João Amílcar Salgado

domingo, 30 de agosto de 2015

ANOS 60 SEGUNDO CID VELOSO

Cid Veloso, ex-reitor da UFMG e ex-diretor da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas da UFMG lança o livro ANOS 60 - OS MOVIMENTOS QUE MUDARAM O MUNDO (2015).
 O tema é muito oportuno e o autor o vê de um ângulo abrangente, principalmente a partir de sua rica vivência. Esse movimento, em Minas, levou à primeira e única eleição direta do reitor, por voto direto e paritário de docentes, funcionários e estudantes. O reitor eleito foi exatamente o autor do livro, Cid Veloso. 
Isso tudo contrasta gritantemente com o descalabro atual no ensino médico e nos hospitais universitários.
Anexo, um texto que escrevi nos 30 anos da invasão da Faculdade.

RARO CASO EM QUE O BRASIL NÃO IMITOU O PRIMEIRO MUNDO
João Amílcar Salgado
            Fato da maior importância histórica é que, na agitação estudantil de 1968, que varreu o mundo inteiro, se aponta a ocupação da Sorbonne pelos estudantes rebelados, em 3-5-68, como o episódio central na Europa. Pois bem, no mesmo dia 3-5-68, ocorreu a ocupação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais pelos estudantes rebelados. Além de coincidentes, os dois episódios apresentam uma diferença fundamental, que atesta muito maior heroísmo no lado brasileiro. Enquanto na França o regime político era uma democracia, no Brasil os estudantes estavam enfrentando a violência e a crueldade de feroz ditadura.
3 DE MAIO DE 1968 NA FRANÇA.
No pátio da Sorbonne realiza-se a reunião de estudantes que exigem o acesso aos anfiteatros. O reitor, Jean Roche, quebrando uma regra secular, chama a polícia para entrar nas instalações universitárias. A polícia interrompe a reunião, expulsa os estudantes e fecha as instalações. Vários alunos são ali detidos. Muitos outros são detidos nessa noite em manifestações no Quartier Latin, onde é levantada a primeira barricada, no Boulevard Saint-Michel.
3 DE MAIO DE 1968 EM BELO HORIZONTE.
A Faculdade de Medicina da UFMG é tomada pelos estudantes. O diretor Oscar Versiani Caldeira, num ímpeto de pusilanimidade e ódio, autoriza a polícia a cercar e invadir o prédio. Isso ocorre em 3 de maio de 1968. É o mesmo dia em que, na França, a Sorbonne foi ocupada pelos estudantes. O diretor transtornado, em contraste com a atitude pró-estudantes dos diretores das demais Faculdades, autorizou a entrada das forças de repressão para desalojar os alunos. Só não houve resultado sangrento em virtude da intermediação de três heróicos docentes: Amílcar Vianna Martins, José de Noronha Peres e Carlos Ribeiro Diniz. Assim, a revolução estudantil de 1968, que, de modo inédito, explodiu, quase simultaneamente, em vários países: França (Sorbonne), EUA, México (Tlateloco), Alemanha e Brasil, teve em Belo Horizonte esse episódio digno de um livro exclusivo. E os nomes desses três desassombrados cientistas devem ser lembrados com todo o carinho, por não terem medido conseqüências, no instante em que, sem vacilação, decidiram posicionar-se ao lado da juventude conflagrada. E o ex-expedicionário Amílcar Martins – ali, esguio, determinado e grave, em meio ao gás lacrimogêneo, aos estilhaços de vidro e ao som de tosses, gritos e bombas – se via no segundo campo de batalha, depois do primeiro, na Itália. Sim, era-lhe o mesmo teatro de luta, apesar da distância de décadas, pois o inimigo, sem dúvida, era também o mesmo: o redivivo cadáver do nazi-fascismo!
AMÍLCAR VIANA MARTINS
Em 1979, eu estava na cidade de Puebla, México e fui honrado pelos estudantes de medicina mexicanos com o convite para ver um documentário sobre o MASSACRE DE TLATELOCO, ocorrido nesta cidade em 2-10-68, pouco antes das Olimpíadas de 68, em que a repressão armada matou centenas de pessoas e feriu outras mais. A ditadura vigente no Brasil não permitiu que esse documentário fosse visto pelos brasileiros. Este episódio deve sempre ser lembrado juntamente com os episódios da Sorbonne e de nossa Faculdade de Medicina. Em Puebla, no debate com líderes daquele movimento, relatei o episodio da Faculdade. O padre e poeta Ernesto Cardenal, ao falar, ressaltou minha observação comparativa entre as democracias da França e do México e a ditadura brasileira.
BELO HORIZONTE

CARLOS RIBEIRO DINIZ

ELENA PONIATOWSKA

JOSÉ NORONHA PERES

AJAX PINTO FERREIRA
PARIS


Ver o livro NOITE DE TLATELOLCO da escritora mexicana Elena Poniatowska e ANOS 60 – OS MOVIMENTOS QUE MUDARAM O MUNDO, de Cid Veloso, ex-reitor da UFMG e ex-diretor da Faculdade de Medicina da UFMG. Ajax Pinto Ferreira, médico e professor da UFMG, preso na invasão da Faculdade, ministrou emocionada aula no curso de História da Medicina  em 2008, nos 40 anos do episódio. 

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

JOSÉ GOMES VIEIRA NÃO SERÁ ESQUECIDO
João Amílcar Salgado
José Gomes Vieira foi consultor de medicina mediúnica do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais. Depois do falecimento de Chico Xavier ele era o último dos primeiros verdadeiros seguidores dele. Era da sala e da cozinha do grande líder espirita, desde os tempos em que este ainda não era celebridade. O Zé Gomes era altissimamente qualificado em duas áreas. Foi dos melhores técnicos em refrigeração em Minas e dominava integralmente cada parágrafo de qualquer livro de Xavier. Sua memória de tais textos parecia uma espécie de psicografia transversal de toda a colossal obra. Em qualquer debate dos historiadores da medicina, era hábito que se pedisse ao Gomes que lembrasse um trecho do Chico que se aplicava ao tema em pauta. Era hora de santa, prazerosa e consubstanciada contribuição desse verdadeiro sacerdote do espiritualismo. No território propriamente da medicina mediúnica, ele se opunha àqueles que praticavam curas cruentas. Dizia que nisso estava sendo ortodoxo na defesa do aforisma de seu mestre Chico, segundo o qual o espírito, sendo espírito, não necessita verter sangue em cirurgias espirituais.
Em sua penúltima internação, estava muito mal e na certeza de que não ia sobreviver, invocou os espíritos de Chico Xavier e de Bezerra de Menezes. Logo os reconheceu sorridentes ao pé de seu leito e havia um de óculos não identificado, na penumbra, atrás dos dois. Os visitantes disseram-lhe que ele não ia dessa vez, pois ainda tinha uma missão por cumprir. Acrescentei que o de óculos era eu, pois, pela hora em que o fato se deu, eu estava na casa de minha prima Zulmira, pedindo-lhe um serviço espiritual pela recuperação do Zé. Este era muito sagaz e ficou eufórico: esse episódio indica que conseguimos fazê-lo espírita! Respondi: não, nada disso, eu estava ali por amizade, é que, por um grande amigo como você, topo perfórmances em qualquer plano.
NOTA: O Centro de Memória contou com consultores em história das medicinas não convencionais: mediúnica, afromineira, indígena e orientais.

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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

PEÃO DE BARRETOS – QUE NEPOMUCENO TEM COM ISSO?
João Amílcar Salgado
Nestes dias de agosto de 2015, ocorre a festa do peão de boiadeiro da cidade de Barretos, SP.  Que Nepomuceno tem com isso? Tem muito a ver, pois Barretos foi fundada por nepomucenenses.  Mariana de Souza Monteiro (terceira desse nome) nasceu na Fazenda da Lagoa em Nepomuceno, em 1829, casou-se com Francisco Angelo Rodrigues Airão, nascido na cidade de Campanha, e o casal foi para o sertão do Rio Pardo entre São Paulo, Minas e Mato Grosso. Seus descendentes, conhecidos como a família ÂNGELO, são considerados edificadores de Barretos.  Tios, irmãos e primos de Mariana foram para ali também, de tal maneira que cidades não só Barretos, mas Mococa, Casa Branca, Franca e Igarapava só surgiram quando as famílias Souza Monteiro Costa, Garcia, Junqueira Diniz, Figueiredo e Lima saem da região de Nepomuceno, Três Pontas, Coqueiral Boa Esperança, Carmo da Cachoeira, Lavras e Campanha para se transformarem em colonizadores e civilizadores daquele sertão. Infelizmente nesse deslocamento perpetraram mais um dos diversos genocídios indígenas de nossa história. Por outro lado, é importante que o povo de Nepomuceno saiba desses acontecimentos, principalmente os descendentes do capitão Vicente Ferreira da Costa (tio de Mariana) que compõem a família Costa Ribeiro Lima  e também os das demais famílias citadas.

            Quando se fala em gado dessa região, outra família originária daqui se tornou legendária. É a família Maia, que muitos pensam ser exclusivamente de Boa Esperança, de Guapé ou de Passos, mas é originária da Trumbuca e do Esmeril.  O sobrenome deixou de ser usado na Vila para evitar falar no parentesco com o bandoleiro Urias Maia. Aqui a família conserva mais o sobrenome Barbosa de Oliveira, dos Barbosa de Coqueiral, além de outros sobrenomes de gente da Trumbuca. Os que são Maia, em Nepomuceno, na Trumbuca e em Coqueiral, hoje devem orgulhar-se, entre outros, de dois Maias de grande fama: Nelson Freire Maia, um dos maiores pianistas do mundo, e Tião Maia, que muitos garantem ter sido o verdadeiro Rei do Gado e também inspirador da célebre moda de viola. Tião Maia estava para ser morto pelos militares em 1964, por ser muito amigo de João Goulart, e, antes que o encontrassem, levou toda sua fortuna para a Austrália. Lá ficou conhecido nacionalmente. Espertalhões quiseram tomar-lhe o dinheiro em Las Vegas, EUA, e ele, fingindo ser um caipirão australiano, enganou a todos – e essa sua façanha teria inspirado o filme CROCODILO DUNDEE (1986). Vejam o filme aqui.
CROCODILO

TIÃO MAIA

domingo, 16 de agosto de 2015

VACINAÇÃO ANTI-PÓLIO, QUE NEPOMUCENO TEM COM ISSO?
     No Brasil a transmissão da paralisia infantil foi interrompida em 1991. Para essa histórica vitória houve a contribuição fundamental de um notável médico nepomucenense e  infectologista pediátrico de projeção internacional, Edward Tonelli. Contemplado com os mais altos títulos da UFMG, da Academia de Medicina e do Rotary, Edward, ao lado de mais dois outros pediatras mineiros, Archimedes Theodoro e Elmo Perez, fez com que o Brasil relembrasse a façanha saneadora de Osvaldo Cruz, acontecida noventa anos antes.  A partir da vitória sobre a varíola em 1980 e sobre a paralisia infantil em 1991, o Brasil passa a ser considerado exemplo de luta contra infecções por vírus, vanguarda confirmada com o êxito do programa brasileiro contra a AIDS. Se o país vem fracassando na assistência médica, nas imunizações tem continuado vitorioso. Isso se deve a médicos extraordinários como os citados, aos quais podemos reunir José Geraldo Leite Ribeiro, atual maior autoridade nacional em vacinas. Se lembrarmos que José Geraldo  é de Três Corações, concluímos que o sul de MINAS entra nesse grupo de quatro seletos especialistas com a metade deles, um nepomucenense e um tricordiano, sendo este, além disso, ligado por parentesco aos Ribeiros de Nepomuceno.

            Também na história da paralisia infantil no Brasil figura uma nepomucenense. Trata-se da Mariana Santos, nossa querida Marianinha do Zé Dingo. Ela sofreu poliomielite, doença que causou pânico na Vila e trauma à menina de quatro anos, que era muito bonita. Todas as consequências de sua paralisia ela própria relata no  livro TRAJETÓRIAS DE MINHA VIDA (2015), o qual tem importância tanto como depoimento humano, como parte da história da cidade e ainda por ser uma página da historia da medicina brasileira. Na década de 40 do século 20 o único tratamento que lhe foi possível foi balneoterapia em São Lourenço. Ali ela foi orientada pelo especialista Lutero Vargas, filho do então ditador do Brasil, Getúlio Vargas. O ortopedista Lutero  havia regressado da Alemanha onde estudara especialmente essa doença e disse à família: essa menina é a paciente mais graciosa que já examinei, mas nem eu nem nenhum médico da Europa pode devolver-lhe os movimentos. A Marianinha continua linda mulher aos 80 anos, tanto quanto Ana Paula, sua jovem neta.
EDWARD TONELLI

MARIANA SANTOS

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

BOMBA DE HIROSHIMA E QUE MINAS TEM COM ISSO?
FRANCISCO

OPPENHEIMER

João Amílcar Salgado
            Neste agosto de 2015 completam-se 70 anos de um dos maiores crimes de guerra de todos os tempos, cometidos pelo presidente Truman dos EUA. Trata-se do assassinato coletivo de quase 300 mil pessoas inocentes, somados a número incalculável de sobreviventes lesados, inválidos ou que vieram a morrer mediatamente. Truman ordenou o lançamento das duas primeiras e únicas bombas atômicas, usadas em situação de guerra, sobre as cidades japonesas de Hiroshima (6-8-1945) e Nagasaki (9-8). Após o morticínio, Truman, em vez de ser submetido a julgamento pelo hediondo crime, foi glorificado e continuou impune até sua morte - e não foi julgado até hoje.
            Minas Gerais tem relação com isso porque veio para Belo Horizonte o cientista Julius Robert Oppenheimer, diretor do PROJETO MANHATTAN, criado pelo presidente estadunidense Franklin Delano Roosevelt, para desenvolver a bomba atômica.  O terrível projeto se iniciou a partir de 9-10-1941, com a participação de Albert Einstein, Enrico Fermi e outros. Roosevelt morreu subitamente em 12-4-1945 e Truman assumiu a presidência.
            Na hoje UFMG era professor Francisco Magalhães Gomes, que propunha o desenvolvimento da bomba atômica brasileira. Seu apelido de Chico Bomba Atômica, implica a tentativa, por parte de docentes e estudantes, de interpretar como ridícula sua pretensão.  Todos os que assim pensavam ficaram de riso amarelo quando ele traz, em 1955, nada menos que Robert Oppenheimer para apoio a seu laboratório. O professor Francisco, além disso, ajudou o papa a anistiar o ex-estudante de medicina Galileu Galilei, em 2000, ocasião em que eu o trouxe para falar no curso de História da Medicina. Se o professor Márcio Quintão não escreve afinal sua biografia eu a teria escrito, pois ele vinha sendo um dos notáveis homens e mulheres da UFMG ainda não biografados.
Percebe-se certo silêncio medroso em torno da estada entre nós do extraordinário cientista nuclear Oppenheimer, que, aliás, se apaixonou por nossa cachaça. Era uma época em que ele era vigiado pelos macartistas, acusado de comunista. Entre suas frases, a mais famosa é Tornei-me a morte, a destruidora de mundos, adotada por ele da bíblia hindu Bhagavad-Gita. Outra frase, esta dele mesmo: O gênio vê a resposta antes da pergunta.
            E Nepomuceno tem curiosa relação com o tema, pois um cidadão nepomucenense tem o nome de Franklin Delano Roosevelt de Almeida Antunes, em homenagem ao presidente ianque, prestada pelo cantor e técnico-eletricista Tarzan Almeida Antunes. Perguntei ao Tarzan, como brincadeira, se ele tinha autorização do FBI para colocar esse nome no filho. Ele respondeu que se meu pai me colocou o nome de Tarzan sem nenhuma permissão, achei que nada de mal ia me acontecer...


O AUTOR É PROFESSOR TITULAR DE CLÍNICA MÉDICA DA UFMG E CRIADOR DO CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA DE MG