João Amílcar Salgado

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021


 

INVENTOR DO SUL DE MINAS

2014

Sem estudo, aposentado 'inventor' cria sua usina de energia no Sul de Minas MG

Idoso chama atenção pela criatividade na zona rural de Cachoeira de MG.
Um dos orgulhos do morador é nunca ter pagado contas de luz.

Do G1 Sul de Minas

Um morador da zona rural de Cachoeira de Minas (MG), perto de Itajubá, que estudou até o 3º ano do Ensino Básico, chama a atenção pela criatividade. Com engenhosidade, habilidade e conhecimento de vida, Seu Guerzone, um legítimo homem do campo de olhos bem azuis e barbas longas, se orgulha do apelido de inventor. Ele criou a própria usina de energia dentro de casa e se orgulha de nunca ter precisado pagar contas de luz. Praticamente tudo que há dentro da casa do Seo Sebastião Lopes Guerzone funciona com a energia que é gerada dentro do sítio. Somente a geladeira é ligada à rede externa de energia. O sistema movido à água criado por ele, gerou energia pela primeira vez na roça na década de 1980. Mas bem antes disso, ele já havia conseguido levar iluminação para a roça, utilizando uma roda de Fusca. "Eu coloquei a luzinha e o povo ia lá e rezava, lia jornal com a luzinha, eram duas lâmpadas de 12 volts. Com isso, acabou a lamparina", se orgulha o aposentado. Um dos orgulhos do aposentado é a forma com que liga e desliga a luz a partir de uma cordinha que ele controla deitado na própria cama. Basta ele puxar a cordinha que ele desliga o sistema de luz de toda a casa. Para voltar ligar, é só puxar a cordinha novamente. A mulher do Seo Guerzone acha que ele na verdade é louco. "Eu falo que ele é louco, isso eu acho até hoje. Ele fica a noite pensando no negócio e no outro dia vai lá mexer", diz a Dona Maria das Dores Lopes. Seo Guerzone diz que tudo isso é fruto de um sonho de criança. "Quando eu tinha 10 anos e brincava de estilingue com a criançada, eu já falava que um dia eu ia casar e viria para cá para montar a minha própria usina de energia. E virou verdade. O povo fala que eu sou inventor, nem sei se sou. Eu penso e faço, e é difícil eu errar", dá o recado o aposentado.

 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

 




NEPOMUCENO 300 ANOS ATRÁS

Em 1720 - quando Minas foi delimitada - como era Nepomuceno? Em 1675 Lourenço Taques esteve próximo a Nepomuceno, quando promoveu um massacre de indígenas em Cristais. No ano anterior, Fernão Dias acampou perto daqui por causa da chuvarada de setembro a maio. Do acampamento surgiu a primeira cidade mineira, Ibituruna.  Seus homens também massacraram os índios hostis, nas margens de um ribeirão afluente do rio Grande, que foi denominado Vermelho, pelo sangue derramado.

Nas terras da futura Nepomuceno, em 1720, havia apenas nativos. Na década seguinte chegaram os negros fugidos do garimpo do Funil. A paisagem era densa Mata Atlântica, aqui e ali interrompida por congonhais, em meio ao barbatimão. Provavelmente garimpeiros vindos do Funil subiram riachos, rios e morros, à procura de ouro, por exemplo na corredeira do Rio Cervo e na Lavrinha. Ainda hoje encontram-se escavações de suas buscas.  Era intensa a lereia de enorme variedade de pássaros, incluindo a arara vermelha, papagaios, maritacas e periquitos. Peixes eram de se pegar com a mão, inclusive, decerto, a piabanha. Caça igualmente fácil incluía patos, perdizes e outras aves, além de veados, tatus, catetos e bugios. Tribos cultivavam a saúva de que comiam as tanajuras. Tubérculos e verdura eram cozidos.  A “sobremesa” era o mel de abelhas nativas e também frutas, como a goiaba, o articum, a pitanga e a gabiroba.

De tais abelhas ficou o nome Trombuca, atribuído ao rio, onde abundavam, e aos índios seus apreciadores. Silvícolas vizinhos eram denominados cambuavas, mandiboias, puris e catiguás. No alto da cidade, passa a avenida São João Nepomuceno, nome pomposo dado à antiga Estrada Boiadeira, antes trilha desses mesmos indígenas. Acabou sendo um dos ramos colaterais do Caminho Velho, que escoava o ouro das Minas a Parati. Este mesmo caminho, por sua vez, é o prolongamento pela Mantiqueira, da trilha dos guaianases, gentios de que descendemos. Em 1700 ele foi percorrido pela primeira vez por um governante, Artur de Sá e Meneses, que assim passou perto da futura Nepomuceno, onde os Meneses locais, seus consanguíneos, nos conferem distinta comenda fidalga.

O ano de 1720 inaugura Minas Gerais e nesta data começa a política de sonegar a Minas não só o oceano, mas a margem esquerda do Paraíba e o sul da Bahia. Tudo isso causado pelo medo de que, por nossa riqueza, viéssemos a ser não uma província, mas um país, como ocorreu semelhantemente no lado espanhol do continente. Mas o ano de 1720 é principalmente a data do assassínio infame do insubmisso Felipe dos Santos, em Vila Rica. Este herói foi glorificado indiretamente pelo porta-voz de seus algozes, o Conde de Assumar, quando disse a frase lapidar: Minas tem por brio ser livre; o ar que se respira aqui é o da liberdade. E disse outra: A terra evapora tumultos; a água exala motins; destilam liberdade os campos; o clima é tumba da paz e berço da rebelião.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

 



A LEGENDA DE MEU BAOBÁ

            Antoine de Saint-Exupéry, aviador e pensador francês, escreveu o livro O PEQUENO PRÍNCIPE, em 1943, em plena segunda guerra mundial. Na década seguinte, o livro fez sucesso no Brasil e foi através dele que muita gente ficou sabendo que existia uma árvore chamada baobá. Eu era bibliotecário do diretório estudantil do curso médico e tive de adquirir múltiplos exemplares do pequeno livro, que nos traz esta parábola poética e filosófica. Outro autor de sucesso então era Jorge Amado e ele nos revelou o universo afro. Neste, Jorge fez brilhar Pierre Verger, fotógrafo e etnógrafo francês, que adotou a Bahia como pátria, inclusive a religião dos orixás. Outro que adotou essa crença foi o seleto poeta e compositor Vinícius de Moraes.  

            Quando criei o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais passei a procurar um consultor em medicina afro. Encontrei o Geraldo André da Silva e perguntei-lhe que seria necessário para tal função. Ele foi direto: faça este Centro me enviar à África. Ele foi e ficou estagiando com um sacerdote da mais pura religião angolana. Quando voltava, perguntou que devia trazer para mim, como agradecimento. Fui direto: uma muda de baobá. Quando ele chegou, tremi de emoção, ao receber a muda de uns 30 cm. Era inacreditável:  mas André, é proibido entrar no avião com isso! De fato, ainda lá, foi avisado da proibição. Voltou a seu guru, que lhe arranjara a muda. Este disse: eu encantei a muda, já está encantada, pode levar ao doutor que ele a vai receber. A muda passa por um fiscal na entrada do avião, que não a vê. Viaja no colo do portador, sem que ninguém da tripulação e dos passageiros a perceba. E desce em Belo Horizonte do mesmo modo. Coloquei-a sobre o cimento de meu quintal e, quando olho, a raiz já havia penetrado o cimento. Havia crescido mais do que eu esperava. Para levar a Nepomuceno, foi necessária uma caminhonete. Mandei o motorista ajeitar a muda na carroceria e, quando chego, ele tinha esqueletizado a árvore, alegando que era para ela suportar o vento...  Pensei: agora ela está morta... Mesmo na certeza de que estava perdida, plantei-a carinhosamente. E não estava morta. Encantada, está lá, cada vez maior, sob as bençãos de meus ancestrais angolanos e do Padre Vítor. FOTOS DE PAI ANDRÉ E DO BAOBÁ NEPOMUCENENSE

sábado, 21 de novembro de 2020


 

A LEGENDA DO NEGRO CASCALHO

João Amílcar Salgado

A região que inclui as cidades de Itumirim, Lavras, Nepomuceno, Cristais, Campo Belo, Boa Esperança, Três Pontas e Campos Gerais foi palco, pouco depois de 1720, do início do mais importante fenômeno quilombola de Minas, que é a epopeia do Quilombo do Ambrósio. Negros congoleses, cabindas, angolanos e moçambicanos foram trazidos para apurar o ouro da garganta do Funil no rio Grande. Os que fugiram se aldearam em Cristais onde foram massacrados. Sobreviventes escaparam no rumo da Farinha Podre. Parte deles atravessou o rio no estreito onde hoje é o Porto dos Mendes e se aquilombaram no morro do Morembá e também nos morros da Calunga. Provavelmente após o incêndio do quilombo da Calunga os melhores guerreiros se entrincheiraram atrás das elevações da Serra das Três Pontas.  O líder deles era o negro Cascalho. Era tão hábil na guerrilha que, para derrota-lo, nada puderam os garimpeiros, corujas e faiscadores - foi necessária força governamental. O armamento dos bravos libertários sucumbiu ao maior número das armas de fogo. A orelha de cada combatente foi cortada e todas ajuntadas. Um saco de orelhas salgadas foi depositado na mesa do governador em Vila Rica. Uma delas era do negro Cascalho, cujo retrato imaginário foi desenhado pelo pluri-artista João Vinícius. Este negro é nosso primeiro herói. Deve figurar na parede principal de nossas casas. É ele que homenageamos neste dia 20/11/2020, comemorativo da consciência negra no Brasil.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

 

DOAÇÃO DE PEÇAS DO CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA (UFMG) AO CENTRO DE MEMÓRIA DA FARMÁCIA (UFOP), INSPIRADA EM DOIS CLÃS DE FARMACÊUTICOS

 

João Amílcar Salgado

 

        No dia 09/04/1999, em Ouro Preto, tive a honra de entregar peças de significado histórico, doadas pelo Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, ao Centro de Memória da Escola de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto, na solenidade de inauguração deste, comemorativa dos 160 anos desta que foi a primeira escola de farmácia criada no Brasil.. 

         As peças são as seguintes:

         1. O exemplar original do livro MYRTACEARUM BRASILIENSIUM de Hjalmar Kiaerskou, que fora doado ao Herbário Magalhães Gomes da Escola de Farmácia pelo ilustre Dr Glaziou, em 08/04/1896, e foi adquirido em loja de livros usados pelo membro de nossa equipe, Professor Paulo Pimenta de Figueiredo, docente de pediatria, bibliófilo e estudioso de botânica.  Ao verificar que se tratava de exemplar raro, escrito em latim e editado na Europa, versando sobre  nossa flora, ele sugeriu que o devolvêssemos em seu nome ao lugar de origem, e que o fizéssemos de modo a ressaltar a importância quer da preservação de bens históricos, quer da própria flora indígena.  Disse mais, que fizéssemos a devolução em homenagem a Ouro Preto e seu brilhante passado e à memória de seu bisavô, o farmacêutico João Soares da Silva Costa (pai de outro ilustre médico, Júlio Soares), formado nesta Escola de Farmácia em 1891

         2. O exemplar encadernado de cópias de três textos de Antônio José de Souza Pinto, boticário em Lisboa, editados por Luiz Maria da Silva Pinto, na Typografia De Silva de Ouro Preto, em 1834,  intitulados:

- PHARMACOPÉA  CHIMICA, MEDICA E CIRURGICA

- MATERIA MEDICA

- APPENDIX AO VADEMECUM – BREVE TRATADO DE

CIRURGIA FORENSE OU LEGAL

         3. Foto da AULA DE CAMPO do Curso de Farmácia, ministrada pelo Professor WILLIAM SCHWACKE, provavelmente nos arredores de Ouro Preto, em  1891.      .

         4. Foto da FARMÁCIA POJICHÁ, da cidade de Rio Novo, que ali funcionou, na Av. Benedito Valadares, por mais de cem anos  e pertenceu a José Ribeiro  Pojichá, graduado em Ouro Preto, em 1883.

         5. Poster da CARTA RÉGIA do Príncipe D. João, que documenta o INÍCIO DO ENSINO MÉDICO NO BRASIL, EM VILA RICA, EM 1801..  Cartas régias semelhantes foram expedidas a São Paulo e ao Rio de Janeiro, e talvez a outras cidades, mas a de Vila Rica foi a única que resultou, documentadamente,  em curso com produção regular de profissionais até a criação das Faculdades de Medicina..O curso é citado no livro de Pedro Salles, História da Medicina no Brasil, mas sua documentação histórica completa foi feita pelo historiador e decano dos cartunistas brasileiros, Fernando Pieruccetti, ouropretano, quando de seu estudo ainda inédito da história centenária da atual Escola Estadual Milton Campos (antes chamada Liceu Mineiro, Ginásio Mineiro e Colégio Estadual), onde lecionou Desenho, e que remonta à Vila Rica do século 18.

         6. Cópia do quadro pintado por FERNANDO PIERUCCETTI, mostrando a cena imaginada da chegada do segundo cirurgião-docente para ministrar as aulas acima referidas na SANTA CASA de Vila Rica.  As aulas do primeiro docente foram inicialmente ministradas no REAL HOSPITAL MILITAR, em uma de suas localizações, hoje em ruínas.

         Ao fazer tais doações, afirmei que me sentia em casa, pois sou neto do boticário Joaquim Alves Vilela e filho do farmacêutico João Salgado Filho e que as famílias Alves Vilela e Abreu Salgado são clãs de farmacêuticos.  Entre os primeiros, enumerei os farmacêuticos Pedro Alves Vilela, Demétrio Alves Vilela, Clyde Alves Vilela (estes dois formados na Escola de Ouro Preto), Manoel Clyde Vilela , José Ramilc Vilela, Maria Ilcram Vilela (esposa do farmacêutico Spencer Alvarenga, de outro clã semelhante), Luciana Vilela Alvarenga e Eugênia Lima Menezes (esposa do farmacêutico Antônio Juliano Breyner, de outro clã semelhante, ambos graduados na Escola de Ouro Preto, em 1982).   Entre os segundos, os fitoterapêutas Cadete, Antônio (Nhotó) e João Ferreira de Castro, o farmacêutico Moacir de Abreu Salgado (pioneiro entre os farmacêuticos-bioquímicos do Brasil) e os graduandos, também Vilelas, Marco Antônio Salgado, João Maurício Salgado e João Eustáquio Salgado (os dois últimos da Escola de Ouro Preto).  A observação, além do aspecto sentimental, é de interesse histórico, pois uma das fontes fundamentais para documentar a história das profissões, como medicina e farmácia, são as histórias das famílias, as autobiografias, as biografias e a história da vida privada,  hoje em pleno florescimento.

         No estudo que faço da história de minha cidade  de  Nepomuceno, no sul do Estado,  e no de minha família, é possível verificar a fase inicial de farmacêuticos licenciados, como Pedro Alves Vilela (que emigrou da região e veio a ser um dos fundadores de Ituiutaba, sendo pioneiro no oeste ao levar consigo a rica tradição dos boticários coloniais e imperiais) e de seu irmão Joaquim, muito mais jovem e treinado por ele, que sonharam para os filhos (no caso deste, Demétrio, da turma de 1911, e Clyde, de 1924) o diploma de Ouro Preto.  Outro licenciado, João Barbosa de Oliveira, competidor do Joaquim, quis o mesmo para o filho Antenor Barbosa (de 1908), de tal forma que a pequena cidade, na segunda geração, contava com seis egressos de Ouro Preto: Demétrio, Clyde, Antenor, aos quais se somaram Marcílio Lima (de 1904), Manoel José de Simas (de 1908) e Calipso Mentor de Menezes (de 1909), decidindo-se este por trabalhar na localidade vizinha de Coqueiral.  Minha cidade hoje é honrada por outros egressos desta  mesma Escola: Francisco de Calaes Moreira (de 1973 ), Henrique de Sagres Maia (de 19   ), Rosilene Botega (de 19   ) e  Eliseti Galvão (de 19   ), além dos estudantes mencionados..

         O entusiasmo daquela segunda geração, naturalmente aureolada de ciência, era tal que partiram para a criatividade, produzindo semi-ndustrialmente novos remédios e cosméticos, alguns de nomes saborosos, outros de sucesso para além da região e até premiados na exposição industrial do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, em 1922.. Fenômeno análogo ocorreu na odontologia e o exemplo da Cera do Dr Lustosa de S. J. del Rei é tão interessante que mereceria  espaço  no Centro de Memória de Ouro Preto, pois é formulação farmacêutica, e museu inteiro em S João..  Em minha cidade, ao lado da Cera, era popular para dor de dente o Guaiacol.  Meu pai criou remédio aparentemente mais eficaz que estes, de nome  Odontalgina e que virou unanimidade.  Vendia para os competidores mas não fornecia a fórmula.  Um dia  seu leal auxiliar confessou que recebeu tentadora oferta de suborno a troco do segredo.  Outra criação sua foi a modificação que fez nas clássicas gotas eupépticas, a que deu o nome de Gotas do Padre Vítor (santo milagroso da região, hoje em beatificação)  Seu sucesso foi tal que recebeu proposta de grande laboratório para produção industrial. Por sinal, a água de melissa, um eupéptico clássico, teria sido o pivô do primeiro processo judicial de patente, movido contra boticários por monges carmelitas, no final da Idade Média. Também o marketing comercial moderno teria sido inaugurado com medicamentos no século 17.  Quadrinhas premiadas de meu pai encontram-se nas coleções (a serem preservadas nos Centros de Memória) dos almanaques do Biotônico, do Bromil e do Capivarol (hoje objeto de teses, veja-se a da Profa.        )

         Meu tio Moacir foi pioneiro como farmacêutico-bioquímico, no final da década de 40, da clínica que o cardiologista Adauto Barbosa Lima (discípulo de Baeta Viana e responsável clínico na primeira cirurgia de circulação extra-corpórea no Brasil) esboçou montar em Nepomuceno, logo que regressou dos EUA.  No mundo universitário da medicina, em contato com os maiores especialistas, nunca encontrei um que o superasse em conhecimentos e habilidade no laboratório clínico. Mas, como seu laboratório ficava defronte nossa farmácia, acabou ocorrendo o que meu pai muito temia e que prenunciaria as críticas acumuladas pela nova especialidade entre farmacêuticos.  Um fazendeiro deixou na farmácia receita de pomada para aviar, com muita esperança de afinal se ver livre de doença crônica - e que pusessem  na conta  e no balcão para ele pegar.  Antes disso,  alguém deixou ali uma latinha de fezes para o Sêo Moacir examinar, e o fazendeiro levou esta em vez da pomada.  Foram atrás dele e não o acharam a tempo.  Quando voltou à cidade, meu pai apreensivo se surpreendeu com seu semblante amigável. - E a pomada?  - Ah sêo João, foi um santo remédio, mas como fede!

         Outro aspecto importante da história das farmácias e dos farmacêuticos é seu papel social.  A rede de boticas provavelmente foi o arcabouço do mais democrático  sistema de atenção à saúde vigente no Brasil e em outros países.  Várias teses de pós-graduação têm focalizado este fato, como a da Profa Ceres Pinheiro (De Estudante de Medicina a Médico no Interior, UNICAMP) e a da Profa Betânia Figueiredo ( A Arte de Curar, USP).  Quando convidei o notável médico Hermes de Paula para escrever seu livro sobre a história da medicina no norte de Minas, ele perguntou se não iria escandalizar com o título A MEDICINA DOS MÉDICOS E A OUTRA (UFMG), pois no sertão a outra era muito importante.  Não só aplaudi o título como apelei a que iniciasse a obra por aqueles versos de Pedro Canela que lá estão.  E  o momento mais alto do livro é quando fala da dedicação e da competência dos boticários.

         Ao lado da democracia atencional, a farmácia ocupou papel comunitário, não só como ponto de convivência, mas de referência política, educacional e de lazer. Para quem quisesse saber novidades em geral ou as últimas anedotas, as farmácias eram mais confiáveis que as barbearias (historicamente suas irmãs-gêmeas) e ambas mais que os demais lugares .A farmácia de meu pai foi marcante central humorística, no tempo feliz em que os cidadãos mais respeitáveis se ocupavam em pregar peças uns nos outros, tendo horário reservado a rodas de causos, mais de humor que de fofocas.  Até hoje é comum se ouvir pelos botecos da cidade:: - Quem aqui sabe aqueles causos engraçados do João Sargado? Outra maneira de os farmacêuticos amenizarem os dramas diariamente testemunhados era afixionar-se  a animais, plantas, esporte ou  arte. Meu pai era poeta e contista (contemporâneo de Carlos Drummond em Belo Horizonte), fruticultor e dava nome eruditos a seus animais.  Ele e meu tio Clyde fundaram o Clube de Xadrez 18 de Agosto, hoje o clube social da cidade, além de nossa farmácia ter sido  palco de memoráveis  torneios do jogo de dama..

Além disso, após a ditadura Vargas, houve grande efervescência política, na qual as farmácias entraram de cheio.  Vivi esta experiência em situação singular, pois nossa farmácia era o quartel general da UDN e a farmácia de meu tio Clyde era o do PSD.. Situações às vezes dramáticas, às vezes cômicas ocorreram quando ambos os lados tiveram direito a intensas comemorações coincidentes, por causa da vitória da UDN, com a eleição de Miltom Campos para governador, e a vitória do PSD , com a de Gaspar Dutra para presidente, em 1947.

Se o sonho dos boticários licenciados era ter sucessores diplomados, a maior parte destes queria um filho farmacêutico para herdar a farmácia e outro médico..  Eles próprios, tendo oportunidade, acumulavam os diplomas de farmacêutico e médico.  Um exemplo é Ismael Faria, o zeloso guardião da memória de  Guimarães Rosa e de seus colegas diplomados em medicina, em 1930, na hoje UFMG, que antes fora o farmacêutico de tradicional farmácia perto do Colégio Arnaldo. Houve lei que permitia a farmacêuticos ingresso direto no curso médico, o que resultou em turmas numerosas de estudantes, alguns já encanecidos.  A experiência permite a conclusão de que a atividade de auxiliar de farmácia ou de farmacêutico antes do curso médico é preparo melhor para a clínica do que o atual ciclo pré-clínico  de ciências biológicas.- e isso é coerente com a  tendência mais avançada da pedagogia médica.

 Peculiar é o caso de Aurélio Pires, um dos mais ilustres ex-alunos da Escola de Farmácia de Ouro Preto, que quis ser também médico e, não conseguindo, passou a sonho maior, criar uma escola médica.  Aceito sem dúvidas como o idealizador combativo da primeira Faculdade de Medicina de Minas (UFMG), não tem seu nome entre os médicos fundadores inscritos metalicamente na entrada do prédio.  Bem antes deste bronze, seu nome já fora imortalizado em mais que o bronze, no célebre poema de Pedro Nava, MESTRE AURÉLIO ENTRE AS ROSAS, que, segundo o farmacêutico Carlos Drummond (também ex-aluno de Pires), é um dos marcos iniciais da revolução modernista na literatura brasileira. Ainda menino, li, na biblioteca paterna, dois nomes de autores, que depois saberia admirar: Aurélio Pires e Jovelino Mineiro.

     Esta Faculdade de Medicina tem ligações francamente filiais com a Escola de Farmácia de Ouro Preto. De seus    fundadores, o farmacêutico Aurélio Pires e os médicos Alfredo Balena e Cornélio Vaz de Melo são egressos desta. Demais, o sucessor de Balena e terceiro diretor é o ouropretano, Adelmo Lodi.  Outro fundador ouropretano foi Antônio Aleixo. O rigor didático de Ouro Preto foi levado à nova Faculdade por outro  egresso, depois médico, Francisco de Paula Magalhães Gomes (de 1889), terror dos alunos na freqüência e no cálculo estequiométrico. Outros médicos ali docentes, antes farmacêuticos pela mesma Escola, foram Otaviano Ribeiro de Almeida (de 1906) e Olinto Orsini de Castro (de 1911). Joaquim de Santa Cecília foi colaborador de meu avô, Joaquim Alves Vilela, em Nepomuceno, tornou-se farmacêutico em Ouro Preto, em 1904, formou-se em medicina e veio a ser pioneiro da docência oftalmológica na nova escola médica.

Depois de toda esta história - mais testemunho sentimental que historiográfico - fica evidente que a doação da Faculdade filha à Escola mãe, intermediada por mim, não foi mais que coerente preito de gratidão, próprio para simbolizar e selar o congraçamento entre os dois Centros de Memória, com largo terreno comum a percorrer, a explorar e  a documentar.

 

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da UFMG

[INCLUIR A FOTO DE MINHA PALESTRA]

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terça-feira, 1 de setembro de 2020



 

JOÃO VINÍCIUS SALGADO - MÚSICA E DESENHO

SOMEWHERE IN YOUR MIND
Ficou pronta mais uma gravação de uma música que compus na juventude. Quero manifestar minha gratidão ao meu grande amigo e parceiro Waldir "George Martin" Cunha por conseguir tornar a composição inicial em uma música afinada, com arranjos incríveis, mas mantendo a essência original! Foi uma música gravada em tempos de pandemia. Eu gravava e mandava para o Waldir, que mandava de volta. Por isso mesmo não há um filme da gravação da música. Em seu lugar coloco uma colagem de fotos dos ensaios e gravações unilaterais.
Esta música foi composta quando ainda estava no início do curso de medicina, mas a letra já anuncia minha "pegada" psiquiátrica de que, à época, nem fazia ideia!

https://www.facebook.com/jviniciuss/videos/3544970038848782/

 

 

DESENHANDO COM O LADO DIREITO DO CÉREBRO
Outro dia, meu filho João Mateus me pediu para desenhar o Pesadelo Monstruoso para o livro sobre dragões que ele estava escrevendo (para quem não tem filhos menores e não conhece o Soluço e o Banguela, favor assistir "Como treinar meu dragão"). Eu fiz o desenho de cima e ele: "Pô pai, você desenha bem mesmo! Como você consegue?". Eu disse: "Eu desenho com o lado direito do cérebro. Quer dizer, tento não simbolizar, mas desenhar exatamente o que vejo. Se eu simbolizar, ou seja, usar o hemisfério esquerdo, o dragão vai ficar desse jeito aqui (fiz o desenho de baixo). É rápido, você vai saber do que se trata, mas não vai ficar bacana, concorda?". Pelos desenhos posteriores dele, acho que ele captou a ideia!

 

 

 

COMENTÁRIO DO AVÔ joão amílcar: DESENHAR VAI SER FÁCIL PARA QUEM TEM UM PAI NEUROCIENTISTA

 

sábado, 15 de agosto de 2020

 

CÍCERO FERREIRA E LUCAS MACHADO

Muito oportuna a lembrança do erudito acadêmico Geraldo Magela Cruz de homenagear Cícero e Lucas, pela Academia de Medicina.

Importante homenagem a Cícero Ferreira foi feita no congraçamento intitulado FERREIRADA (1982), publicado com um texto inicial de nada menos que Pedro Nava. Foi recentemente lançada a biografia completa: CICERO FERREIRA – UM APÓSTOLO DA MEDICINA (2018), redigido por Mário Lara, para a qual forneci assessoria. Acabo de redigir o livro O CASO BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS, cujo capítulo final se intitula ASPECTOS BIOGRÁFICOS DE CARLOS CHAGAS, com dados do parentesco entre Cícero e Chagas, inclusive o fato de que a esposa de Cícero, Laura Chagas, é prima de Carlos. Cícero e Carlos são conterrâneos da mesma cidade de Oliveira, pois Bom Sucesso, onde nasceu Cícero, era distrito de Oliveira. Outro fato é que Nava passou a ser clínico da viúva Iris, depois do falecimento de Carlos.

Lucas Machado e sua família recebem também homenagem, que é oportuna adicionalmente diante do falecimento recente de seu brilhantíssimo sobrinho Angelo Machado. A neta do Angelim fez um vídeo sobre o avô que acabo de distribuir amplamente e peço que seus inúmeros admiradores o multipliquem mais ainda (https://ecofalante.org.br/filme/angelo).   Escrevi antes um texto sobre o Lucas, que aproveito para incluir nesta homenagem.

 

LUCAS MACHADO

Mineiríssimo hierarca da medicina brasileira

João Amílcar Salgado

                O primeiro representante dos Machado que conheci, quando cheguei a Belo Horizonte, foi Aníbal Machado. Ainda vestibulando, assisti uma conferencia dele sobre o conto como estilo literário. Foi na Faculdade de Direito, no primeiro e adorável prédio da praça Afonso Arinos, criminosamente demolido. Fiquei fascinado pela palestra dita em tom coloquial, com riqueza de dados e muito humor. Após o vestibular, um terceiranista com dificuldade de dicção e de aparência caricata foi escalado para meu monitor de histologia. O impacto daquela figura e daquela voz me fez seu admirador imediato, o que sou até hoje, além de amigo e garupeiro contumaz de sua motoca. Tratava-se do Ângelo Machado que não demorou muito para revelar-me ser sobrinho do Aníbal. Certo tempo depois, o Ângelo me levou para assistir uma palestra de sua tia Lúcia Machado sobre a cidade de Sabará. Saí dali exclamando: que família...!

                O ginecologista Lucas Machado foi o quarto dos Machado que conheci, numa palestra proferida por ele na Associação Médica sobre ética em medicina. Ali ele se abriu a perguntas e eu arrisquei a indagar: Axel Munth, em seu O LIVRO DE SAN MECHELLE, diz que estava agindo contra grave epidemia e, num convento, foi assediado por linda freira - e concluiu que situações de calamidade trazem afloramento erótico.  Lucas, em vez de reação negativa, achou foi graça e acrescentou: realmente isso é enorme desafio à ética médica, mas não tenho dados para confirmar a afirmação desse notável médico e escritor.

Mais tarde, Lucas Machado retirou um nódulo de mama em minha tia Rute.  Fui-lhe apresentado como estudante de medicina e ele pareceu não ter-se lembrado de mim. Cavalheirescamente, me introduziu na sala de cirurgia do Hospital São Lucas. Ali, do pré- ao pós-operatório, recebi dele magnífica aula sobre mastologia. E seu diagnóstico de nódulo benigno estava certo, pois, hoje, a tia Rute está viva e forte, vesprando  os cem.

Durante nossa conversa, disse-lhe de minha admiração por seu sobrinho Ângelo. Ele então me disse que foi um adolescente muito parecido com o Ângelo.  Tinha no quintal da casa paterna uma espécie de laboratório de biologia, onde “brincava” de ser cientista.  Dali  tomou a decisão de montar grande laboratório, caso conseguisse se tornar professor na faculdade de medicina. Durante seu curso médico, coincidiu haver grande entusiasmo cientifico com a endocrinologia nascente e com o lado terapêutico desta, que era a opoterapia, chegando mesmo a haver transplantes de gônadas.  

De fato, Lucas se tornou o mais admirado e mais brilhante auxiliar de Hugo Werneck. Todos, no ambiente médico da década de 30, não duvidavam de que ele seria o sucessor de Werneck, este um dos fundadores da primeira faculdade de Minas e seu primeiro professor de gineco-obstetrícia. Lucas estava pronto para cumprir seu sonho confidenciado a mim naquela nossa conversa. Acontece que o concurso para escolha do sucessor de Hugo sofreu inédita interferência: o embate entre o poderoso arcebispo de Belo Horizonte, Antônio Cabral, e o não menos poderoso político Artur Bernardes. Diante da vacância da cátedra, Bernardes, convocou Clóvis Salgado, seu conterrâneo e parente da zona-da-mata. Seu objetivo era que Clóvis acumulasse a projeção de catedrático com a liderança do bernardismo em Belo Horizonte. Já o objetivo do arcebispo era evitar que a especialidade médica muito importante para a religião caísse nas mãos de alguém que não fosse católico confiável. Lucas, que, por critérios puramente acadêmicos, seria imbatível, sucumbiu ao peso do bernardismo. Simbolicamente, ele fundaria mais tarde a faculdade “católica” de medicina.

E foi assim que o egresso da Faculdade mais vocacionado, na época, para a carreira universitária fosse privado desta no melhor momento para começar a brilhar ali como memorável sorbonnard, como diria Pedro Nava, amigo do peito de Lucas. Essa privação se repetiria anos depois com outro extraordinário vocacionado: o notável cirurgião Wilson Abrantes. Como historiador da medicina e na condição de quem dialogou com Lucas e com Clóvis, assevero que Bernardes e Cabral não tinham o direito de usar os dois eminentes ginecologistas como meros floretes em sua esgrima. Cada qual dos quatro saiu irreversivelmente atingido nessa contenda afinal ridícula.

Um terceiro contato tive com Lucas Machado. Foi na biblioteca da Faculdade, quando o ouvi dizer ao atendente que desejava levar um volume para consultar em casa. O funcionário verificou que seu nome não constava do fichário. Lucas respondeu: deve constar porque sou livre-docente, além de ex-aluno. O rapaz disse que infelizmente não podia emprestar o livro. Entrei, então, na conversa e mandei registrar o empréstimo em meu nome. O professor me abraçou agradecido e saiu com o volume e também com indisfarçável mágoa.  Numa reunião sobre o funcionamento da biblioteca, relatei o fato, e, contra minha indignação, a arrogante bibliotecária-chefe sentenciou: o funcionário é que devia estar aqui sendo elogiado e tecnicamente não concordo que livres-docentes devam constar do fichário.

Já que falei em Nava, foi emocionado que li no final de seu livro CHÃO DE FERRO a descrição da residência senhorial do capitalista Virgílio Cristiano Machado, pai do Lucas. Ficava na rua Tupis, 303, endereço onde depois fui assíduo frequentador do cine Tupi (depois Jaques). Aí  se vê que o nome Lucas foi dado ao médico em homenagem a Lucas Monteiro de Castro, barão de Congonhas, que acolheu Virgílio vindo do Paraná. Este acabou marido de Marieta, neta do barão. Os descendentes então receberam o sobrenome composto Monteiro Machado. Estes, conforme Nava, trazem ¼ de sangue mineiro, 2/4 paranaense e ¼ pernambucano. Formam, com os Nava, os Sales (de Pedro Sales) e os Chaves de Mendonça (de Aureliano Chaves) e outros, um grupo de famílias mineiríssimas, caracterizado por ilustres componentes nordestinos.

Além desta, me ficaram duas outras passagens de Nava referentes a Lucas Machado. Uma delas foi a agilidade de Lucas para escapar da polícia num tumulto. A outra foi a interferência dele junto ao diretor Hugo Werneck para que Nava não fosse expulso da Faculdade. Pedro Nava ainda estava redigindo BEIRA MAR e no Centro de Memória da Medicina nos antecipava o conteúdo do livro. Lembrou que o Hugo o expulsara da Santa Casa e o queria expulsar da Faculdade. Disse que nesse próximo volume manifestaria sua gratidão a Lucas por ter garantido seu diploma de médico. Depois da edição, Nava foi informado de que também Carleto Chagas agiu em favor dele. Lucas, ciente de que Hugo sabia de sua amizade a Nava, pediu a Carleto para somar seu apelo ao dele, para convencer o severo diretor.

Mais tarde acompanhei a turma de Lucas Viana Machado, filho do Lucas, tão fino gentleman quanto o pai, em seu final de curso. Isso foi possível porque fui colega, na república REMANSO DE HIPÓCRATES, de dois colegas de turma do jovem: Cláudio Almeida de Oliveira e Criso Duque de Resende, ambos meus sempre estimados vizinhos sulmineiros e, portanto, com inevitável parentesco entre nossas famílias - sendo o Cláudio meu ex-contemporâneo de internato marista em Varginha. Com o tempo, o Lucas-filho, nome nacional em gineco-endocrinologia, passou de dileto amigo a companheiro na luta pela qualidade do ensino médico. Tal amizade me permite o privilégio de estender a ele os sólidos laços que me unem a seu primo Ângelo, desde meus primeiros dias do curso médico.

 

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

 

 

Adendo:  Prezados João Vinícius e João Amílcar

Gostei muito do filme. Muito obrigado por compartilhá-lo.

Meu primeiro contato com Ângelo Machado foi por ocasião do vestibular, na prova prática de Biologia. Entrei na sala e deparei com uma cena surreal: um examinador sui generis, magérrimo, de voz fanhosa (decorrente de miopatia mitocondrial), sentado ao modo de Buda sobre uma mesa, com um esqueleto dependurado ao seu lado, cercado de plantas e bichos, munido de uma lança que trouxera da Amazônia (com a qual apontou para o microscópio para que eu identificasse uma figura de mitose). Foi uma experiência inesquecível para um jovem de 18 anos.

Grande abraço do

Luiz Otávio Savassi