João Amílcar Salgado

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

BODAS DE OURO DE PEDRINHO E IVANILDE
O Zé Dingo era um alfaiate popular em Nepomuceno pelo seu fraseado brincalhão. Hoje é frequentemente lembrado por causa de dois de seus filhos: a Mariana e o Pedrinho. A Mariana teve poliomielite, doença que causou pânico na Vila e trauma à menina de quatro anos, que era muito bonita. Todas as consequências de sua paralisia ela própria relata em livro que tem importância tanto como depoimento humano, como parte da história da cidade e ainda por ser uma página da historia da medicina brasileira. Enquanto a Mariana herdou as habilidades do pai em confecções de tecido, tornando-se reconhecida pioneira da alta costura em Belo Horizonte, o Pedrinho herdou dele o senso de humor, que refinou com intensa hilaridade e pela memória de fatos, paisagem e tipos nepomucenenses.
A alcunha Dingo integra a lista de apelidos curiosos de Nepomuceno. Parece que o povo preferiu chama-lo assim porque, sendo filho do Joaquim Inácio da Silva, foi registrado com o sobrenome Santos da mãe (Mariana Umbelino dos Santos), ficando com o nome formal de José dos Santos. Na Vila devia haver vários josés dos santos, então foi mais prático tratar o jovem de Dingo. O estudo de sua ascendência permite verificar que poderia receber os sobrenomes Prado, Anastácio, Barbosa ou Vilela. As terras nepomucenenses, após a eliminação dos quilombos, chegaram a ser virtualmente concedidas à família Prado, como recompensa oferecida pelo governo da província pela missão cumprida. Os Prado, entretanto, só se interessavam por lavras de ouro e rapidamente se desfizeram do gigantesco latifúndio.
A esposa do Zé Dingo era a Felicinha, queridíssima por toda a gente da Vila. Seu nome era Felícia Alcântara, filha do casal Pedro e Filomena Vital e a mãe desta era a dona Claudina, que o povo tratava por Sá Colodina.  Filomena é irmã da Maria Bárbara, que veio a casar-se com o ex-ourives Manoel Cardoso, daí resultando a estimada família dos Cardoso. Manoel foi trazido de Campo Belo pelos campobelenses capitão Menezes e Conego Menezes. Estes o guindaram de ourives a tabelião. Nos limites entre Nepomuceno e Campo Belo já preexistia um ramo dos Cardoso, que resultaria na abastada descendência dos Cardoso Garcia.  
Já o Pedrinho se casou com a Ivanilde, que, por celestial coincidência, descende de Ribeiros de Entre-Rios de Minas, mostrando que a guapa moçada do casal (Tamara, José, Marcos, Ariadne e Ivana) é consanguínea dos Ribeiro, dos Lima e dos Costa da Vila. Assim como a Mariana se tornou escritora, o Pedrinho poderia também ser autor de um livro, o qual seria precioso acervo do famoso humorismo nepomucenense. Seus primos José Ramilc Vilela e Maria Ilcram Vilela estão dispostos a digitalizar seu anedotário, com o apoio entusiasmado da bela e inteligente Ana Paula, filha da Mariana.

Em 15-12-13 deu-se a inesquecível festa das bodas-de-ouro de Pedro e Ivanilde, evento transbordante de emoção e de confraternização, atestadas pela foto anexa.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

LANÇADO EM PALMAS, TOCANTINS, O LIVRO ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS - NO 18º  CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTORIA DA MEDICINA.
O CONGRESSO DESTE ANO (6 a 9-11) FOI REALIZADO EM PALMAS, ENTRE OUTRAS RAZÕES, PELO FATO DE QUE NA CIDADE DE PORTO NACIONAL, VIZINHA A PALMAS, ACONTECEU A MAIS NOTÁVEL EXPERIENCIA DE MEDICINA COMUNITÁRIA DO BRASIL, GRAÇAS AO CASAL EDUARDO E HELOÍSA MANZANO.

            Os dois venerandos heróis compareceram a um emocionado encontro com os historiadores da medicina de todo o pais. Os congressistas tiveram oportunidade não só de ouvir deles sua façanha, como de visitar o local onde esta se deu.  O livro ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS, de João Amílcar Salgado, mostra que a crise atual da saúde entre nós, poderia ter sido evitada se o exemplo do casal Manzano tivesse sido amplamente seguido.

            Por outro lado, a presença de tais historiadores no jovem Estado do Tocantins, acaba sendo simbólica, como um apelo a que a  seriedade e a lucidez sejam retomadas, conforme já presentes no passado da medicina e da saúde, no país. Esta região, composta de contingentes de todos os confins da nação, está pujante de promessas de que ali se desenvolva, com harmonia e paz, os fundamentos de um país futuro - tão sonhado e tão merecido pela grande maioria brasileira..

sábado, 19 de outubro de 2013


NO DIA DO MÉDICO DIA 18-10-13 FOI LANÇADO O LIVRO ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS DO CONHECIDO ESPECIALISTA EM PEDAGOGIA MÉDICA JOÃO AMÍLCAR SALGADO DA UFMG. O LIVRO ESTÁ DISPONÍVEL NAS LOJAS DA COOPMED E NA COOPMED VIRTUAL

sábado, 24 de agosto de 2013

JOÃO GALIZZI
Retilíneo em ciência e ética; paladino da melhor relação médico-paciente

João Amílcar Salgado
João Galizzi, Romeu Cançado e J. B. Greco estão definitivamente na história da medicina brasileira como líderes dos discípulos que passaram, a partir do final da década de 30, a aplicar na clínica médica os princípios científicos de seu mestre, o bioquímico Baeta Viana.  Esta corrente representou um salto de qualidade na assistência médica, não só em Minas mas no Brasil, inclusive com a pioneira interiorização da tecnologia laboratorial simplificada.  Galizzi foi catedrático de Clínica Propedêutica na Faculdade de Medicina da UFMG, onde suas lições de Semiologia Médica, ministrada com o auxílio de seguidores fieis, formou multiplicadores docentes e não-docentes, em sucessivas gerações,  todos testemunhas de que nessa disciplina foi recebida a estrutura nuclear de suas reconhecidas competências.
Essa capacitação nuclear foi depois estudada na busca de critérios de avaliação educacional para além da prova-de-múltipla-escolha - e que fossem coerentes com a inovação educacional implantada em 1975. Daí surgiram os requisitos da relação estudante-paciente efetiva e do conceito de realidade curricular. De tudo isso se concluiu que o curso anual ministrado pela equipe do professor João Galizzi foi a principal trincheira de qualidade que evitou a derrocada completa do ensino de cinco anos, adotado de 1965 a 1975.  Afinal se determinou que do período formal de cinco anos resultava um sofrível currículo real de menos de dois anos.
            Tais estudos só foram feitos pela disponibilidade de subsídios coligidos por  gente da equipe do professor João Galizzi. Foi um grupo coeso que, acrescido de outros entusiastas, se constituiu em raro aglomerado de clínicos interessados em pedagogia médica. Esse fato merece ênfase, pois o ensino da medicina vinha sendo monopolizado por vários especialistas, com notória ausência de internistas, o que não passou de grave erro. No caso, sanitaristas, psiquiatras, legistas e pedagogos-não-médicos cederam lugar a clínicos e cirurgiões, logo transformados em coordenadores do processo de desenvolvimento curricular, entre 1972-85. Essa experiencia influenciou toda a educação médica brasileira, sendo considerada uma das quatro vanguardas internacionais no ensino pós-flexneriano.
Outra característica marcante da equipe galizzeana foi o intercâmbio com centros de ciência médica no país e principalmente estrangeiros.  O deslocamento de seus integrantes teve a peculiaridade multilateral de buscar indistintamente fontes inovadoras,  no ensino, na pesquisa e na clínica, tais como na Grã-Bretanha, França, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Canadá, África do Sul, países vizinhos da América do Sul, México e Cuba. Sou testemunha do prazer inexcedível que um pai pode sentir, quando, no Hospital Royal Free de Londres, nosso Galizzi ouviu as melhores referencias a João Galizzi Filho, externadas por Sheila Sherlock, a maior hepatologista do mundo. Não foram elogios de conveniência, pois seu filho retornou ao Brasil para ser o maior hepatologista brasileiro. A propósito, lembro que o professor Derek P. Jewell nos convidou para participar de uma reunião clínica. No final me perguntou como era o ensino em nossa faculdade, pois já estava impressionado com os Galizzi, pai e filho, e agora também, na discussão daquele caso, com mais dois:  Luiz de Paula Castro e eu.
A produção científica ligada a João Galizzi também é amplamente sabida. Em sua Cadeira veio trabalhar o gastrenterologista alemão Rudolf Schindler, a maior autoridade mundial em endoscopia digestiva alta e criador do gastroscópio flexível. Em conseqüência, o grupo de cientistas que no Hospital das Clínicas hoje pesquisa a úlcera péptica e doenças correlatas é líder no Brasil e reconhecido internacionalmente. Por outro lado, foi em seu Serviço que se fez estudo completo  da primeira doente descrita da doença de Chagas, reencontrada em 1961, o qual integra seleto conjunto de contribuições ao conhecimento da patologia regional brasileira. Ao mesmo tempo, um sonho de João Galizzi e de sua equipe deixou de ser realizado: a redação daquele que seria o melhor livro de Semiologia Médica do país foi interrompida nos capítulos iniciais. O perfeccionismo do mestre causou a suspensão do projeto.
Demais, no meio universitário brasileiro, João Galizzi foi por décadas respeitadíssima referência no rigor da linguagem médica e na estrita observância ética, seja no ensino e na pesquisa, seja na atenção clínica. Assim, este cavalheiresco artífice da melhor relação médico-paciente, este campeão da compostura profissional - além de co-fundador de associação de classe e de associação especializada - foi o milagroso conciliador entre o ceticismo metódico derivado de Baeta Viana e a mais permanente tradição hipocrática, sendo que desta extraiu surpreendente e popular didática aforismática.  Conciliação que, na devoção à música, se repetiu entre Wagner e Bach, no que, aliás, foi honrosamente precedido por Schweitzer.

Finalmente cumpre dizer que, por trás do varão clássico tão querido de estudantes e colegas, sempre foi possível percebê-lo curioso de sua circunstância existencial. Esta fez dele o homem culto incapaz de esconder o entrechoque da ascendência luso-mineira com a herança greco-latina – ainda mais com a obrigação de ser herói, ao lado de Aleijadinho, da cidade de Congonhas. Tal inquietude fez também dele uma das influências decisivas na criação e no enriquecimento do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, a última mas não a menos importante das irradiações de sua invulgar personalidade.

terça-feira, 30 de julho de 2013

QUE FOI FEITO DO SUS?
 EM OUTRAS PALAVRAS, QUEM MANDA NO SUS?

Tenho sido cobrado pelo caos na saúde, em razão de ter participado, com forte engajamento, na luta pela aprovação do SUS na constituinte de 1988. Ora, o SUS é uma decisão simples sobre um sistema simples de cuidado da saúde, adotado com sucesso por vários países. Hoje, no Brasil,  é um caos – resultante da pusilanimidade e da incompetência dos que deveriam estruturá-lo, somada à incompetência e da má fé dos que, depois deles,  foram encarregados de administrá-lo.
Em meu livro que deverá sair ainda este ano, intitulado ENSINO DA MEDICINA no Brasil e em Minas, analiso o caos atual na saúde. Esta análise também não é complexa e pode ser divulgada, resumidamente, como segue.

Quem manda no SUS
O Sistema Nacional de Saúde deveria ter sido implantado, logo depois da Constituição  de 1988, por meio de uma estrutura nada complicada,  que deveria partir do Conselho Nacional de Saúde, passando pelo Ministério, e deste pelos Conselhos Estaduais e pelas Secretarias Estaduais, e destes pelos Conselhos Municipais e pelas Secretarias Municipais.

Os secretários estaduais da época se apressaram em criar um órgão espúrio, o Conselha Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Esta foi a providência antecipada para que aquele sistema, em vez de tecnicamente estruturado, passasse a atender demandas da politicalha regional.  Foi tão eficiente em inviabilizar o lado bom do sistema, que logo foi criado mais outro órgão espúrio, o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saude (CONASEMS).  Este também induz o sistema a funcionar, em vez do modo correto, de modo a atender  demandas diretas da politicalha municipal.

A indústria de saúde viu com bons olhos estas organizações para-sistêmicas. Elas, de um lado,  se prestariam às suas demandas comerciais e, de outro, enfraqueceriam a rigidez técnica do sistema. A principal medida, porém da indústria, não seria a pressão para a criação de conselhos para-sistêmicos referentes a seus interesses. Seria a pressão para a criação de algo mais eficaz e acima da politicalha eleitoreira. Conseguiram a estruturação de agencias que, sob o disfarce de instrumentos reguladores do funcionamento do sistema, representassem diretamente os interesses econômicos e de marketing de produtos e serviços, ou seja, agências contra-sistemicas. Assim, as agencias novas e outras pre-existentes, como a ANVISA, o CFM, os CRMs e a ANS, foram direcionadas a esse fim. De modo semelhante,  as associações corporativas dos profissionais da saúde pré-existentes ou neo-existentes foram rapidamente constrangidas a esse mesmo fim contra-sistêmico, por meio do financiamento de suas convenções e outros meios de suborno aberto ou disfarçado.

                O objetivo final é neutralizar o dispositivo constitucional,  sistêmico por definição, de tal modo que o controle de fato do que deveria ser o sistema nacional úncio de saúde fica nas mãos de um anti-sistema constituído pela indústria de saúde, composta pela indústria químico-farmacêutica, indústria de equipamentos de saúde, indústria de alimentos, indústria de insumos laboratoriais de saúde, indústria de venenos agropecuários, domésticos e ambientais, indústria de serviços (os chamados planos de saúde, os hospitais privados e filantrópicos, e outros), a indústria publicitária e/ou de marketing da saúde e ainda a indústria de educação em saúde (principalmente a criação irresponsável de faculdades de medicina).
                Sem muito esforço, é possível desenhar três diagramas análogos,  para mostrar como o sistema nacional de educação, que deveria ser verdadeiramente universal e totalmente gratuito, isto é, direito tácito de todos os cidadãos,  foi e está sendo progressivamente alienado da esfera pública, em favor da esfera privada, clamorosamente entregue a gigantescos interesses privados.
                Todo o caos, nos dois sistemas - de saúde e de educação -, traz um tremendo efeito que não é colateral, mas principal: é a perfeita trama para o mais desbragado carnaval de corrupção.
*
            E há mais: o caos culmina com a susificação dos chamados planos de saúde ...  que não são planos nem são de saúde!

Nos dias em que o presente texto estava sendo redigido, ocorreu uma cena muito significativa, no salão de espera de uma clínica oftalmológica. A sala de espera, ampliada para salão de espera, estava repleta de clientes. Nenhum deles era do SUS. Todos eram contribuintes de “planos de saúde”. Um senhor, com um curativo ocular, perdeu a paciência por causa da longa espera. Começou a reclamar alto e depois a esbravejar. Como os funcionários não conseguiram acalmá-lo, chamaram um médico co-proprietário da clínica. Depois de ouvir o desabafo do  paciente, o doutor disse que ele estava cheio de razão. Mas completou, com a seguinte ressalva: “O senhor está certíssimo em querer ser bem atendido, mas está havendo uma confusão aqui - com o senhor e também com todos os que estão neste salão. A confusão é a seguinte: o senhor pensa que saiu do SUS, mas não saiu. “

quarta-feira, 29 de maio de 2013

WILSON BERALDO
Wilson Teixeira Beraldo, nascido em Silvianópolis,  Minas, da turma de 1943 da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, é autor da maior descoberta científica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e a segunda, depois da descrição da doença de Chagas, realizada pela ciência brasileira. Durante o curso médico foi estagiário do célebre professor José Baeta Viana. Após regressar dos EUA, em 1926, Viana criou um  laboratório nos porões  da Faculdade. Nele, em vez de aulas teóricas, treinava os estudantes e principalmente os estagiários em química fisiológica (bioquímica).  A partir daí encaminhava todos os seus discípulos, disseminando pelo país verdadeira dinastia de mestres e pesquisadores.  Na vez de Beraldo, entretanto, coincidiu que, pela primeira vez, não havia lugar aonde encaminhar aquele jovem. Em verdade, muitos dirigentes científicos e universitários temiam ajudar Viana, adversário aberto do ditador Vargas.
 Esta má circunstância do momento pode ter sido decisiva para  que Beraldo fizesse a maior descoberta científica feita por discípulos do mestre.  Até que aparecesse uma oportunidade melhor, ele foi, então, trabalhar humildemente num laboratório farmacêutico (Bristol), em São Paulo. Achando-o ali, o grande nutrólogo Dutra de Oliveira sugeriu que procurasse abrigo, mesmo que como assistente voluntário, no laboratório paulista do carioca Henrique da Rocha Lima. Este tinha obtido em Hamburgo, na Alemanha, em 1916,  grande vitória para a ciência brasileira, quando descobriu a primeira riquétsia.
Acolhido por Lima, Beraldo foi escalado para a equipe afim do farmacologista, também carioca, Maurício Rocha-e-Silva, que havia chegado da Grã-Bretanha, entusiasmado com as esperanças trazidas pelo método de identificação da histamina. Maurício, por sua vez, sugeriu ao Beraldo dominar o método e escolher um setor do organismo humano onde pudesse procurá-la.  
Wilson Beraldo,  mineiramente, meditou e concluiu que, no primeiro mundo, as mínimas partes do corpo humano já estavam em pleno mapeamento e ele iria chover no molhado. Como a jararaca é uma cobra que só existe aqui, ele resolveu humildemente dizer ao mundo científico se havia ou não histamina na saliva da serpente (preparada por Gastão Rosenfeld, no laboratório Butantã, criação de outro mineiro, Vital Brazil). Rocha-e-Silva certamente achou que aquela ideia só poderia sair da cabeça de um caipira do sul de Minas, mas, como coisa de principiante, estava bem.
Acontece que Beraldo, ao procurar a histamina (que se comporta como uma taquicinina sobre o intestino animal), verificou que no veneno da jararaca, em vez de taquicinina, havia uma BRADICININA - e assim foi descoberta, em 1948, uma das mais importantes substâncias da fisiologia animal.  
Mais tarde os sucessores de Rocha-e-Silva e Beraldo, prosseguiram o estudo de cininas e outras substâncias fisiológicas na própria jararaca e, assim, Sérgio Ferreira descreveu o captopril, o inibidor da conversão da angiotensina I em angiotensina II, abrindo revolucionário capítulo no tratamento da hipertensão arterial. Coincidentemente, a angiotensina é outra descoberta latinamericana, feita pelo argentino Eduardo Braun Menendez, em 1939. 
Beraldo, apenas uma vez, concordou em relatar a cena da descoberta.  Foi quando deu uma aula de História da Medicina no Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais. Relatou que, procurando pela histamina na preparação que acabara de montar, observou o efeito bradi em vez de taqui, na curva registrada. Rocha-e-Silva entrou no laboratório e, enquanto colocava a gravata e o paletó, advertiu Beraldo de que Rocha Lima ia iniciar a reunião e não admitia atraso. Beraldo disse: veja o que está sendo registrado. – Depois eu olho, você ainda está de avental. – Então olhe, por favor, enquanto visto o paletó. A contra gosto o instrutor olhou, tornou a olhar – e ele mesmo foi se despindo do paletó e se livrando da gravata...



sexta-feira, 12 de abril de 2013


MARGARETE E A AMEAÇA COREANA
João Amílcar Salgado
            A morte de Margaret Thatcher trouxe as homenagens esperadas a um ex-governante britânico. Mas a mídia mundial, por ser tão abrangente, poderia aproveitar a oportunidade para dizer aos jovens de hoje que toda a crise atual, vivida pelo hemisfério norte ocidental, está enraizada em Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Será que isso não é dito em respeito a uma morta?
         Estive na Inglaterra antes do governo Thatcher e ali conversei com um sábio professor de Oxford, Sidney Truelove, sobre as perspectivas do serviço de saúde britânico. Ele era respeitadíssimo especialista e também estudioso das tendências econômicas e políticas ligadas à medicina.  Fiquei impressionado quando me disse que o horizonte econômico da Europa era sombrio. Segundo ele, o mercado comum europeu não ia dar certo. Assim só havia duas saídas. A primeira era voltar ao capitalismo selvagem, com anulação das conquistas do bem-estar social, principalmente na saúde. A segunda era inventar uma guerra.
         Dois anos depois surge a Margarete que escolheu a primeira saída.  E, para ter mais sucesso, fez dobradinha com Ronald Reagan, tão selvagem como ela. Os dois se consideravam os donos do mundo. Sábios, como Gay Talese e outros, não tiveram dúvidas em apontar esses dois como responsáveis iniciais pelo craque imobiliário nos EUA e a estagnação na Europa. Elogios à Margarete, em sua morte, não servem só para homenageá-la, servem muito mais para esconder  seus cúmplices ainda vivos.
         E a Margarete morreu no momento em que toma corpo a segunda saída para a crise agigantada por ela. Uma guerra inventada agora iria dinamizar as economias europeia e americana -  e  todos esqueceriam os crimes de  Thatcher e Reagan.

quinta-feira, 11 de abril de 2013


AFONSO SILVIANO BRANDÃO – VARÃO PLUTÁRQUICO DE MINAS E DA MEDICINA MINEIRA
João Amílcar Salgado
Acaba de ser editado o livro NA VIVÊNCIA  DO MEU TEMPO, escrito por Afonso Silviano Brandão. A primeira edição é de 1977 e foi distribuída  apenas entre familiares e amigos. Tive o privilégio de receber um  exemplar do autor e outro agora do filho, o proeminente patologista Hugo Silviano Brandão. Várias razões me fazem interessado nessa autobiografia, indissociável de várias histórias: a dos Buenos, entre os fundadores  do sul de Minas; a do clube América, vertente esportiva da faculdade federal de medicina; a da faculdade “Católica”, de que sou personagem, e a das entidades médicas, de que sou historiador e crítico.
Estudioso do sul de Minas, sei que os Buenos bandeirantes deixaram descendentes nas Lavras do Funil, região do meu berço, e nas lavras de Ouro Fino, berço dos Bueno Brandão. Pedro Vidigal escreveu que os Bueno vieram também para o Calambau e ai mudaram o nome para Martins da Costa. Eu disse-lhe que seu livro tinha centenas de páginas mas não dizia por que trocaram o nome. “Não disse, porque não sei”, respondeu. E eu: “Eu sei: é porque não era prudente conservar o sobrenome Bueno depois do Capão da Traição. Poucos não o mudaram”.  E o genealogista exclamou: “Então foi assim?, sêo valente!!!...”
Sobre o América, poucos sabem que os antigos campo e quadras próximos à faculdade federal eram área do parque municipal, cedida a esta escola, como campus esportivo, pelo sulmineiro e prefeito Otacílio Negrão de Lima. Virtualmente, o América era o time da faculdade, daí tantos médicos entre seus fundadores, associados e craques, um deles Afonso, cotado a mais ilustre.  Daí nosso protesto inútil quando a área foi depois vendida indevidamente a um supermercado. Nossos argumentos foram ridicularizados (hoje seriam aplaudidos), porque propúnhamos que a área voltasse a ser parte do verde do parque.
Tenho grande carinho pela “Escola Católica” de medicina. Quando fiz exame vestibular ali, vários docentes perambulavam amistosamente pelas salas das provas e participaram, sem qualquer rispidez,  das arguições orais. Tenho vaga lembrança de que Afonso era um deles. As turmas diplomadas em 1960 pela “federal” e pela “católica”, de tão pequenas, somavam uma única turma na Belo Horizonte dos anos dourados.  Mais tarde,  tive atuação decisiva na efetivação do ensino ambulatorial, quando deste fui o mais veemente defensor.  Depois, mais uma vez fui decisivo na deliberação de que o hospital São José viesse a ser seu hospital universitário, tão sonhado. Enfim, participei ativamente na modernização curricular, inclusive a adoção do internato rural.
Quando a antiga Universidade Católica, nos trâmites para ser Pontifícia, abriu mão da faculdade de Ciências Médicas - logo ela que era chamada de “a católica”! - fiz dura crítica aos autores deste ato ignominioso.  E não tive dúvida em rotular o gesto de mesquinho, numa palestra em pleno auditório da instituição ofendida.  Coincide que,  no ano da reedição do livro de Brandão, a PUC  inicia novo curso médico, desta vez não-filantrópico e não-descartável, mas altamente rentável.
Como historiador, examino a origem, os acertos e os erros  de cada entidade integrante da corporação médica mineira, senso lato, e também da corporação brasileira. Estudo, em especial, o papel neste enredo desempenhado por JK e Clóvis Salgado, dois médicos e políticos também presentes na saga da Faculdade de Ciências Médicas. Tais dados são encontrados em outros de meus textos.
Por todo o sobredito é possível avaliar a grata satisfação com que recebi a segunda edição de NA VIVÊNCIA DO MEU TEMPO, título de livro capaz de causar inveja em qualquer escritor. Seus leitores descobrirão que nenhuma personalidade da história brasileira contou com as circunstancias singulares, de nascimento, infância e juventude, que convergem na biografia de Afonso Silviano Brandão.  E a singularidade persiste e cresce quando se completa com  a vertente reta e realizadora do restante de sua existência.
 Eis, enfim, um livro que nos chega como límpida gema de Minas. Sim, nada mais substancial poderia ser ofertado à  história da medicina mineira, exatamente pelo raro conteúdo de nobreza, de honradez e de sul-mineiridade!

quinta-feira, 4 de abril de 2013


ATAULPHO DA COSTA RIBEIRO
Desassombrado nietszchiano
João Amílcar Salgado
         Ataulpho da Costa Ribeiro diplomou-se pela atual Universidade Federal de Minas Gerais, em 1949, e veio a ser um dos mais cultos psiquiatras brasileiros. Conheci-o quando, no Centro de Memória da Medicina, o Ciro Gomide Loures me chegou com um duo cervantino: o cartunista e historiador Fernando Pieruccetti, alto e magro, e o médico e escritor Ataulpho, de estatura menor e bigodudo.  Os três queriam discutir os achados minuciosos de Fernando sobre o primeiro curso médico brasileiro, ministrado em Vila Rica, desde 1801. Nas apresentações, relacionei o sobrenome Costa Ribeiro com a cidade de origem, Lavras, e imediatamente reconheci no portador os traços dos Ribeiros nepomucenenses, quer no físico, quer no comportamento. Diante disso ele me passou sua árvore genealógica, pelo que hoje o chamo de primo.
            Naquele dia, Ataulpho sugeriu que convidássemos Bi Moreira para ministrar aula no curso de História da Medicina, o que aconteceu no semestre seguinte.  Emocionado, Moreira relatou sua luta para organizar o museu que hoje traz seu nome e que, em boa hora, passou a preservar a memória da região de Lavras. Na aula, entre outras preciosidades, revelou-nos que Paulo Meniccuci, patriarca da medicina lavrense, se consagrou como cirurgião, quando, no início do século 20, após examinar um homem esfaqueado, teve a audácia (que, na época, quase nenhum cirurgião teria) de  fazer-lhe uma sutura do músculo cardíaco, salvando aquela vida.
            Daí passei a admirar a boa prosa do erudito Ataulpho Costa Ribeiro, seus deliciosos comentários críticos e seu lado de poeta sensível e de filósofo cético, bem assim suas predileções na música, iguais às minhas. Conheci de sua competência clínica, no exercício da qual joga com habilidade toda sua abrangente cultura. Tudo me fazia pensar dele um recluso, quando avisto uma pessoa muito parecida com ele, a passar por mim, todo desenvolto, ao pedal de uma bicicleta, lá no alto do Miguelão.  Não podia ser, mas era ele mesmo. Sim, ele sim, ciclista ou andarilho, era parte daquela paisagem.
            Descobrimos que ambos éramos fãs de Agripa Vasconcelos.  Revelou-me que conviveu certo tempo com o médico e escritor, ocasião em que recebeu dele, datado de dezembro de 1948, o manuscrito exclusivo do soneto ADOLESCENTE:  No citoplasma do ovo, ao gene, obscura, / Na química fatal do cromosoma, / Foste gerada com a dourada coma / Ao calor da genética mais pura! // Produto de um calor que ainda perdura, / Num salto mendeliano, agora assoma / Teu vulto esbelto que é o resumo, a soma / De protoplasmas que o calor mistura. // Na tua biologia recessiva, /Não teu pai – tua mãe é que está viva, / O gene dela é que prevaleceu // Tu que vens de uma antese clara e bela, / Já te cobri de beijos dados nela / E beijo em ti aquela que morreu.
            Em dezembro de 2005, o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais concedeu pela primeira vez o Prêmio Pedro Salles de História da Medicina. Sendo premiação inaugural, foram premiados in memoriam Agripa Vasconcelos, Otávio Nelson de Sena e Fernando Pieruccetti.  Por sua fraterna ligação a Pieruccetti, Ataulpho foi convidado a recebê-lo em nome de seu grande amigo – e assim também homenageado. Foi quando lembrou ter Aníbal Matos cognominado Pieruccetti de o nosso Aleijadinho do crayon.
            Ataulpho Ribeiro, lendo Nietszche no original, passou a ser respeitado estudioso da vida e da obra do grande filósofo e poeta alemão. Afinal se transformou em autoridade naquilo que lhe cabia como psiquiatra, que é a demência de que Nietszche foi vítima no fim da vida. No centenário de sua morte compareceu ao túmulo e leu em lágrimas um poema que lhe escreveu em alemão. Convidado pelo Centro de Memória da Medicina a ministrar conferência sobre o tema, causou forte emoção nos estudantes do Curso de História da Medicina, quando exibiu o filme em que aparece o originalíssimo pensador em seu dramático internamento hospitalar.
            Estamos preparando a publicação do livro A PSICOSE DE NIETSZCHE, que é o coroamento dos textos escritos por Ribeiro sobre Nietzsche. Seus colegas do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais o aconselham a publicá-lo também no exterior, pois parece que nenhum estudo semelhante foi feito até o momento. Seus ensaios e poemas são densos e  nos induzem a inquietantes reflexões.  Na verdade trata-se de um pensador singular, capaz de arquitetar sedutora ponte entre os iluministas mais radicais e o pensamento nietszchiano mais revolucionário.
            Em Roeckendorf, na Alemanha, no dia 09-10-1993, Ataulpho Ribeiro rezou à beira do túmulo de Friedrich Nietszche a seguinte oração-poema: Tu foste poeta e pensador. Em tua vida introspectiva e solitária, a dor foi prematura e permanente. Aos quatro anos de idade, ao falecer teu pai, a existência já desvelava, aos teus atônitos olhos de criança, o seu verdadeiro rosto, as suas dissonâncias, as crueldades que a desesperam.  Desde então, a tua vida inteira, por poderosa e aguda percepção crítica da realidade, e por tua sempre frágil condição de saúde, foi uma grande odisséia de sofrimentos, resignação e desencantos. Filósofo lírico, pensador da existência , artista da palavra, dotado de excepcional pendor musical, deixaste, para a posteridade, enriquecendo sobremaneira a herança cultural comum, um legado espiritual marcado por original e impetuosa avalanche de idéias, todas elas girando em torno de grandes temas e desconcertando a bi-milenar tradição da filosofia ocidental.  Possuías uma alma nobre e solitária, meditativa, muito acima das contingências cotidianas da vida. A música e a palavra, como bem observava Thomas Mann, foram as tuas únicas vivências.  Falando de ti mesmo, dizias: “Os meus pensamentos tornaram-se os meus acontecimentos; o restante de minha vida nada é senão a crônica diária de uma doença.” Em verdade, a tua existência inteira foi um segundo “nascimento da tragédia”. Tua grandeza, como escultor do idioma, como poeta e pensador, como consciência crítica dos valores, como filósofo do niilismo e da cultura, como educador da liberdade, tuas antevisões proféticas, tuas profundas análises psicológicas, são ininterruptos diálogos interpelativos com a realidade, todos eles colocados em altíssimo nível de contestação cósmica. Foste, em tuas próprias palavras, “poeta, decifrador de enigmas e redentor do acaso”. Hoje, seis dias antes de teu aniversário, e após meio século de paciente expectativa, de atenta leitura de tuas obras, realizando um antigo anseio, venho ao teu túmulo e à tua aldeia natal para reverenciar a tua memória, para tributar ao teu nome a minha mais comovida homenagem.  Ao realizar esse gesto, de contrição e fervor, gostaria que ele o fosse consoante as tuas próprias aspirações e sensibilidade, consoante a transcendência do momento, a epifania desse instante, quando nehuma palavra é capaz de expressar, em toda a sua plenitude, as grandes emoções do espírito: “Oh! minh´alma, ... canta, não fales mais!”    
            Tendo dado o nome de Robespierre a seu filho (também médico e também brilhante), este jacobino transbordante de mineiridade mostra que em Minas se esconde, em nicho esplêndido, simbiontes de poesia e dialética. Quando discernidos sem preconceito e com justiça, terão em Ataulpho da Costa Ribeiro um exemplo digno de estudo sério, de controvérsia sadia e de admiração verdadeira.

quarta-feira, 27 de março de 2013


RACISMO E NEONAZISMO NA UFMG
João Amílcar Salgado
O episódio ao mesmo tempo racista e neonazista protagonizado agora por estudantes do curso de direito da UFMG, seguido de ofensa racista de professor da mesma universidade a aluno adolescente, os quais foram precedidos, no ano passado, pela pichação da frase “A UFMG vai ficar preta”, a propósito das cotas para negros - mostram claramente  que os autores desses atos estão sendo jogados nos braços da extrema-direita.  O principal motor desse perverso desvio político é sem dúvida o martelar doutrinário exercido por forte setor da mídia. Os consumidores dessa mídia são não apenas os universitários, mas seus pais e membros de seu ambiente familiar e social.  A doutrinação racista e neonazista é feita por doutrinadores que, com rapidez, estão aprendendo a manejar a capacidade tsunâmica das redes coletivas da internete.  Silenciar a mídia seria erro maior, daí que a providência mais eficaz será usar meios inteligentes contrários ao desvio ameaçador. 
Acontece que o ensino superior brasileiro está acometido de mediocridade endêmica, associada a burrice epidêmica.  Há quatro décadas, as universidades públicas brasileiras, federais e estaduais, estão-se mostrando subservientes a agressivo assédio tanto governamental  como empresarial.  O resultado evidente desse assédio é o nivelamento  por baixo de tudo o que foi, a custo, conquistado por universidades, faculdades e institutos sérios. A ditadura da QUANTIDADE SOBRE A QUALIDADE, para efeito de exibição internacional, e a ditadura da UNIFORMIDADE SOBRE A CRIATIVIDADE, causaram, a curto prazo, a completa perda de identidade de reconhecidas instituições.
Isso chega ao cúmulo de os mercantilistas do ensino superior decretarem o fim do modelo humboldtiano de universidade, o que, traduzido, significa o abandono da AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA e do ideal da INTEGRAÇÃO ENSINO-PESQUISA.  Apregoam que, já nos dias atuais, essas conquistas não são conquistas coisa nenhuma e devem ser consideradas ultrapassadamente ridículas.  O objetivo é claro: as instituições até aqui tão respeitáveis devem ser degradadas à mera condição de  fornecedoras de recursos humanos SEMI-ACABADOS,  para que sejam ACABADOS nos estágios de treinamento da indústria, tanto privada como estatal.  E o pouco da pesquisa ainda em andamento deverá ser subsidiária dos milionários departamentos de pesquisa dessas mesmas indústrias, sendo por eles financiada, orientada e selecionada. O dinheiro farto de tais departamentos tem irresistível poder para amolecer dirigentes e pesquisadores. Muitos destes, cujo número cresce a cada dia, se mostram felizes com a nova situação e ficam indignados quando alguém insinua que se deixaram corromper.
Espero que os episódios citados despertem uma massa crítica de líderes lúcidos. Se ainda existem e se resistirem a não se vender, que se mexam e consigam tranquilizar-nos, apontando alguma evidencia de que ainda há vida inteligente em nossas queridas e verdadeiras universidades. 

domingo, 6 de janeiro de 2013


CAMILO ASSIS FONSECA
 O decano dos ecologistas mineiros

João Amílcar Salgado

            No dia 25/09/92 a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais  e o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais prestaram homenagem ao professor Camilo de Assis Fonseca Filho, a propósito da Semana da Árvore.  Constou de bela solenidade em que o homenageado plantou três buritis em frente à Faculdade, ao som do Hino Nacional executado em solo de flauta pelo estudante de medicina Walker M. Lahmann.  O plantio foi acolitado pelo professor Ênio Pedroso, diretor da Faculdade, e é resultado de sugestão antiga do professor Oswaldo Costa, outro pioneiro da preservação natural dos gerais.
            O professor Camilo de Assis Fonseca Filho, nascido em Formiga e agrônomo pela gloriosa Universidade Federal de Viçosa, veio a se consagrar como o decano dos ecologistas mineiros, por ser o brasileiro que mais árvores plantou em uma vida.  Combativo defensor da flora nativa, arborizador amazônico sobre minérios, ajardinador de nossas ruas e campi, atapetador dos grandes estádios brasileiros de futebol, original em metodologia de florestamento - foi requisitado pelo Centro de Memória, por seu enciclopédico domínio sobre o uso medicinal das plantas brasileiras.
            Sobre a arborização de nossas ruas, Camilo Fonseca se fez irresistível pedagogo com esta inesquecível lição: As cidades não arborizam todas as suas ruas, com a desculpa de que não é possível arborizar rua estreita – e eu respondo que o hibisco é perfeito para rua estreita e, assim,  qualquer cidade pode ter todas as suas ruas arborizadas e floridas. Sobre plantas medicinais, ele é autor desta verdade irrevogável: Os antigos transmitiram a idéia de que só são medicinais as plantas pequenas (ervas e arbustos). Ora, essa idéia era própria para o uso prático nas condições precárias de antigamente. Mas a verdade é que qualquer planta é medicinal, desde a menor erva até a árvore mais gigantesca. Cabe à ciência descobrir sua virtude e seu uso.
            Por causa da 2a Guerra Mundial, foi vedada a importação de madeira estrangeira e Camilo Fonseca Fo se celebrizou ao indicar madeiras brasileiras próprias à confecção de nossos lápis, uma de suas muitas maneiras de ser educador. Correspondeu e trocou sementes com o negus Salassiê da Etiópia, também ilustre botânico, permitindo que árvores africanas sejam admiradas no Horto, em Belo Horizonte, ao lado de plantas de cada paisagem do Brasil – todas pacientemente cultivadas pelo extraordinário sábio formiguense.  
            Em 1989, em comemoração ao Bicentenário da Inconfidência, foi convidado a indicar as plantas que hoje compõem o Horto Medicinal Frei Veloso, inaugurado junto à Biblioteca Baeta Vianna, em lembrança de nosso primeiro botânico, primo de Tiradentes.  Ao mesmo tempo, o Horto Frei Veloso deve contribuir à reabilitação histórica dos hortos medicinais intrínsecos às primeiras escolas médicas, fonte de toda a farmacoterapia atual.
            O plantio dos buritis fez parte também do curso sobre plantas de importância terapêutica, ministrado pelo mestre Camilo por meio de caminhadas ecológicas em diversos sítios, segundo a variedade da flora regional.  Os ensinamentos, gravados em vídeo, serão utilizados em múltiplos desdobramentos, quer do ponto de vista de preservação de espécies e usos, quer para o ensino e a pesquisa.
            O buriti é o traço que une a ecologia, a memória da medicina e Guimarães Rosa.  Foi este ex-aluno da Faculdade, que, em seu harmonioso leque de tematizações, profeticamente reservou para título da maior de suas obras nada mais nada menos que os contra-polos de fantástico e real eco-sistema - o sertão e suas veredas.  Por isso mesmo uma das magistrais lições peripatéticas do professor Camilo não poderia deixar de ocorrer nos arredores de Maquiné, onde as filmagens flagraram a reunião histórica de personagens afins e irmãos, simbólicos e vivos: Manuelzão, Juca Bananeira, Maria de Lourdes Rocha Correa e Camilo de Assis Fonseca Filho.
            Por ocasião de sua aposentadoria, em vez de glorificado por tantas realizações, este extraordinário brasileiro e autêntico mineiro foi vítima de injustiça inominável perpetrada por gente indigna que, estribada em soberba mesquinharia, agiu para impedi-lo de freqüentar sequer o horto e as estufas (Museu de História Natural) co-edificados por ele.  O nome desses infelizes deficientes morais hoje jaz no lixo da memória da instituição, enquanto o de mestre Camilo rebrilha, com ternura e com carinho, no coração de inumeráveis discípulos e admiradores.
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O autor é professor titular de Clínica Médica e  pesquisador em  História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.