João Amílcar Salgado

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

 



A LEGENDA DE MEU BAOBÁ

            Antoine de Saint-Exupéry, aviador e pensador francês, escreveu o livro O PEQUENO PRÍNCIPE, em 1943, em plena segunda guerra mundial. Na década seguinte, o livro fez sucesso no Brasil e foi através dele que muita gente ficou sabendo que existia uma árvore chamada baobá. Eu era bibliotecário do diretório estudantil do curso médico e tive de adquirir múltiplos exemplares do pequeno livro, que nos traz esta parábola poética e filosófica. Outro autor de sucesso então era Jorge Amado e ele nos revelou o universo afro. Neste, Jorge fez brilhar Pierre Verger, fotógrafo e etnógrafo francês, que adotou a Bahia como pátria, inclusive a religião dos orixás. Outro que adotou essa crença foi o seleto poeta e compositor Vinícius de Moraes.  

            Quando criei o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais passei a procurar um consultor em medicina afro. Encontrei o Geraldo André da Silva e perguntei-lhe que seria necessário para tal função. Ele foi direto: faça este Centro me enviar à África. Ele foi e ficou estagiando com um sacerdote da mais pura religião angolana. Quando voltava, perguntou que devia trazer para mim, como agradecimento. Fui direto: uma muda de baobá. Quando ele chegou, tremi de emoção, ao receber a muda de uns 30 cm. Era inacreditável:  mas André, é proibido entrar no avião com isso! De fato, ainda lá, foi avisado da proibição. Voltou a seu guru, que lhe arranjara a muda. Este disse: eu encantei a muda, já está encantada, pode levar ao doutor que ele a vai receber. A muda passa por um fiscal na entrada do avião, que não a vê. Viaja no colo do portador, sem que ninguém da tripulação e dos passageiros a perceba. E desce em Belo Horizonte do mesmo modo. Coloquei-a sobre o cimento de meu quintal e, quando olho, a raiz já havia penetrado o cimento. Havia crescido mais do que eu esperava. Para levar a Nepomuceno, foi necessária uma caminhonete. Mandei o motorista ajeitar a muda na carroceria e, quando chego, ele tinha esqueletizado a árvore, alegando que era para ela suportar o vento...  Pensei: agora ela está morta... Mesmo na certeza de que estava perdida, plantei-a carinhosamente. E não estava morta. Encantada, está lá, cada vez maior, sob as bençãos de meus ancestrais angolanos e do Padre Vítor. FOTOS DE PAI ANDRÉ E DO BAOBÁ NEPOMUCENENSE

sábado, 21 de novembro de 2020


 

A LEGENDA DO NEGRO CASCALHO

João Amílcar Salgado

A região que inclui as cidades de Itumirim, Lavras, Nepomuceno, Cristais, Campo Belo, Boa Esperança, Três Pontas e Campos Gerais foi palco, pouco depois de 1720, do início do mais importante fenômeno quilombola de Minas, que é a epopeia do Quilombo do Ambrósio. Negros congoleses, cabindas, angolanos e moçambicanos foram trazidos para apurar o ouro da garganta do Funil no rio Grande. Os que fugiram se aldearam em Cristais onde foram massacrados. Sobreviventes escaparam no rumo da Farinha Podre. Parte deles atravessou o rio no estreito onde hoje é o Porto dos Mendes e se aquilombaram no morro do Morembá e também nos morros da Calunga. Provavelmente após o incêndio do quilombo da Calunga os melhores guerreiros se entrincheiraram atrás das elevações da Serra das Três Pontas.  O líder deles era o negro Cascalho. Era tão hábil na guerrilha que, para derrota-lo, nada puderam os garimpeiros, corujas e faiscadores - foi necessária força governamental. O armamento dos bravos libertários sucumbiu ao maior número das armas de fogo. A orelha de cada combatente foi cortada e todas ajuntadas. Um saco de orelhas salgadas foi depositado na mesa do governador em Vila Rica. Uma delas era do negro Cascalho, cujo retrato imaginário foi desenhado pelo pluri-artista João Vinícius. Este negro é nosso primeiro herói. Deve figurar na parede principal de nossas casas. É ele que homenageamos neste dia 20/11/2020, comemorativo da consciência negra no Brasil.