EXAME NACIONAL DE RESIDÊNCIA (ENARE): COSMÉTICA INFELIZ
João Amílcar Salgado
Sou
Ex-Coordenador de Pedagogia Médica da UFMG (disciplina obrigatória na
pós-graduação da área profissional médica), Ex-Consultor CFE/CAPES para
credenciamento de cursos de pós-graduação e Ex-Consultor OPS/OMS para o
Cadastro Nacional de Escolas Médicas. Fiz parte e fui relator da primeira
comissão para implantar a residência médica na UFMG, em 1971, depois de
participar da implantação da residência médica no Departamento de Clínica
Médica, no mesmo ano.
Como
historiador da medicina, apresentei várias vezes nas instancias referidas, o
histórico da residência médica. Desde sempre, distingui a residência médica
original, vitoriana, romântica, monástica, celibatária e liberal – da
residência de consumo, do pós-guerra-mundial: mão-de-obra barata, assalariada,
de mercado, de demanda e vigente nos EUA, donde passou a modelo para o mundo.
Em minha tese de doutorado, caracterizei o fenômeno das muletas sucessivas,
pelo qual cada etapa da educação passa a ser muleta da etapa anterior. De 1971
a 1984, a demanda de médicos qualificados fez concentrar na residência médica a
esperança de que se tornasse uma muleta definitiva das precariedades da
graduação. De 1984 até hoje esse tamponamento pedagógico não só não resolveu as
precariedades crescentes, como culmina agora, em 2020-22, com a muleta máxima,
aberração das aberrações anteriores, ou seja, a criação do exame nacional de
residência médica.
Nos
próprios EUA, o fenômeno da muleta educacional é, sem esse nome, congênito à
inovação flexneriana de Johns Hopkins do ensino da medicina, a partir de 1876.
A seguir foi estendido conceitualmente ao sistema educacional amplo por Linus
Pauling, com base em sua experiência de docente ginasial. As “muletas
sucessivas” podem ser referidas de modo menos duro, pelo conceito pedagógico de
não-terminalidade das etapas, correlato ao fenômeno pelo qual cada etapa, em
vez de terminal, é travestida de etapa iniciática à subsequente. A única vez
que concordei com meu mestre Hilton Rocha, em pedagogia, foi quando ele
espinafrou o coronel Newton Sucupira, na institucionalização equívoca da
pós-graduação, durante a ditadura. Sucupira não pôde reagir, porque Hilton era
oculista do general Golbery. A explosão dos cursos comerciais de medicina - com
a diplomação de milhares de profissionais inseguros e o consequente colapso
assistencial - só poderia resultar em uma confessada degringolada, representada
pelo exame nacional de residência. Trata-se de desesperada tentativa de
remendar o irremendável.
Apontem-me
alguém do MEC que possa falar algo sobre isso. Talvez aqueles pastores ora
processados por grossa corrupção?