João Amílcar Salgado

segunda-feira, 13 de abril de 2015

A ÁGUA E A LEI
João Amílcar Salgado
No último dia 21-3-15 houve em São Lourenço, aqui no Sul de Minas, importante debate sobre o aspecto jurídico da sustentabilidade hídrica (ver anexo).
          Os belorizontinos terão a oportunidade de conhecer a questão porque o jurista José Afrânio Vilela, participante daquele debate, falará, no dia 28-4-15, sobre “A CRISE NO MEIO AMBIENTE SOB O OLHAR JUDICIAL. Será na Associação Médica de Minas Gerais, av. João Pinheiro, 161, às 19 horas.
          Considero feliz a ideia de tratar desse assunto a partir do Sul de Minas, pois sou estudioso das profundas relações desta região com suas águas. Quando os bandeirantes, antes de Fernão Dias, conseguiram caçar indígenas ao norte da Mantiqueira, tiveram que lidar com a travessia de muitos cursos dágua e chuvas torrenciais, de setembro a maio. E o maior genocídio indígena no país ocorreu quando emboscaram mulheres, crianças e adultos contra as águas do rio Grande. O próprio Fernão Dias sofreu ali com a chuva antes de avançar mais ao norte. Em seguida, quando houve a separação entre Minas e São Paulo, houve conflito para decidir quem ficaria com o maravilhoso vale do rio Sapucaí. Este vale encantou visitantes estrangeiros e passou a ser cobiçado pelos paulistas tão avidamente que por fim confessaram que se contentariam com o lado oeste desta bacia. E por pouco não o conseguiram.
Quando foi feito o lago de Furnas, ocorreu a absurda decisão de inundar uma das maiores camadas de húmus do planeta. O custo/benefício da troca dessa terra esplendorosamente agricultável pela energia pretendida nem sequer foi discutido. E esse crime continuará sendo escandaloso para sempre. Na preparação da barragem, ocorreu o saneamento antimalárico do vale Rio Grande-Paraná. Por pelo menos um século, Inúmeros seres humanos tinham morrido ou ficaram inválidos pela malária, que antes não havia aqui. Se essa gente pudesse ser ouvida hoje, interpelaria o governo e os financiadores norteamericanos, perguntando: antes não fomos saneados, então a energia vale mais que gente?
          Independentemente disso, os sanitaristas da época deram um show na erradicação dessa malária e o principal deles foi o competentíssimo nepomucenense Aprígio de Abreu Salgado. Calcula-se que aqueles especialistas hoje dariam conta da dengue. A epidemia, ora em expansão, vem escapando tranquilamente dos sanitaristas (?) atuais, mesmo com a tecnologia hoje disponível.

          E São Lourenço é simbólica nesta questão. O Sul de Minas - por milênios riquíssimo de rios e de chuva – é também privilegiado por águas requintadas. A família imperial era fanática por Caxambu, Getúlio Vargas por São Lourenço e Osvaldo Aranha por Poços de Caldas – competição que nobilita os sul-mineiros. Ultimamente a poderosa indústria de águas avançou sobre tal patrimônio, que assim continua sob enorme ameaça, tanto maior quanto mais aguda for a crise hídrica..

sábado, 11 de abril de 2015

CENTENÁRIO DE NOZINHO GUSMÃO
www.youtube.com/watch?v=nhOw8zj56fM
Vejam este vídeo comemorativo deste centenário
Associando-nos à homenagem a nosso inesquecível Nozinho (Nathan) Gusmão, anexamos o texto do qual ele é o primeiro autor, apresentado ao Congresso de História da Medicina de Salvador, Ba, 2003. Seu relato oral foi colocado em formato adequado à comunicação. O vídeo acima e o  texto anexo não esgotam a homenagem devida. Sugerimos que o conjunto de seus relatos seja substrato de um livro, principalmente os referentes a sua vida de tropeiro. Imensa é nossa saudade desse companheiro de causos sem fim. joão&leila

ECO BRASILEIRO AO TAN-TAN DE BROCA

Natham Gusmão. Sebastião N. S. Gusmão, João Vinícius Salgado

Pierre Broca, cirurgião e antropólogo francês, publicou, em 1861, em Paris, o artigo Perda da fala: amolecimento crônico e destruição parcial do lobo anterior esquerdo do cérebro, no Boletim da Sociedade de Antropologia (Bull. Soc. Anthropol  1861, 2, 219), texto pioneiro sobre o sinal clínico da afasia. Conclui por apontar a localização cerebral da linguagem. Seu estudo foi ocasionado por um paciente que, depois de lesão em tal área, deixou de falar, passando a emitir, repetitivamente, apenas a  expressão tan-tan. Daí, o termo tantã passou a designar, na linguagem vulgar, pessoa amalucada ou ligeiramente débil mental. No dicionário Aurélio, o autor do verbete, mostra ignorar a origem da palavra e pergunta se não deriva de tonto. É possível, entretanto, que a vulgarização do vocábulo tenha decorrido da semelhança sonora entre tan-tan e tonto.  Estudos posteriores mostraram que o resquício de linguagem capaz de permanecer em afásicos está ligado à esfera emotiva mais profunda, o que está de acordo com as idéias de Antônio Damásio, expostas no livro O Erro de Descartes – Emoção, Razão e o Cérebro Humano. 

Na memória de uma família brasileira, recolhida por um dos presentes autores, há o registro de um avô que, após lesão cerebral seletiva, passou a responder a qualquer tentativa de diálogo com forte palavrão (puta que pariu). Esta pessoa antes  não fazia uso de  linguagem chula, no trato com o público, pois exercia a função de terapeuta prático, pois a cidade de Itamarandiba, em Minas Gerais, não contava com médico formado, no final do século 19. Fazia uso inclusive do Chernoviz e outros livros de diagnóstico e terapêutica. Seu filho herdou sua ocupação e vários de  seus descendentes e colaterais têm-se distinguido como clínicos e cirurgiões.  Depois de sua doença, mesmo sem poder dialogar, prosseguiu no atendimento a sua prestigiosa clientela, inclusive sendo transportado a cidades vizinhas,  com a diferença de que, a qualquer dúvida sobre sua prescrição escrita, apresentava a mesma resposta. Curiosamente, o caso brasileiro foi contemporâneo do relatado por Broca.