João Amílcar Salgado

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 



MÉDICOS JULGADOS POR RETIRADA CRIMINOSA DE ÓRGÃOS

João Amílcar Salgado

Em 1986, publiquei no jornal do Conselho Regional de Medicina de MG, a convite deste colegiado, um texto sobre doação de órgãos e nele mencionei o mercado de órgãos para transplante. Foi o primeiro (ou um dos primeiros) alerta no país sobre a questão. Além de divulgado no jornal, o texto foi apresentado ao congresso de ensino da medicina ocorrido em Florianópolis no mesmo ano. Estava presente ali o professor Roosevelt Kalume, diretor da faculdade de Taubaté, que me procurou para dizer que escrevi sobre algo que já acontecia em sua cidade. A seguir ele procurou o conselho de medicina paulista para informar que um programa ilegal de retirada de rins acontecia sem seu conhecimento, referindo-se a cinco retiradas. O denunciante passou a sofrer feroz perseguição. O conselho paulista foi acusado pela imprensa de ter conseguido abafar o escândalo Kalume, porque caminhava na direção de figuras da cúpula médica. No ano 2000, em Poços de Caldas, uma equipe de médicos foi acusada de assassinato de menino Paulo Pavesi, para retirada de órgãos. Os responsáveis estão sendo levados a júri só agora, 20 anos depois.

Em 1986, Tancredo Neves tinha criado uma comissão de notáveis para rascunhar a nova constituição. Esboçaram incluir a doação automática de órgãos, contra a qual me posicionei. Daí que o conselho de medicina solicitou meu parecer. Não só de Taubaté veio o apoio a meu alerta. De Fortaleza fui informado de que havia ali uma denúncia de tráfico de crianças e, a partir de meu texto, iriam verificar a suspeita de que as crianças traficadas seriam não só para adoção, mas para retirada de órgãos.  Parece que a constituinte desconsiderou a doação automática pela repercussão dos casos de Taubaté e Fortaleza. Inacreditavelmente, mais adiante, em 1997, os criminosos desse mercado conseguiram pressionar o nefando presidente Fernando Henrique Cardoso para ressuscitar a doação automática, o que felizmente também fracassou.

[FOTOS DE KALUME E O MENINO PAVESI]

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021


 

JARBAS E GABEIRA

João Amílcar Salgado

A propósito de nosso centauro, um amigo me perguntou se o Gabeira foi da minha época e se foi parceiro do Jarbas Juarez. Respondi que sim, pois ambos eram da equipe de jornalistas da Revista Alterosa, quando o udenista Magalhães Pinto reuniu nela um escrete de talentos: Jarbas, Gabeira, Ziraldo, Henfil, Roberto Drummond, José Aparecido. O Jaguar desenhava no jornal Diário de Minas. José Maria Rabelo escrevia o tabloide Binômio. Esse pessoal foi o núcleo de O Pasquim, no Rio. A nova Alterosa, comprada de Olímpio Miranda, fazia parte do plano de Pinto para disputar a presidência com JK em 1965. Com o golpe de 64, correu a notícia de que vários desses talentos seriam presos. O Jarbas Juarez, com o que ganhava da revista alugou um quitinete no primeiro edifício desse tipo de moradia, na rua São Paulo. Fiquei curioso para saber como era viver onde só havia um quarto com duas camas e a sala era cozinha também. Lá encontrei o Afonso Romano, depois conhecido poeta, que dormia numa das camas. O Jarbas me telefonou pedindo que voltasse lá para levar coisas de comer, pois estava com medo de sair. Quando toco a campainha percebo que há gente, mas não abrem a porta. Grito a meu amigo de infância para receber a comida. A porta se abre e era o Fernando Gabeira. Ele disse que se escondeu ali, mas o Jarbas desaparecera e fazia três dias que passava fome.  Hoje o Gabeira, octogenário, é o mais importante comentarista político do país. Todos os dias, às 18 horas, suas opiniões são ouvidas, no canal 40 da Globo News, pela mais fina intelectualidade brasileira. Pertence a ilustre família libanesa de Juiz de Fora à qual também pertencem a Leda Nagle, a melhor entrevistadora nacional, e a surfista big rider Maya Gabeira, prima e filha dele. Curiosamente, o Fernando, quando ficou exilado na Suécia, sobreviveu como motorneiro de bonde.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021




 

O DESAGRAVO GENÔMICO AOS GENEALOGISTAS

João Amílcar Salgado

 

Os historiadores costumam-se dividir em quatro categorias: 1) os narradores, 2) os biógrafos, 3) os genealogistas e 4) os intérpretes. Estes últimos costumam desdenhar os demais, mas desprezam em particular os genealogistas, causa de atritos e mágoas. Esta verificação é de especial importância em culturas totêmicas, como em Minas Gerais, onde ignorar parentescos pode levar a vieses graves. Assim os intérpretes em Minas se acomodam considerando genealogias sem confessá-lo.

            Com o advento do método de DNA para documentar parentesco, inclusive remontando a milhares de anos, os paleontrópologos surgem como genealogistas ultracientíficos, que, para profundo despeito dos historiadores-intérpretes, estão aí para desagravar os humilhados e ofendidos. O mais pitoresco dessa reviravolta é que os intérpretes posavam de mais científicos do que os demais, por manipularem métodos tomados emprestados da sociologia, da psicologia e da economia. Ora, tais ciências são inexatas em comparação à precisão bioquímica da antropogenética. Assim, os genealogistas, escudados pelos novíssimos irmãos, se sentem tão ultracientíficos quanto estes.

Nesta contenda entram como mediadores os médicos-historiadores. É que pesquisadores em história egressos da medicina têm percorrido as quatro categorias sem qualquer preconceito. Sua desinibição decorre de provirem de território científico clássico, do qual, aliás, emergiu a genética. Por outro lado, sempre compareceram como adeptos de uma quinta categoria afim, a dos memorialistas, na qual é célebre o médico Axel Munthe e o maior entre nós é justamente o mineiro, médico e historiador da medicina Pedro Nava.  Assim tudo resultará numa conciliação geral, isenta de quaisquer esnobismos.

[TEMA APRESENTADO NO CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA MEDICINA, EM SALVADOR, 2003]

ANEXAS FOTOS DO RETRATO IMAGINÁRIO DE ADÃO POR ESTUDO DE DNA, AXEL MUNTHE E PEDRO NAVA

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

 

QUEM FOI TRUMP?

Quando vi e ouvi o Trump pela primeira vez, minha reação foi lembrar-me do Reagan. Enquanto este era sósia do nepomucenense Passata, Trump me evocou o Maluco Beleza. Errei quando o supus apenas uma figura engraçada, mas logo percebi nele algo de sinistro e ameaçador.  Bem antes, em 1986, eu estava nos EUA e, em conversa com um grande cientista, ouvi dele: Peço a você desculpas por termos esta desastrada figura do Reagan como presidente;  ele é perigosíssimo, pode acabar com a humanidade inteira; é muito mais perigoso que o Nixon. Tenho vergonha de termos eleito esses dois bandidos para presidentes. Um terceiro foi eleito em 2016.

Minha infância foi vivida em plena 2ª guerra mundial e testemunhei a torcida de meu pai pela derrota do nazismo. O italiano Ambrosio Tagliaferri dizia que nossa farmácia era o Comando Aliado da Vila, onde todos tinham notícia das batalhas. Meu pai admirava muito Franklin Roosevelt, garantindo que ele foi decisivo na derrota de Hitler. Mais tarde, os assassinatos de John (1963) e Bob Kennedy (1968) e de Luther King (1968), me mostraram a verdadeira realidade ianque. Esses acontecimentos, somados à derrota norte-americana no Vietnã (1975), ao ataque às Torres Gêmeas (2001) e à invasão do Capitólio (6-1-1921) hoje me levam a retomar os estudos históricos, que comecei, ainda na universidade, sobre o assassinato de Lincoln (1865).

Meu foco é a contradição entre, de um lado, a ideologia libertária e igualitária da DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS EUA (1776) e, de outro, a tríplice nódoa 1) da manutenção da escravidão, 2) do genocídio indígena e 3) da diplomacia do big stick contra os ibero-americanos. A melhor referência a esse persistente beco-sem-saída foi feita por um brasileiro, Monteiro Lobato, no livro O PRESIDENTE NEGRO (1926), em que prevê um negro como presidente dos EUA, profecia antecipada com Barack Obama (2009-2017). Obama, por sinal, nasceu por influência da admiração de sua mãe pelo ator brasileiro Breno Melo. Em 1980, em viagem aos EUA, procurei dados dos estudos que, em Houston, comparavam as taxas diferenciais de natalidade do país. Quase indignados, os pesquisadores responderam-me que eram estudos sigilosos.

Muitos definem o Trump como um extremista, negacionista e isolacionista, que usou muito bem a comunicação coletiva, inclusive as fake news, para o DISCURSO DO ÓDIO. Esta será uma definição imprecisa, se não for especificado o que significa esse tal de discurso do ódio. A especificação consiste em que todo extremista só será bom extremista se conseguir empurrar para o extremo oposto todas as demais pessoas. Exatamente o apelo ao ÓDIO vem a ser o instrumento adequado para assim constranger os que não participam de sua turma. Para espanto dos historiadores, esse fenômeno obrigou o trumpismo a rotular de esquerdistas e comunistas, desde o Partido Democrata, inclusive Joe Biden e Kamala Harris, os políticos social-democratas europeus, especialmente Emmanuel Macron e Angela Merkel, até os maiores magnatas do mundo, como George Soros, Bill Gates, Larry Page, Mark Zuckerberg, Jack Dorsey e Elon Musk. Nesta lista seria inevitável incluir a maior parte dos 614 bilionários dos EUA e a totalidade dos 456 bilionários da China. Aliás, alguém tem de dizer ao Trump que o atual gigantismo da China, tão temido por ele, foi ingenuamente iniciado e propiciado por Nixon e Reagan, dois presidentes conhecidos pelo fanatismo anticomunista.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

 


LEGENDAS DO UMBIGO DO MUNDO

Quando assisti pela primeira vez um episódio da série JORNADA NAS ESTRELAS (1966) fiquei entusiasmado com o teletransporte do corpo humano, no desembarque dos astronautas. O entusiasmo foi grande porque na minha infância ouvi um relato disso em nossa farmácia. O Joaquim Lucinda chegou à roda de conversa e o João Meneiz perguntou-lhe donde estava chegando. E ele respondeu: “da Amerca do Norte”. Quase em coro os outros o interpelaram: “cê foi lá de avião?” Explicou que não precisava de avião, conhecia um segredo: “ali na Serra, perto do Retiro tem uma caverna, entro lá, bate um relampo em mim, eu grito Amerca do Norte, dou um desmaio e acordo lá... Eta lugar bunito, sô! Noutro dia tive na terra dos intaliano, que é mais bunita ainda!”

Isso quer dizer que, por volta de 1950, alguém da Vila era pioneiro no teletransporte quântico. Nepomuceno teve um grande clínico, o doutor Bolivar Barbosa, que ouviu de meu pai esse caso de teletransporte. Riu bastante e falou: “o Lucinda é um mitomaníaco”. De fato, ele tinha outro comportamento estranho. Sumia das ruas e de repente aparecia alarmando todo mundo: “o Socongo acabou de batê as bota lá na Trumbuca”. A residência paroquial fica atulhada de gente e súbito chega o cônego, todo feliz, ao volante de seu renô rabo-quente... Então é outro pioneirismo da Vila: foi aqui que as “Fake News” foram inventadas.

Um terceiro pioneirismo é creditado pelo escritor Sérgio Mudado ao Zico do Miceno: foi o primeiro astronauta brasileiro e mundial. Ele sumiu e a família, muito querida de todos, engajou a Vila inteira na busca. Cinco dias depois foi achado sentado na beira do caminho que corta o alto da Serra. – “Que que aconteceu, Zico?” – “Uai, lá de casa vi que a terra encosta no céu aqui em cima e resorvi passeá no céu: vi uns anjo de longe, mas São Pedro memo, até agora, nada!”

 

[Na foto, a caverna do Lucinda]

 

[Esses causos da Vila são aperitivo para o lançamento da 2ª edição de meu livro RISO DOURADO DA VILA, depois da vacina]


 


 

INVENTOR DO SUL DE MINAS

2014

Sem estudo, aposentado 'inventor' cria sua usina de energia no Sul de Minas MG

Idoso chama atenção pela criatividade na zona rural de Cachoeira de MG.
Um dos orgulhos do morador é nunca ter pagado contas de luz.

Do G1 Sul de Minas

Um morador da zona rural de Cachoeira de Minas (MG), perto de Itajubá, que estudou até o 3º ano do Ensino Básico, chama a atenção pela criatividade. Com engenhosidade, habilidade e conhecimento de vida, Seu Guerzone, um legítimo homem do campo de olhos bem azuis e barbas longas, se orgulha do apelido de inventor. Ele criou a própria usina de energia dentro de casa e se orgulha de nunca ter precisado pagar contas de luz. Praticamente tudo que há dentro da casa do Seo Sebastião Lopes Guerzone funciona com a energia que é gerada dentro do sítio. Somente a geladeira é ligada à rede externa de energia. O sistema movido à água criado por ele, gerou energia pela primeira vez na roça na década de 1980. Mas bem antes disso, ele já havia conseguido levar iluminação para a roça, utilizando uma roda de Fusca. "Eu coloquei a luzinha e o povo ia lá e rezava, lia jornal com a luzinha, eram duas lâmpadas de 12 volts. Com isso, acabou a lamparina", se orgulha o aposentado. Um dos orgulhos do aposentado é a forma com que liga e desliga a luz a partir de uma cordinha que ele controla deitado na própria cama. Basta ele puxar a cordinha que ele desliga o sistema de luz de toda a casa. Para voltar ligar, é só puxar a cordinha novamente. A mulher do Seo Guerzone acha que ele na verdade é louco. "Eu falo que ele é louco, isso eu acho até hoje. Ele fica a noite pensando no negócio e no outro dia vai lá mexer", diz a Dona Maria das Dores Lopes. Seo Guerzone diz que tudo isso é fruto de um sonho de criança. "Quando eu tinha 10 anos e brincava de estilingue com a criançada, eu já falava que um dia eu ia casar e viria para cá para montar a minha própria usina de energia. E virou verdade. O povo fala que eu sou inventor, nem sei se sou. Eu penso e faço, e é difícil eu errar", dá o recado o aposentado.