Em 27/12/2014, divulguei o seguinte texto. Hoje em
26/4/25, dia do sepultamento de Francisco, reproduzo-o em homenagem a este
extraordinário herói.
O GUEVARISMO CRISTÃO
DO
PAPA FRANCISCO
João Amílcar Salgado
Para os
radicais do partido republicano, Obama é socialista. Para os radicais da
direita católica, o papa Francisco é socialista. Para ambos os agrupamentos
radicais, a comprovação dessa rotulação ideológica de Obama e Francisco vem da
cooperação entre os dois para reconciliar EUA e Cuba.
O papa
Francisco é jesuíta e foram os jesuítas os autores da mais
prolongada experiência comunista no mundo moderno, quando criaram
as reduções ou missões no cone sul das Américas. Em vez do
lógico codinome Inácio, decidiu assumir o nome Francisco, sem dúvida para
apontar seu modelo de cristianismo calcado em Francisco de Assis, o mais
socialista dos santos. Entre as vertentes franciscanas, há inclusive aquela que
propõe a substituição da plenitude dos tempos por uma sequencia ascensional,
que parte do padre eterno, passa pelo filho salvador e chega enfim ao espírito
igualitário. De fato, o Divino Espírito Santo, celebrado nas festas do Divino
difundidas por todo o Brasil, é a expressão do acolhimento popular a tal
doutrina.
O papa
Francisco é argentino e deve orgulhar-se de ser conterrâneo tanto de Ernesto
Guevara como das Avós da Praça de Maio - e também de José de San Matin, de Juan
Cesar Garcia, de Carlos Gardel e de Maradona. E ainda de ter parentesco
espiritual com Gabriela Mistral, Pablo Neruda, Salvador Allende, Simon Bolívar
e Tupac Amaru. Assim ele está intelectualmente bem distante dos ideólogos seja
do partido republicano dos EUA, seja do Salon Beige católico da França.
Sua referencia
como papa é o papa João 23. Sua estratégia vem da consciência de seu carisma. E
tem raro senso de oportunidade. Sabe que não pode deixar de aproveitar a
oportuna presença de um democrata negro na presidência dos EUA,
contemporaneamente a seu papado. E sabe também que a oportunidade de Obama
ficar na história, com alguma realização a mais, além de sua dupla eleição, é
agora, quando não tem de cuidar de reeleger-se. Esta é, sem dúvida, a base da
comunicação entre ambos.
Obama tem de
conseguir, no final de seu governo, três vitórias históricas, no plano interno:
consolidar o neo-crescimento econômico, fechar Guantánamo e submeter a National
Rifle Association. No plano externo, basta-lhe reatar com Cuba. É quase
certo que isso passou pela conversa entre Francisco e Obama. O cacife de Obama
é seu cuidadoso estilo de lidar com racistas e belicistas, estilo este que, em
vez de elogios, lhe tem valido acusações de covarde. Ele pode, no final do
governo, comunicar a todos que a paciência aí implícita pode findar e que um
Obama latente que nunca veio à tona pode emergir e patentear-se. Sim, Obama é o
potencial líder de uma guerra civil, evidentemente evitável e anteriormente
improvável, de negros e hispânicos contra racistas e belicistas.
O Centro de
Memória da Medicina de Minas Gerais, desde sua criação, estuda médicos ligados
à política, como, entre muitos outros, JK, Clóvis Salgado, Émile Littré,
José Rizal, Norman Bethume e Che Guevara. Quem conhece a biografia do
médico Ernesto Guevara e quem acompanhou sua evolução ideológica sabe que o
fascínio exercido por ele sobre gerações de várias tendências se assenta em
pontos comuns entre este herói, o papa e Obama. O lado supra-marxista do
guevarismo terá novo significado se Obama e Francisco continuarem de
mãos-dadas.