trio Dilma-Kirchner-Bachelet, todas três descendentes próximas
de europeus. Cristina, como num tango, se inspira em quem mais odeia
(Thatcher); já Bachelet rima com Pinochet enquanto Dilma é uma sinhá-braba
modernosa. Mas há os radicais que querem que tais mulheres sejam substituídas
por versões indígenas sul-americanas. Já que o trio Evo-Lula-Chaves é
fortemente indígena, o Brasil, como líder, se antecipa com Marina.
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