AJAX
PINTO FERREIRA
Admirável perfil de médico completo
Ajax Pinto Ferreira graduou-se em medicina pela atual
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1971. Como estudante, foi ativista antiditadura e
na formatura conseguiu, ao lado de outros líderes, impor o nome de Amílcar
Viana Martins para paraninfo. Esse gosto pela política permanece até hoje, seja
atuando nas relações de mando em sua cidade de Lagoa Santa (uma tradição de
família), seja por seu prestígio na administração universitária, ou ainda por
sua inapagável admiração ao médico-político Ernesto Guevara. Outro atributo de sua cativante personalidade
é a cultura humanística, absorvida do ambiente escolar e social de Ouro Preto e
alimentada por seu costume de freqüentar os jornais diários com diatribes deliciosas,
sob a forma de cartas-à-redação ou artigos ocasionais.
No final da
graduação e logo depois recebeu excelente treinamento, feito de propósito para
que tivesse condições de enfrentar sozinho o interior. Foi para Abaeté e lá se saiu muito bem,
voltando para a Faculdade com o saldo de muitas e belas amizades e de invejável
experiência em clínica geral de adulto e criança, cirurgia geral, obstetrícia e
ortopedia. Continua ligado a esta cidade
e a Lagoa Santa, pois muita gente de seu convívio não tem nenhuma dúvida de que
o Dr. Ajax é o melhor médico do mundo, além de infalível apoio em horas
difíceis e preciosa referência a qualquer encaminhamento. Tudo isso coroado com
saboroso modo de conversar sertanejo, que deixa logo à vontade o mais
ressabiado dos interlocutores. Assim,
ele adquiriu o hábito de colecionar tipos humanos e causos de todo gênero, o
que realimenta sua magia nas relações humanas.
Seria,
portanto, inevitável que tanto cabedal o lançasse nos braços acolhedores do
Centro de Memória da Medicina, do qual logo se tornou um dos docentes e depois
eficaz coordenador. Seu sucesso foi imediato quando, no curso de História da
Medicina, relatou em aula – não como historiador, mas como protagonista e
vítima - a invasão da Faculdade pelas forças da ditadura, no mesmo dia da
invasão da Sorbonne, em 5 de maio de 1968. Disse que os invasores exigiram um pedido
do diretor para a invasão e este o fez, mas transformou-se, ele mesmo, em
vítima do próprio veneno, pois entrou em insuficiência respiratória pelo gás
lacrimogêneo, que lhe chegou sob a porta da diretoria Foi levado ao 8º andar em
busca de ar puro e ali ficou refém dos estudantes que ameaçaram jogá-lo pela
janela. Enfim, foi resgatado por uma escada magirus e um poster do fato esteve
por vários anos como troféu na entrada da Polícia Política (DOPS). Quando o
Centro de Memória solicitou que viesse para seu acervo, a imagem foi
irreversivelmente danificada.
Ajax Pinto
Ferreira ministrou outra aula memorável: Guevara e a medicina. Todos ficamos admirados da profusão de dados
apresentados, especialmente rara documentação sobre o assassinato do herói na
Bolívia e algo totalmente desconhecido, que é sua fase de pesquisador
científico no México. O Centro de Memória convidou o desenhista Alfred Kristus
para figurar Ajax e Che, como velhos companheiros, e este encontro imaginário
hoje é atração em nosso acervo.
Em 1991, a professora Ceres
Pinheiro defendeu tese na Universidade de Campiras intitulada DE ESTUDANTE
DE MEDICINA A MÉDICO DO INTERIOR, em que são estudados 22 médicos que foram
clinicar isoladamente em cidades do interior, sem a ajuda local de colegas e
sem ter feito residência médica. Essa tese alcançou enorme repercussão, fazendo
do ensino médico da UFMG, de 1975
a 1985, referência definitiva em pedagogia do ensino
superior. A tese foi reprografada centenas de vezes, mas infelizmente não foi
transformada em livro.
Estamos
preparando um estudo em que tais dados são aproveitados junto a estudos
anteriores sobre a equipe mínima de três médicos, concebida, em 1968, para alta resolubilidade em cidades que
comportem mais de um médico. Também será incluída a experiência de médicos
versáteis que clinicaram ao lado de colegas, mas sem atuarem em equipe, como é
o caso de Ajax Pinto Ferreira. E também a experiência de médicos mais antigos
que heroicamente enfrentaram o interior em variadas condições, mais que adversas.
Alguns deles deixaram livros de memória, a exemplo de Pedro Nava, Manuel
Campanário, Nelson Senise, Pedro Pesutti e Adami Vilela. O professor Ajax, que
já provou que é bom escritor, não deixará de escrever o seu.
A presença
de um médico com o perfil de Ajax Pinto Ferreira no corpo docente de uma
universidade da importância e da projeção da UFMG é estratégica para que se
processe adequação do médico de vocação versátil à rápida evolução da
tecnologia diagnóstica e terapêutica.
Em discordância do que alguns apressadamente pensam, o professor Ajax advoga o uso seletivo de
novidades tecnológicas não para reforçar a especialização e a
subespecialização. E sim para, inteligentemente, instrumentalizar, dar maior
agilidade e abrir horizontes aos médicos que, como profissionais gerais e
completos, insistem na integralidade da pessoa humana e na humanização do
atendimento a suas necessidades de saúde.
O
autor é professor titular de Clínica Médica
e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais
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