João Amílcar Salgado

quinta-feira, 10 de abril de 2014

ADELMAR CADAR
Este homem realizou algo maravilhoso em favor dos médicos
João Amílcar Salgado
            Adelmar é belorizontino e diplomado na turma de 1951 de médicos da UFMG. Além de excelente otorrinolaringologista, ele é turfista, atleticano e escritor humorístico. Em seu livro DIÁRIO DE UM MÉDICO (1998), entre outras preciosidades, há o registro da história do hipódromo de Belo Horizonte e do Clube Atlético Mineiro.
            A turma de 51 foi rica de médicos competentes: Aspásia de Oliveira Pires, Delcides de Oliveira Baumgratz, Délio Menicucci, Evandro Cunha Melo, Helênio Enéas Coutinho, João José Kingma, José Fernal Bicalho, José Monteiro Magalhães, José Rodin Peret, José Urbano Figueiredo, Milton Machado, Milton Pimenta Figueiredo, Nelson Salomé, Nívia Nohmi, Pedro Cardoso, Washington Tafuri e Wilson Mayrink. Destes, além de Adelmar, convivi de perto com Delcides, Helênio, Kingma, Fernal, José Monteiro, Peret, Salomé, Nívia, Tafuri e Mayrink, sendo que o irmão de Urbano, de nome Antônio, casou-se com minha tia Cotinha Salgado.
            Adelmar foi o terceiro presidente do Jocquey (1979-82) na sequência de gestões que sucederam ao célebre José Maria Alkimin. Curiosamente um de seus vice-diretores chamava-se Amilcare de Carolis. Colaboraram com sua administração Aécio Cunha, Camilo Teixeira da Costa, Celso Azevedo, Fábio Fonseca, Israel Pinheiro Filho e José Maria Magalhães. O hipódromo chegou a 250 cocheiras e integrou a Comissão Nacional dos Criadores do Cavalo Nacional de turfe. As instalações da vila hípica eram adequadas e muito higiênicas, inclusive piscina para os animais. Certo dia encontrei-me com o Cadar e disse que meus filhos queriam ver os cavalos de perto. Respondeu: leve-os e serão recebidos com honra: designarei um amarra-cachorro ou melhor um amarra-cavalo para ficar a manhã inteira com  suas crianças.
               Ao falar do time do Atlético, ele sentencia, medicamente: Não existe atleticano sadio: são todos doentes e incuráveis. O clube foi o primeiro da capital em 1908 (três anos antes da escola médica que diplomaria Cadar). Por essa época, o afluxo de imigrantes sírio-libaneses fez surgir o Esporte Sírio Horizontino, que teve o mérito de em 1922 iniciar o confronto interestadual, hospedando seu irmão paulista, o Sírio Paulista, para jogar com o campeão América. O goleiro dos visitantes era Athiê Jorge Cury, mais tarde presidente do Santos de Pelé. Já o presidente do Horizontino era Antônio Cadar, pai do Adelmar, que impressionou os paulistas, em banquete no Grande Hotel, quando pediu a seu amigo Pedro Aleixo para saudá-los.  Com a extinção do Horizontino, a torcida se transferiu ao Atlético, acompanhando seu principal craque, Said Paulo Arges, além dos atletas Eduardo Abras, Paulo Cury e Mauro Patrus. Said formou com Jairo de Almeida e o estudante de medicina Mário de Castro o Trio Maldito de atacantes temidos por qualquer adversário.
Famílias sírio-libanesas mineiras passam a ser identificadas com o Atlético. O sócio número um é João Salomão, primo da mãe de Cadar,  Rosinha Salum. Os Kalil, Cury, Simão, Patrus, Lasmar, Kumaira,  Hadad e outros participam da direção do clube. De minha parte, trabalhei ao lado do ortopedista Abdo Arges Kalil no hospital da previdência estadual, enquanto Aziz Abras foi sócio de Francisco Lima Filho, meu parente, e Paulo Cury foi craque universitário, ao lado de meu primo Marcly Vilela, em Alfenas. A propósito, Maurício Kalil, meu querido colega de turma e um dos melhores humoristas que conheci, me confidenciou que os Kalil são metade gente do deserto e metade descendentes de Gengis Kahnm, e que o Arnaldo Elian procede das fraldas do monte Ararat.
Este preâmbulo é para mostrar as condições que Adelmar Cadar reuniu para  dirigir, com extrema audácia, o Boletim do Centro de Estudos do Inamps. Ele se reuniu com o excelente administrador em saúde José Luiz Verçosa para discutir como bem utilizar a novíssima gráfica do então INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Ouviram o citado professor Arnaldo Elian e concluíram que bastava pedir ajuda ao clínico e cientista Luiz de Paula Castro.  Este, com sua equipe, cuidaria de rechear o boletim da instituição com textos de atualização médica de alta qualidade. O Luiz nos pediu as atualizações e como já as publicávamos num modesto boletim dirigido aos professores de medicina mineiros, fizemos a contraproposta de transformá-lo  em bem cuidado periódico. Os textos em inglês seriam traduzidos por estudantes de medicina pagos pela fundação Kellogg, a partir de dois periódicos: THE MEDICAL LETTER e DRUG AND THERAPEUTICS BULLETIN. Cadar, o principal responsável, disse: a indústria farmacêutica manda no governo, vai pressionar e até pedir minha demissão, mas até que enfim vamos fazer algo que contraria a mentirada de sua propaganda. Como as publicações originais eram dos EUA e da Inglaterra e a referida fundação estava envolvida, a indústria farmacêutica teve dificuldade em agir contra Cadar.
O The Medical Letter On Drugs And Therapeutics é um boletim bissemanal criado em 1958 por Arthur Kallet e Harold Aaron, ligada à União dos Consumidores nos EUA, também editado em francês e italiano. Foi por, certo tempo, traduzida ao espanhol e, graças a Adelmar Cadar, ao português. O Drug and Therapeutics Bulletin é publicado mensalmente, desde 1962, pelos especialistas do British Medical Journal. Hoje ambos estão na internete. Nosso BOLETIM DE MEDICAMENTOS E TERAPÊUTICA foi uma seleção desses dois boletins e distribuído mensalmente a todos os médicos mineiros, por meio do endereço fornecido pelo Conselho Regional de Medicina. O que a indústria farmacêutica, na ditadura, não conseguiu diretamente o novo governador Newton Cardoso, na abertura democrática, obteve, certamente por pressão dela. Em 1987 seus auxiliares nos comunicaram que a gráfica passou a seu controle. Pedimos que prosseguissem publicando o boletim sob a direção de Cadar. Disseram que, ao contrário, cada número teria de ser aprovado pela cúpula do governo estadual e Cadar seria substituído por um médico-político, para nós totalmente alheio aos mínimos aspectos científicos da medicina. Foi assim que findou o Boletim.
Houve um vão clamor dos médicos, principalmente os atuantes no interior, que já estavam dependentes das atualizações seguras, por quatro anos. Adelmar Cadar, o herói dessa notável façanha, merece as mais altas homenagens de nossa autêntica medicina, que, graças a homens tão bravos como ele, talvez subsista a tanta ignorância e a tão desrespeitoso cinismo.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

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