HELENA GRECO
HONRA A LUMINOSA GALERIA DAS MULHERES DE MINAS
João Amílcar Salgado
O primeiro dos Grecos que conheci foi o Armando Greco, da
turma de médicos de 1944, da hoje Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Eu era estudante de medicina e o ouvi na Associação Médica, em debate sobre o
abuso de antibióticos. A medicina estava em lua de mel com os antibióticos e os
hormônios, resultantes da segunda guerra mundial. Pela primeira vez alguém me
dizia dos perigos do abuso de medicamentos cada vez mais eficazes e
principalmente do abuso induzido por propaganda. Ele passou a ser meu herói
pela coragem em desafiar poderosos interesses. Mas fiquei amigo próximo foi de
seu irmão José Bartolomeu Greco, da turma de 1937, que não gostava do nome
Bartolomeu e exigia ser tratado de J. B. Greco. Alergologista pioneiro em
Minas, era casado com sua prima Helena, diplomada em farmácia no mesmo ano de
1937, e, quando o filho Dirceu, da turma de 1969, foi meu residente em clínica médica, os Grecos
passaram a ser como gente de minha família.
O prazer,
com que JB percorria as estantes de sua biblioteca apontando livros, citando
frases e me pedindo opinião a cada passo, me é inesquecível e me diz que ele
reciprocamente me considerava um filho. Ou melhor, eu não lhe figurava um filho
mas um irmão na admiração filial a Carlos Jiménez Diaz, o insuperável clínico
madrileno. A foto deste, que encimava suas estantes, foi-me legada com imensa
ternura. JB foi também meu parceiro em historiar o pombo-correio como elemento
inaugural da telemedicina em Minas. Já
Dirceu veio a ser um dos frutos vitoriosos da iniciação científica ligada à
inovação pedagógica, de repercussão internacional, vivida na medicina da UFMG,
nos anos 70 e 80 do século 20. Culminou como astro internacional do aplaudido
programa brasileiro contra a AIDS.
Poucos
sabem que Helena Greco participou dessa inovação. Quando Agostinho Patrus foi
empossado presidente da Associação Médica mineira, teve a audaz iniciativa de
revolucionar a Revista da agremiação. Dirceu Greco e Antonio Dilson Fernandes,
com minha participação, em 1974, passaram a inserir ali artigos anticonsumistas
do
The Medical Letter On Drugs And
Therapeutics, editado nos EUA. Dirceu indicou para tradutora, sem ônus, sua
mãe Helena, que, além de poliglota, era considerada imbatível, no país, no jogo
de palavras-cruzadas em qualquer idioma.
Essa colaboração inestimável era coerente com a tradição dos Greco na
trincheira anticonsumista e também da
ética na ciência, que inclui Armando, JB e Dirceu Greco. O sucesso das
traduções de Helena Greco permitiu a Adelmar Cadar expandir o alcance da iniciativa, quando
utilizou a moderna gráfica do então INAMPS para levar a cada médico e a cada
estudante de medicina o Boletim de Medicamentos & Terapêutica (até
1987), neste caso com tradutor remunerado.
Enquanto
isso, Helena Greco se fez ativista contra a tortura ocorrida desde o golpe de
1964 e em favor dos desaparecidos políticos, bem como contra a opressão de
qualquer natureza: dos menores, mulheres, negros, indígenas, estudantes,
homoafetivos, sofredores mentais, encarcerados, moradores de rua, pessoas sem
teto e sem terra e o povo palestino. Apoiou também a radiofonia e a tevê comunitárias.
Foi fundadora do Partido dos Trabalhadores, em sua proposta inicial, ao lado de
Sergio Buarque, Antônio Cândido, Paulo Freire, Leonardo Boff, Betinho (Herbert
Sousa), Apolo Heringer, Carmem Lúcia Antunes e Ayres Britto. Daí se tornou vereadora de 1982 a 92. Por causa dessa militância, sofreu atentado a
bomba, outras ameaças físicas e de prisão, grampeamento telefônico, agressões
morais e processo judicial.
Acompanhei de perto, mas sob equânime neutralidade política, toda essa
magnífica trajetória. De tal testemunho concluo que a estatura histórica desta
incrível mulher ainda não foi devidamente percebida e, portanto, avaliada.
Conservo entre minhas mais sensíveis lembranças a cena quando em sua casa me
apresentou a visitantes ilustres, ali chegados de dentro e de fora do país.
Abraçando-me entre ela e o esposo, recomendou-lhes ouvir meus “causos mineiros”
e acrescentou que ela e JB sempre disputavam qual repertório gostariam de apreciar, se sobre
politica mineira ou se sobre história da medicina. Aproveitei para dizer
àqueles convivas que minha mais recente pesquisa histórica consistia em
verificar o possível parentesco de Helena Greco, por sua ascendência materna,
com nada menos que Anita Garibaldi. E, apontando o casal, declarei: as
brasileiras Helena e Anita entregaram seus corações a dois “italianos”.
O autor é professor titular de Clínica
Médica da Universidade Federal de Minas Gerais e criador do Centro de Memória
da Medicina de Minas Gerais
Nenhum comentário:
Postar um comentário