MÉDICOS
JULGADOS POR RETIRADA CRIMINOSA DE ÓRGÃOS
João Amílcar Salgado
Em
1986, publiquei no jornal do Conselho Regional de Medicina de MG, a convite deste
colegiado, um texto sobre doação de órgãos e nele mencionei o mercado de órgãos
para transplante. Foi o primeiro (ou um dos primeiros) alerta no país sobre a
questão. Além de divulgado no jornal, o texto foi apresentado ao congresso de
ensino da medicina ocorrido em Florianópolis no mesmo ano. Estava presente ali
o professor Roosevelt Kalume, diretor da faculdade de Taubaté, que me procurou
para dizer que escrevi sobre algo que já acontecia em sua cidade. A seguir ele
procurou o conselho de medicina paulista para informar que um programa ilegal
de retirada de rins acontecia sem seu conhecimento, referindo-se a cinco
retiradas. O denunciante passou a sofrer feroz perseguição. O conselho paulista
foi acusado pela imprensa de ter conseguido abafar o escândalo Kalume, porque
caminhava na direção de figuras da cúpula médica. No ano 2000, em Poços de
Caldas, uma equipe de médicos foi acusada de assassinato de menino Paulo
Pavesi, para retirada de órgãos. Os responsáveis estão sendo levados a júri só
agora, 20 anos depois.
Em
1986, Tancredo Neves tinha criado uma comissão de notáveis para rascunhar a
nova constituição. Esboçaram incluir a doação automática de órgãos, contra a
qual me posicionei. Daí que o conselho de medicina solicitou meu parecer. Não
só de Taubaté veio o apoio a meu alerta. De Fortaleza fui informado de que
havia ali uma denúncia de tráfico de crianças e, a partir de meu texto, iriam
verificar a suspeita de que as crianças traficadas seriam não só para adoção,
mas para retirada de órgãos. Parece que
a constituinte desconsiderou a doação automática pela repercussão dos casos de
Taubaté e Fortaleza. Inacreditavelmente, mais adiante, em 1997, os criminosos
desse mercado conseguiram pressionar o nefando presidente Fernando Henrique
Cardoso para ressuscitar a doação automática, o que felizmente também
fracassou.
[FOTOS DE KALUME E O MENINO PAVESI]