João Amílcar Salgado

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

FIDEL E NOSSO ROMANTISMO DOS ANOS DOURADOS
João Amílcar Salgado
No livro O RISO DOURADO DA VILA (2003) eu digo que “A urologia e a pediatria ainda ficavam no antigo hospital São Vicente, do qual relembro os corredores arejados, ainda cheirando a iodofórmio, em pela era da penicilina. Ali o Aparício Silva de Assis, que tinha acabado de almoçar com o general Vernon Walters, nos garantia que os norte-americanos estavam apoiando os guerrilheiros de Sierra Maestra. Foi então que meu colega João Cândido disse: a propósito o Fidel Castro foi ouvido no México, dizendo na Rádio Rebelde que a primeira coisa que fará após derrubar o ditador vai ser cortar os bigodes do cantor Bienvenido Granda...”
Noutra parte do livro relato que, ao lado da república Remanso-de-Hipócrates, morava o escritor Benito Barreto. Certo dia, em 1962, ouvimos muita gente chegando a seu apartamento, todos em volta do escritor Jorge Amado, que viera prestigiar o lançamento do primeiro livro do Benito, PLATAFORMA VAZIA. Fiquei ao lado do Jorge o tempo todo, o qual então perguntou ao Benito  se estava recebendo os jornais de Cuba. Este respondeu que ultimamente parou de recebê-los e queixou: acho que o DOPS está interceptando minha correspondência. Fiquei ali ouvindo tudo isso fingindo cara de pateta, porque eu era o interceptador. De fato, nós lá na república líamos tudo, acompanhando os primeiros passos daquela inacreditável vitória, inclusive a notícia de que Bievenido conseguira fugir, preservando seus bigodes. Só confessei  o acontecido ao Benito muitos anos depois e ele riu muito.
Éramos mais fãs do argentino Guevara do que do cubano Fidel. Esperávamos que defendessem um socialismo democrático, mas não tiveram outra alternativa a não ser cair nos braços da União Soviética. Quem os induziu a isto não foram os soviéticos mas Robert McNamara, ministro de Kennedy.  Este homem, além deste, cometeu outro crime: a invasão da Bahia dos Porcos, contrariando o irmão do presidente, Robert Kennedy. Mais tarde ele cometeria mais um: o mergulho na loucura da guerra do Vietnã. Naquela invasão e nesta Guerra os EUA sacrificaram sobretudo seus jovens e foram fragorosamente derrotados – além de causarem imensurável dor e morticínio sem fim de inocentes.
De nossa parte ficamos decepcionados com nossos heróis da Sierra Maestra, especialmente pelo paredón, e com nosso herói John Kennedy. Este ainda tentou amenizar as desigualdades sociais da América Latina, por meio de gigantesco projeto de 20 bilhões de dólares da época, denominado ALIANÇA PARA O PROGRESSO, cujo fim era evitar que os Andes se transformassem em imensa Sierra Maestra. Kennedy e Guevara estavam em Punta del Este, em 5/8/61, mas Chê se recusou a assinar o documento final da Aliança.
Robert, o irmão de John Kennedy, nos parecia de nosso lado, contra McNamara. Mas, na medida em que crescia essa discordância, ambos os Kennedy foram assassinados. Assim, nós que sonhávamos com um mundo melhor sofremos rudes golpes, inclusive a morte dos papas avançados João 23 e João Paulo 1º.
Esses ideais juvenis (expressos em meu discurso de orador da turma, em 1960) alimentaram a minha curiosidade sobre o que ocorreria em Cuba ao longo dos anos. Luiz Felipe Cisalpino Carneiro, meu inesquecível amigo, e que foi um dos vanguardeiros da humanização da psiquiatria mineira e brasileira, ao contrário de nós, nunca deixou de ser  fanático por Fidel.  Chegou a pedir minha ajuda para visitar Cuba em plena ditadura no Brasil. E não é que consegui? Solicitei em troca que nos trouxesse dados sobre a saúde e a educação de lá. Ministrou magnifica aula sobre o hospital psiquiátrico de Havana em 3-5-1982.
Eu próprio, também em plena ditadura, fui muito prestigiado em Puebla, México, em 1979, por causa da repercussão internacional da inovação no ensino da medicina, conseguida na UFMG em 1974. Fui ali procurado por dirigentes educacionais de vários países, inclusive para opinar sobre o ensino médico cubano. Neste caso, aleguei que poderia ajudar em termos exclusivamente pedagógicos e sugeri que buscassem a assessoria neutra da ONU/OPAS. Mas insistissem para que o assessor fosse Juan Cesar Garcia. Assim, a inovação cubana ocorreu com vários aspectos semelhantes ao novo ensino da UFMG. Nessa oportunidade, as autoridades ministeriais mexicanas me levaram a um almoço onde tive longa conversa com uma bela endocrinologista que chegou a ter um romance com Fidel. Ela adorou vários de meus causos nepomucenenses.
Demais, o admirável Luiz Carneiro me presenteou com um texto de Gabriel García Márquez, no qual ele entrevista Fidel sobre o BOGOTAZO, ocorrido em 7/2/1948. Apresentei no congresso de Historia da Medicina, de 2002, em Ribeirão Preto, SP, um confronto entre esse texto e o discurso de João Guimarães Rosa, proferido em sua posse na Academia de Letras. O resumo de tal estudo é o seguinte.
 A Organização dos Estados Americanos (OEA) foi criada em Bogotá em 1948. Por razões diferentes estavam ali Rosa, Marques e Castro: o médico mineiro, como diplomata, Marques, como jornalista, e Castro, como agitador estudantil. Afora os motivos que os levaram a convergir para este lugar, nesta data, há algo em comum no modo de se expressarem. Marques usava a palavra para a comunicação jornalística, Fidel, para a oratória política, e Rosa para a ficção. Marques evoluiu do jornalismo para a ficção e Castro igualmente, pois o sonho igualitário prossegue sendo a mais sedutora e pertinaz ficção humana. Outro ponto em comum é a área da saúde, embora, dos três, Rosa seja o único médico. Marques tematizou a saúde em seu livro O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA (1985) e Castro comandou a construção de um dos melhores sistemas de saúde do mundo.
              Quando estavam ali, ocorreu o bogotazo, grande agitação popular, precursor de nossos panelaços. Na entrevista a Marques, Castro garantiu que o fenômeno foi espontâneo e ele apenas tentou direcionar o movimento. Houve até sua célebre exortação quando, do meio dos manifestantes, se dirigiu ao guarda do palácio, de arma em riste contra todos – tentando convencê-lo a mudar de lado. No lado da OEA, os delegados estrangeiros ficaram protegidos num bairro de luxo de Bogotá. Em seu discurso de posse na Academia de Letras, Rosa descreve o medo de que a revolta chegasse até eles.  Garantiu que a coisa foi amenizada pela prosa paregórica de João Neves da Fontoura.
Finalmente, chego ao tema que mais aprecio: a genealogia dos Castros. No referido livro O RISO DOURADO DA VILA (2003), relato que em Londres, em 1976, ocorreu um diálogo meu com historiadores da Universidade de Oxford, sobre isso. Um historiador perguntou ao Luiz de Paula Castro (um dos maiores gastroenterologistas do Brasil) qual era seu parentesco com Fidel Castro. O Luiz ficou indignado e disse que não havia nenhum parentesco. Eu comecei a rir e me perguntaram a causa do riso. Expliquei que havia parentesco sim, pois quase todos os Castro do mundo provêm de pequena região galega. E, para provocar os ingleses, disse que inclusive os Castro da história britânica tinham tal procedência. Aí foi a vez dele se indignar: cite-me um Castro histórico daqui!. Respondi com uma pergunta: como é o nome da rua aqui defronte? Ele respondeu: Lancaster Gate.  Acrescentei: Lancaster quer dizer Além-Castro, ou seja, Castro de Além Mar. Os Castro galegos atravessaram o mar e conseguiram dar um golpe palaciano e assumem o poder em 1399, reinando até 1471. De início, os York sabiam dessa coisa e isso gerou a guerra civil chamada GUERRA DAS DUAS ROSAS (1455-85). Todos os Tudor e os descendentes do casal Isabel de York e Henrique Tudor são Castro.  Ou seja, Henrique 8º é Castro.  Meu ouvinte ironizou: convido-o a dar uma aula de história em Oxford sobre algo que os historiadores de Oxford ignoram. Estou esperando a confirmação do convite até hoje.
Já em 1992, os galegos aproveitaram que Fidel estava na Espanha e o convidaram para visitar a cidade de Láncara, com o fim de participar de uma homenagem a seu pai galego, Ângel Maria Castro Argiz (1875-1956), nascido ali. Ângel fora enviado como soldado espanhol para lutar contra a independência de Cuba, país onde faleceu na cidade de Holguin. Sua humilde  moradia galega ainda existe. Quando Fidel se transformou em herói mundial, os galegos de todos os matizes ideológicos, inclusive alguns dos homens mais ricos dos  EUA, se orgulharam de sua façanha. A própria CIA teria temido reação galega interna, quando organizou os muitos atentados frustrados para assassinar Fidel. Os galegos não só são disseminados pela Espanha, Américas, Reino Britâncio e pelo mundo, mas controlam boa parte do PIB internacional.
Após as invasões nórdicas, os Castro tiveram origem na estratégia israelita de aloirar os sefardinos, por meio do matrimônio com descendentes celta-alanos. As famílias galegas dominantes têm a mesma origem, como os Andrade, Salgado, Machado, Garcia, Pires, Lara, Lemos e Ponce de Leon. De início os Castros já se tornaram uma das mais poderosas e há quem inclua  El Cid na linhagem Castro. Outros Castro que estudo são os médicos Josué de Castro, Jorge Campos Rey de Castro e Ernesto Lhopart de Castro.
              O primeiro Castro de Portugal parece ter sido Pedro Fernandes de Castro, cerca 1320, sendo ligados aos Nunes, Calvo e Laim. No Brasil assinala-se, no Rio de Janeiro, desde 1639, Antônio de Castro, casado na família de Estácio de Sá. A Minas (Sumidouro) chegou da Bahia o lisboeta Antônio Alves de Castro (certamente parente do poeta Castro Alves), casado, em 1735, com a baiana Joana Batista de Negreiros, e aí faleceu cerca de 1757. Mais tarde, Antonio Caetano de Castro nasceu em Nepomuceno em 1843 e parte de sua família migrou com ele para Casa Branca, SP. Parece que era irmão gêmeo de José Caetano de Castro, ambos tenentes-coronéis e ligados à família nepomucenense dos Caetano de Lima, com vínculos em Itaverava. Em 1868, Alípio Ferreira de Castro casou-se com Mariana Cândida de  Oliveira Lima, neta de José Antônio de Lima (o Casaquinha), sendo filha de Antônio José de Lima, falecido precocemente. 
Na região de Lavras, os Castro são relacionados aos das cidades de Pedro Leopoldo (Sumidouro), Barbacena, Prados e Oliveira, representados por importantes ramos:  Carrilho de Castro,  Castro Dias,  Ferreira de Castro,  Vinhas de Castro, Ribeiro de Castro, Nogueira de Castro,  Brasileiro de Castro e Castro Assunção, certamente inter-relacionados. Dois Castro de importância histórica em Minas são Carlos Chagas, descobridor da doença que traz seu nome, nascido em Oliveira, e o também médico Célio de Castro, prefeito da Capital, nascido em Carmópolis de Minas. O sobredito Casaquinha é meu tetravô materno em Nepomuceno e João Ferreira de Castro é meu bisavô paterno em Três Pontas.
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Na foto Fidel oferece ao Papa Francisco o livro do mineiro Frei Beto e confessa saudade de quando foi coroinha.



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