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ANOS DA UFMG
João Amílcar Salgado
PRÉ-HISTÓRIA DA
UFMG
A
pré-história da UFMG pode ser demarcada pelas primeiras propostas de se criar
uma universidade no Brasil. A elite brasileira devia saber que as demais
colônias das Américas já possuíam universidades desde muito cedo: em São
Domingos (1538), Lima (1551), México (1551 e 1562), Havard (1636) e Bogotá
(1653). No Brasil, houve a proibição de cursos superiores, mas as escolas
jesuíticas burlaram o veto quando seu ensino chegou ao nível superior, ainda no
século 17, com diplomas da universidade lusa de Évora (1559). Nosso primeiro
seminário católico é o de São José, criado no Rio, em 1739. Em Minas, o
primeiro é o de Mariana, de 1750. Na
segunda metade do século 18, jovens médicos, advogados, sacerdotes e letrados
de várias áreas passaram a ser influenciados pelas ideias iluministas que
desaguaram na Revolução Francesa e na Independência dos EUA. Estas eram
reprimidas nas universidades europeias, mas as faculdades de medicina de
Edimburgo (Escócia), Montpellier (em território que viria a ser francês) e
Leiden (Holanda) não as reprimiam e até eram seus focos difusores. José Vieira Couto médico diamantinense
acompanhava de perto a modernidade de Leiden, Antônio Gonçalves Gomide, de
Piranga, estudou em Edimburgo, Faustino Azevedo, de São Gonçalo do Sapucaí,
estudou em Montpellier e foi um dos estudantes de medicina inconfidentes.
Outros destes também alunos em Montpellier, foram Joaquim Seixas Brandão, de
Vila Rica, Inácio Ferreira Câmara, de Mariana e Domingos Barbosa Lage, de Juiz
de Fora. Francisco de Melo Franco em vez de estudar medicina fora de Portugal
ficou na universidade de Coimbra e por suas divergências com o ensino vigente
retratou-a, em um poema, em 1784, não como instituição sábia, mas como O REINO
DA ESTUPIDEZ.
Na constituinte de 1823, incluiu-se a primeira
universidade brasileira. Foi inclusive proposta para ser localizada na cidade
de Caeté, a poucos quilômetros da futura UFMG. O constituinte Acaiaba de
Montezuma (médico negro baiano) defendeu que Minas merecia a instituição, por
ser a província mais culta e por sua localização central. Se tivesse sido de
fato criada, no início do século 19, Gomide teria sido seu organizador nos
moldes de Edimburgo, na época talvez a melhor universidade do mundo. Até o final desse século vários idealistas
lutaram em vão pela mesma iniciativa. Em vez disso foram criados cursos
oficiais não universitários de cirurgia em Minas (1801), em Salvador (1808), no
Rio (1808) e outros que não prosperaram ou que eram desautorizados. Em 1827
surgem as faculdades de direito (Olinda e São Paulo) e, em 1832, os cursos de
cirurgia de Salvador e do Rio são guindados a faculdades. Em Minas, em vez de
ocorrer o mesmo com o mais antigo desses cursos, ele foi substituído pela
Escola de Farmácia, em 1839. O ensino da engenharia no Brasil foi esboçado em
1792 como academia militar e se tornou faculdade civil em 1874. Em Minas,
apesar de sua gigantesca riqueza mineral, houve obstáculos para a criação de
uma faculdade politécnica de engenharia, como a citada do Rio e a de São Paulo
(1893), permitindo-se apenas uma Escola de Minas (monotécnica), em 1876. Houve
também obstáculos para criação da primeira faculdade de medicina mineira, que
foi criada apenas depois de ocorrer a cobiça pelo minério mineiro, decorrente
da divulgação das reservas em 1910. Tal divulgação causou quatro consequências
diretas: a mencionada escola de minas, a
faculdade de medicina (1911, hoje da UFMG), o prolongamento da ferrovia Central
do Brasil pelo sertão e a criação da companhia siderúrgica Belgo-Mineira - e
duas indiretas: a descoberta da doença de Chagas, em 1909, o maior feito da
ciência nacional, e a criação do Instituto do Radium.
As universidades de Manaus (hoje
Federal do Amazonas), em 1909, e a do Paraná (hoje Federal), em 1912, foram as
primeiras instituídas efetivamente no Brasil. A Universidade do Rio de Janeiro
(depois denominada Universidade do Brasil, hoje Federal do Rio de Janeiro) foi
instituída em 1920 pelo presidente Epitácio Pessoa e teria sido
providenciada para que o rei Alberto I
da Bélgica recebesse o título de doutor
honoris causa. O rei veio ao Rio
e a Minas em função da criação da referida companhia Belgo-Mineira, em 1921,
tendo sido fundado aqui também o sobredito Instituto do Radium (tecnologia
médica então monopólio belga), em 1922, este visitado por Marie e Irene Curie
em 1926 - e primeiro instituto do gênero
nas Américas. A propósito desses visitantes, devemos lembrar outros que por
Minas passaram ou para aí vieram e que completam, de certo modo, a pré-história
da UFMG, como o pacificador Antônio de Albuquerque, o misterioso Antonil, os
cirurgiões Luís Gomes Ferreira e Antônio Vieira Carvalho, os médicos Diogo
Correa do Vale e José Rodrigues de Abreu e ainda Auguste Saint-Hilaire, Guido
Marlière, Hermann Burmeister, Richard Burton e Peter Lund. Por outro lado, os
intelectuais ligados à Inconfidência, o arqueólogo Basílio Furtado, o polímata
Álvaro da Silveira, o inventor Santos Dumont, o descobridor Vital Brazil, os
eruditos clássicos de Sabará, Caeté, São João del-Rei, Campanha, Pouso Alegre, Baependi, Serro e Diamantina,
os docentes de farmácia e de engenharia da fase áurea de Ouro Preto, são, em
grande parte, fruto daquela universidade que existiu informalmente dentro das
paredes de muitos lares, peculiar às raízes judaicas de Minas O histórico das escolas superiores, que
vieram a ser reunidas na UFMG, está no livro MINAS GERAIS EM 1925 (1926),
editado por Victor Silveira. Cumpre sublinhar finalmente que Humberto Mauro, o
primeiro cineasta brasileiro, foi aluno da escola de engenharia.
FUNDAÇÃO DA UFMG
A
UFMG foi criada pelo governador Fernando de Melo Viana, em 1925 (Lei 895), mas
só foi instituída pelo governador Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, em 1927
(Lei 956), reunindo as quatro escolas superiores
privadas existentes em Belo Horizonte: Escola Livre de Direito, de 1892 e
transferida de Ouro Preto em 1898, a Escola Livre de Odontologia e Farmácia
(Odontologia de 1907, Farmácia de 1911), a Faculdade de Medicina de 1911, e a
Escola de Engenharia de 1911. A universidade, no início estadual, denominada
Universidade de Minas Gerais (UMG), foi federalizada em 1949 e desde 1965 é
denominada Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao lado de Antônio
Carlos Andrada, subscreveram a fundação os diretores das quatro escolas:
Francisco Mendes Pimentel (Direito, eleito a seguir o primeiro reitor), Hugo
Werneck (Medicina), Artur Guimarães (Engenharia) e Washington Ferreira Pires
(Odontologia e Farmácia). Participaram ainda Estêvão Pinto e Francisco Campos. Minas Gerais contou e
conta com excelentes historiadores e é paradoxal que o único livro sobre a
história de sua primeira universidade tenha sido escrito por um abnegado e
competente funcionário administrativo, Eduardo Affonso de Moraes – HISTÓRIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, de 1971. Quando se quis um livro crítico
sobre a instituição, o reitor Tomaz Santos foi buscar na Universidade de
Brasília um historiador, Fernando Correa Dias, que, embora ex-aluno da UFMG,
não pertencia a seus quadros. Dias escreveu o livro UFMG – PROJETO INTELECTUAL
E POLÍTICO, de 1997. Os estudos feitos posteriormente, em vez de complementos
sistemáticos e exaustivos, são apontados como falhos e até controversos, seja
quanto ao método, seja quanto à seriedade. Pedro Nava, que escreveu, em meio a
suas memórias, riquíssima história da UFMG, sugeriu que os fatos polêmicos do
início da instituição tenham amedrontado os historiadores mais sisudos. O
principal desses incidentes foi o assassinato do estudante de medicina Jose
Ferreira Viana, baleado pelo filho do primeiro reitor, em plena reunião do
Conselho Universitário. Outro episódio
foi o veto do arcebispo Antônio Cabral ao financiamento oferecido pela Fundação
Rockefeller à nascente universidade - e também o fator Vargas.
CONFLITO E MORTE EM 1930
A
UFMG foi fundada três anos antes da Revolução de 30. Um ano após a fundação, ou antes, o fundador
governador Antônio Carlos já se engajava nessa revolução. Ele próprio tinha
sido preterido para ser o novo presidente do país, sucedendo a Washington Luís,
quebrando-se a alternância São Paulo / Minas Gerais no poder central. Essa
alternância teria sido estabelecida pela BUCHA, termo corrente entre os
estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo no final do século 19. É a
corruptela de BURSCHENSCHAFT, designação de irmandade estudantil criada na
Universidade de Iena, em 1815, em prol da unificação alemã. A burschenschaft brasileira lutava pela
república e vários de seus integrantes eram parentes entre si, por troncos
bandeirantes comuns a São Paulo e Minas Gerais. O ex-bucheiro Antônio Carlos
passa a líder antibucha. Os estudantes apoiaram a revolução e obtiveram a
abolição dos exames do final de 1930 (um dos que foram dispensados do exame foi
o formando João Guimarães Rosa, por sinal orador da turma). O reitor Mendes
Pimentel não quis subscrever a abolição e alegou a autonomia universitária. A
reunião do Conselho Universitário, em 18 de novembro, que iria oficializar a
negativa, foi tumultuada por estudantes e o filho do reitor assassinou um dos
ativistas. Mendes Pimentel renunciou ao cargo e se afastou da universidade, mas
escreveu o livreto O CONFLITO DE 18 DE NOVEMBRO NA UNIVERSIDADE DE MINAS GERAIS
(1931).
OS FORMANDOS NAVA, JK E ROSA
O
ano de 1927, da fundação da atual UFMG, coincidiu ser o da formatura em medicina
da turma de Juscelino Kubitscheck (JK), o maior governante brasileiro, e Pedro
Nava, o maior memorialista lusófono. Três anos depois se diplomaria outro
médico, João Guimarães Rosa, o mais original escritor do mesmo idioma. No caso
de JK e Nava, ocorreu a mudança do orador da turma que se esperava ser Nava. JK
antecipou aí sua futura habilidade política. O diretor da Faculdade era o
severíssimo Hugo Werneck, que, após um incidente na Santa Casa, expulsara Pedro
Nava do hospital (então hospital-escola da UFMG) e só não o expulsou da
Faculdade por apelo de Carlos Pinheiro Chagas e Lucas Machado. Na formatura era
inevitável a presença do diretor Hugo. Se Nava fosse o orador, ele fatalmente
incendiaria a solenidade, com consequência imprevisível. JK então articulou eleger Odilon Behrens no
lugar do decepcionadíssimo Nava. Imediatamente lhe disseram que a ele estava
reservado algo mais alto. Iriam a palácio agradecer ao governador a criação da
Universidade naquele ano, fazendo deles primogênitos da instituição. E para tão
excepcional ocasião o orador só poderia ser Nava. Já na formatura de Rosa houve
também hábil arranjo para que o orador não incendiasse a festa em função do
citado incidente no Conselho Universitário, 20 dias antes. Assim, o orador Rosa
e o paraninfo Samuel Libânio discursaram como se nada tivesse acontecido,
omitindo totalmente o terrível acontecimento.
O VETO DO ARCEBISPO
O
sergipano Antônio de Santos Cabral, arcebispo de Belo Horizonte desde 1924,
chegou da diocese de Natal, RN, onde enfrentara carências, e se entusiasmou ao
encontrar católicos fervorosos e generosos na elite econômica de Minas. Disso se valeu para crescente aquisição
imobiliária em favor da arquidiocese. Em contrapartida se alarmou com o
prestígio crescente dos educandários protestantes de Lavras, Juiz de Fora e da
Capital, o qual desafiava o prestígio antes conquistado pelos educandários
católicos do Estado. Esta preocupação era exacerbada
por outra ameaça, representada pela educação pública reformada por Antônio
Carlos, em favor da chamada ESCOLA NOVA, ainda mais com a forte influência da
educadora Helena Antipoff, emigrada da Rússia. A determinação do arcebispo
chegou à violência, quando fez com que fosse demolida a Igreja Metodista (hoje
Edifício Acaiaca), para que deixasse de ficar defronte à Igreja São José. Fundada
a UFMG, pelo mesmo Antônio Carlos, o arcebispo tratou de usar docentes
fervorosos para que a universidade, mesmo pública, viesse a ser virtualmente
católica. Três docentes-chaves podem ser lembrados, entre outros, como
porta-vozes intramurais da Igreja: Hugo Werneck (medicina), Francisco Magalhães
Gomes (engenharia) e Antônio de Melo Cançado (direito). Quando a Fundação
Rockefeller fez a oferta de milhares de dólares para transformar a UFMG na melhor
universidade do Brasil, Cabral e seus companheiros de fé não tiveram dúvida:
era a conspiração protestante contra a mais católica província brasileira que
estava culminando, a peso de dólares. Os ianques ficaram estarrecidos com o
veto comandado pelo religioso e não tiveram dúvida: redirecionaram os dólares
para a Universidade de São Paulo, fundada em 1934.
O FATOR VARGAS
A universidade principiante, além de
ficar sem os dólares, passou a penar sob manifestações negativas do governo
federal. O novo poder começou em 24 de outubro por meio de uma junta militar
provisória, que o passou a Getúlio Vargas em 3 de novembro. Vargas deve ter tomado conhecimento da morte
do estudante de medicina em Minas. A nova universidade fundada pelo mais
importante aliado de Vargas deveria beneficiar-se do novo governo, mas o
posicionamento do Conselho Universitário, contrário aos estudantes partidários
da revolução, fez dela instituição hostil. Ao mesmo tempo, Vargas passou a
fazer jogo duplo com os intelectuais que cercavam Antônio Carlos considerados
brilhantes, mas vistos como insubmissos e contaminados por indisfarçáveis
ambições diante do novo poder. Resultou um clima de ciúmes e intrigas, segundo
alguns, semeados principalmente por Francisco Campos e Washington Pires. Com
isso Vargas os dispersou com tarefas que pareciam nobilitantes mas eram exílios
virtuais. São eles os advogados (além de Campos) Gustavo Capanema, Virgílio de
Melo Franco e Francisco Negrão de Lima, o médico Carlos Pinheiro Chagas, outros
profissionais liberais e alguns políticos veteranos.
A relação
entre Vargas e Minas foi desde cedo ambivalente, a começar, quando, ainda
menino, estudou em Ouro Preto. Nessa época ele (ou seu irmão) assassinou um
colega, de importante família. Fugiu da cidade, se escondeu numa fazenda em
Lavras e voltou para seu Estado. Parece ter passado a vida a temer a vingança. Aparentemente
via em qualquer desafeto mineiro ou paulista eventual agente do revide. Daí sua
dificuldade em confiar em auxiliares que lhe eram sugeridos, o que explica ter
inventado a figura desconhecida de Benedito Valadares, mesmo assim com a
garantia de que se fizesse meio gaúcho, depois de casado com Odete Dorneles,
prima dos Vargas. Com a fidelidade canina de Benedito, se livrou daqueles
insistentes candidatos ao governo. Assim, a universidade iniciante passou a ter
suas dificuldades agravadas, mais ainda quando Washington Pires, outro fiel
comandado, passou a ministro da educação e saúde, em 1932. Pires, filho do
pioneiro mundial no uso interiorano do raio-x, o formiguense José Carlos Pires,
aproveitou o conflito constitucionalista para impressionar Getúlio, que o fez
ministro. Nesta condição passou a alarmar seu chefe contra professores e
estudantes constitucionalistas. Embora sendo
um dos fundadores da universidade, acabou sendo sabotador desta, na ânsia de
bajular o caudilho. O decreto 22579 (27/3/33), que, em vez de redentor,
garroteia o ensino superior e sufoca sua autonomia, é assinado por Getúlio e
Pires.
Curiosamente
Valadares poderia ter tido carinho especial pela jovem universidade. Antes de
ser advogado formou-se no curso de odontologia que existiu na faculdade de
medicina e que diplomou apenas a sua turma. Este fato é referido por seu colega
de turma, o cronista e censor Moacir Andrade, no livro DEPOIMENTO DE UM
DENTISTA FRUSTRADO (1955). Foi, contudo,
como advogado que Benedito esteve no Túnel da Mantiqueira em arranjo de seu
primo Francisco Campos. Ali conheceu seu futuro cunhado Ernesto Dorneles e
outros que constituíram a chamada CONTRABUCHA PASSAQUATRENSE, grupo que, a
partir dali, se organizou para assumir o poder. Dois se tornaram presidentes:
Eurico Dutra e Juscelino Kubistschek (JK). Quatro governaram estados: Ernesto
Dorneles, o Rio Grande do Sul, Benedito Valadares, Minas Gerais, Zacarias
Assunção, o Pará, e o próprio JK, também Minas Gerais. Dois se tornaram
reitores da Universidade de Minas Gerais: Otaviano de Almeida (este duas vezes)
e Pedro Paulo Penido. Almeida fez o contraponto de Washington Pires,
por meio de melhores relações com Vargas, deixando um livreto: A PROPÓSITO DO “CASO DA UNIVERSIDADE” (1934).
O PIVÔ BAETA VIANA
Durante
e após o movimento de 1930, dois docentes da recém-criada universidade teriam
papel extraordinário: Carlos Pinheiro Chagas e Baeta Viana. Carlos Chagas,
graças à descoberta da doença que traz seu nome, usou de seu prestígio junto à
já referida Fundação Rockefeller para encaminhar seu primo, o médico
patologista Carlos Pinheiro, e o amigo dileto deste, o médico bioquímico Baeta
Viana, aos EUA. Até então o destino de jovens promissores era a Europa e o
estágio destes retrata a guinada então iniciada pró-EUA. A revolução em
andamento não escondia tal guinada. Carlos Pinheiro Chagas foi o orador no
funeral de João Pessoa, rastilho revolucionário. Por duas décadas, em qualquer torneio de oratória
nas faculdades de direito, os disputantes sabiam recitar sua alocução, com seu
admirável final: Agora, senhores, podereis levar o seu corpo para a morada derradeira,
mas atendei: um homem como ele deveria ser enterrado de pé como sempre viveu,
de pé, como não vivem muitos dos seus algozes, de pé como quis ser enterrado
Clemenceau, com o coração acima do estômago e com a cabeça acima do coração. Infelizmente
faleceu logo depois.
Enquanto
isso, Baeta Viana conflagrou os estudantes em prol dos constitucionalistas e veio
a ordem governamental para esmagá-los. Foram salvos exatamente pela heroica
ação pacificadora do médico do comando da polícia, exatamente o sobredito
Otaviano de Almeida. Esta foi a principal razão para que este fosse a seguir eleito
reitor por duas vezes, afastando a influência infeliz de Washington Pires.
Viana prosseguiu em oposição a Vargas, com repercussão além de Minas, a ponto
de se tornar reitor da Universidade do Distrito Federal. Esta foi criada em
1935, pelo prefeito eleito do Distrito
Federal, o recifense médico Pedro Ernesto Rego Batista, com a assessoria
pedagógica do baiano Anísio Teixeira, e reuniu rara seleção de notáveis de todo o país, em quase
todos os ramos do saber. É fácil deduzir que a promissora universidade fosse fechada
pelo golpe de estado de 1937. Baeta Viana prosseguiu na oposição em pleno
Estado Novo e foi um dos inspiradores, embora sem assiná-lo, do Manifesto dos
Mineiros, de 24/10/1943, início do fim da ditadura Vargas. E houve um episódio
final de seu confronto com o ditador, quando da inauguração do Hospital da
Baleia em Belo Horizonte, em 4/7/44. Os getulistas, supondo que no discurso de
inauguração da então melhor edificação hospitalar do país, Baeta Viana provocaria
a queda final de Vargas, fizeram com que este viesse a Minas para uma exposição
pecuária. No momento da inauguração do hospital, Viana é surpreendido pela
presença de Valadares e Vargas, e a única hostilidade acontecida foi que o
cientista negou estender a mão ao ditador.
Um
dos docentes da Universidade de Minas Gerais era primo de Valadares: o notável
professor Osvaldo de Melo Campos, descobridor do escorpião amarelo. Compreensivelmente,
era desafeto de Baeta Viana e sugeriu ao Benedito que a melhor maneira de
enfrentar o Baeta seria trazer um cientista de igual brilho para fazer-lhe
sombra. A ideia era boa, mas não deu certo, pois, depois de procurarem por toda
a parte, trouxeram, em 1942, o farmacologista fluminense Santiago Americano
Freire, que, ao contrário, tratou o outro até com certa reverência.
Baeta
Viana teve o mérito de impor o prestígio da UFMG ao meio universitário
paulista, quando discípulos seus fundaram a Escola Paulista de Medicina, hoje universidade,
e assumiram o ensino e a pesquisa de bioquímica na Universidade de São Paulo
(na Capital e em Ribeirão Preto). Seus discípulos se projetaram
internacionalmente culminando com a bradicinina, descoberta por Wilson Beraldo,
com o captopril, desenvolvido por discípulos de Carlos Diniz, e com a primeira
fabricação da insulina no Hemisfério Sul, por Marcos de Mares Guia. Baeta equivocou-se,
porém, com o veto ao Prêmio Nobel a Josué de Castro. Outro equívoco seu foi a
respeito do projeto nuclear brasileiro: a UFMG estudaria o plutônio capixaba e
a USP o urânio de Poços de Caldas. Por
causa disso, polemizou com Francisco Magalhães Gomes e a vantagem foi deste: para
surpresa de Baeta, Francisco trouxe a esta Universidade, em 1948, ninguém menos
do que Robert Oppenheimer, que, na ocasião, estava acossado pelo macartismo. Baeta,
que enfrentara a ditadura Vargas, mais tarde desafiou o golpe de 1964. Viajou a
São Paulo, onde conseguiu dar fuga a dois discípulos marcados para morrer:
Sebastião Baeta Henriques e Olga Bohomoletz. Feliz por consegui-lo, voltou ao
hotel e aí faleceu, em 1965.
SANTIAGO AMERICANO & ALUÍSIO PIMENTA
Santiago não deixou de marcar sua passagem pela
UFMG: 1) revolucionou o ensino da
farmacologia por meio do livro de Goodman & Gilman, e ainda trouxe este
último em visita memorável; 2) por sua ligação pessoal com Albert Hofmann,
descobridor do LSD, foi primeiro em experimentos com o fármaco; 3) foi acusado
de sequestrar o pintor Guignard para tais experimentos; 4) levou o reitor
Aluisio Pimenta, também farmacólogo, a publicar sua alegada descoberta de que a
Última Ceia de DaVinci era mensagem astronômica cifrada. Tais fatos são
narrados em meu livro O RISO DOURADO DA
VILA (2013). A publicação excessivamente luxuosa do livro de Santiago teria
sido um dos motivos alegados, a
posteriori, para a deposição de Aluísio da reitoria pelo golpe de 1964.
Outra alegação foi o convite feito a Darcy Ribeiro (ministro do Gabinete Civil
de Jango) para a aula magna de abertura do ano letivo de 64. O grupo
paramilitar do golpe teria planejado matar Darcy em plena aula na Faculdade de
Ciências Econômicas. Aluísio foi deposto e substituído por um mero coronel. Foi
logo reempossado por ordem do ditador Castelo, mas foi cassado de fato pelo AI5,
em 1968. Na história da UFMG houve então um momento em que seu reitor foi um
coronel academicamente desqualificado. Aluísio
Pimenta estava a caminho de ser um grande reitor e sua maior obra seria
realizar aquilo que estava apalavrado com Carlos Diniz: criar o campus
sulmineiro da UFMG. Nele seria reunida a fina flor da ciência e do saber
nacional, somados a convidados internacionais. Com o golpe, isso ficou de lado,
mas a proposta foi aproveitada por colegas paulistas de Diniz e dela surgiu a UNICAMP,
em 1966.
O LUGAR DA UFMG
A
UFMG, como seu nome inicial indicava, poderia estar presente em toda Minas
Gerais. No preparo do governo nacional de Tancredo Neves e mesmo durante seu
governo estadual, um grupo de estudiosos dos problemas de educação e saúde
finalizou a proposta de fazer de Minas o maior complexo de ensino superior
federal do Brasil, enquanto São Paulo já possuía o maior complexo de ensino
superior estadual. Nessa altura não se propunha a multiplicação de campi da UFMG, mas a utilização da
experiencia e demais recursos desta para aquele fim. Governos subsequentes
retomaram a proposta, inclusive no plano nacional, mas com distorções,
improvisações e resultado caótico. Entre
as análises feitas, ficou claro como a própria UFMG, desde cedo, não soube
estabelecer uma política de ocupação de espaços urbanos e rurais na Capital e
no interior.
Na Capital planejada, foi previsto o campus universitário
(hoje bairro Santo Agostinho). Consta que o fundador Antônio Carlos se deslocou
ao alto onde seria a reitoria (hoje Assembléia) para se assegurar que esta não
ficasse acima do palácio, do contrário seria mau precedente. Antes da reunião
das faculdades na universidade, estas já ocupavam áreas valiosas. A da medicina
foi, esta sim, um mau precedente, pois resultou da amputação de enorme parte do
parque municipal. Este avançava até a
praça Hugo Werneck e atravessava o rio Arrudas. Assim como a medicina grilou o
parque, sua área foi grilada pelas instituições em seu redor, culminando que a
área esportiva de seus alunos foi inicialmente estádio de futebol, depois foi
indevidamente vendida a uma rede de supermercados. A demolição dos prédios
históricos das faculdades de medicina e direito foi criminosa. Na plataforma
eleitoral do reitor Cid Veloso estava prevista a proibição de venda ou
transferência de próprios do centro. O próprio Cid participara do impedimento
de demolição do prédio do Instituto do Radium e atuou na incorporação do antigo
Instituo Agronomico à UFMG. Mesmo assim a área deste, antes e depois, foi
grandemente amputada. Previa-se a
criação do espaço Pedro Nava, um calçadão nas avenidas Alfredo Balena e Pasteur,
incluindo a alameda Ezequiel Dias. Seria proibida também a alienação dos lotes
ainda existentes no campus Santo Agostinho.
Já a área original do campus da Pampulha, que devia
chegar à lagoa, foi também criminosamente amputada. A avenida chamada
ironicamente Antônio Carlos não poderia seccionar a área. O mesmo se deve dizer
da avenida Catalão. E várias
instituições, inclusive militares, em adição a ocupantes privados, vieram
diminuindo suas dimensões. O arbítrio mais escandaloso foi a edificação do
Mineirão. Jorge Carone e Magalhães Pinto disputaram dar nome ao estádio e
deviam, ao contrário, envergonhar-se do terrível mal-feito. Mesmo propriedades
fora da Capital, como o campus regional de Montes Claros e a fazenda experimental
de Igarapé vêm sendo ameaçados de fechamento ou alienação.
Em 1978, entretanto, a UFMG criou o internato rural
obrigatório na graduação, inicialmente no curso médico, mas estendendo-se por
vários cursos. Era a presença da instituição por toda a Minas, propositalmente
nos lugares mais carentes. Chegou a ocupar uma área equivalente à soma de
Pernambuco e Sergipe. Esta experiencia inovadora foi imitada por outras instituições
superiores e quase foi adotada no Canadá. Infelizmente, a partir de 1985, foi
distorcida, sendo mantida nominalmente, em virtude do prestígio que a
acompanha.
A UFMG PARALELA
Outra proposta que não se concretizou foi a criação de um
setor da universidade encarregado de trazer para dentro de seus muros todas
aquelas figuras que absurdamente não pertenciam a universidade alguma. Ou seja,
o conjunto dessas figuras constituem um corpo docente extramural, de igual ou
maior qualificação que o corpo docente intramural. Essa ideia decorreu do
conceito de aprendizagem paralela ou clandestina, muito bem ilustrada pela
docência extramural exercida pelo notável cirurgião Wilson Abrantes e pelo
título de doutor honoris causa ao
bispo Tutu. Um dos entusiastas dela foi o professor João Batista Peret, que,
por sinal, fora uma espécie de representante informal da UFMG em Paris, na
agitação estudantil de maio de 1968. Quando faleceu precocemente, ele estava
com a lista inicial dos componentes da UFMG PARALELA, que incluía gente de
Minas, do Brasil e do mundo. Outro entusiasta desta proposta foi o notável
professor José Nilo Tavares.
O FINANCIAMENTO DA UFMG
Se
o governador temeu que a reitoria ficasse acima do palácio, todos os poderosos
da história julgaram prudente negar salários justos aos professores. Quando se
iniciou o ensino superior no Império, o catedrático tinha por lei o salário
equiparado ao de um desembargador, paridade logo esquecida. Fundar uma
universidade é fácil, difícil é custeá-la. Enquanto não se resolve esta
dificuldade é melhor debater se ela é estadual, federal ou privada – foi o que
aconteceu com a jovem UFMG. Se o arcebispo Cabral vetou a Rockefeller ele
poderia ter indicado a Caritas Alemã ou a Opus-Dei para financiadora
substituta. Por sinal a alemã Mannesmann (acusada de crimes nazistas) é que
veio em 1952 para Belo Horizonte e, a troco de porções de ajuda financeira, passou
a fazer ingerências na Escola de Engenharia. Outro exemplo é a indústria suíça
Roche que financiou completo laboratório de animais experimentais, para ensaios
de seus produtos, no prédio da Fafich da rua Carangola. Desde seu início, os
departamentos de pediatria das universidades, inclusive da UFMG, foram
promíscuos com a Nestlé, outra indústria suíça.
Em 1954, a própria Rockefeller financiou a construção dos laboratórios
do futuro Instituto de Ciências Biológicas e também o primeiro bloco do
Hospital das Clínicas – tudo isso era gerenciado com mão de ferro por Robert
Briggs Watson, cujo mandonismo se estendia a São Paulo e a Ribeirão Preto. Ele
determinou que as instalações financiadas se destinassem a apenas 60 alunos
admitidos por ano e exigiu que as vagas no vestibular fossem reduzidas, no
máximo, a este número. A congregação da medicina aceitou passivamente tudo
isso, do contrário o financiamento seria desfeito, como ocorreu no Rio. O autor
da presente resenha foi vestibulando ao primeiro vestibular rockefelleriano.
Mais tarde, sua tese de doutorado, RELAÇÃO ENTRE REALIDADE DE SAÚDE E ENSINO
MÉDICO (1981) veio a ser o primeiro estudo do impacto do consumismo no ensino
superior e do uso do ensino como marketing consumista.
Sobre os organismos que atuaram
significativamente na UFMG devem ser salientados a fundação Rockefeller (que
depois passou seu papel para a fundação Kellogg), a fundação Ford, que, depois
de formular uma doutrina preventivista em saúde, se dedicou a criar os
departamentos de Ciência Política em vários países, o Banco Mundial, que criou,
via Fundação Getúlio Vargas, equipes de doutrinadores em favor da privatização
das universidades públicas, e a faculdade Johns Hopkins, que, via BENFAM (Sociedade
Bem Estar Familiar), financiou ações de controle populacional (auxiliados pela
Rockefeller, encarregada de formar demógrafos nas faculdades de Ciências
Econômicas). Entre estas ações, ocorreu o escândalo Dalkon Shield, sendo que as
vítimas brasileiras não foram indenizadas.
Estas
e outras informações foram levados em conta na citada proposta do frustrado
governo federal de Tancredo, que propunha a remuneração em dedicação exclusiva
de todos os docentes, no valor de 150% da remuneração em tempo parcial, estando
esta previamente elevada. Ainda mais: o
regime de tempo parcial passaria a ser a exceção, no sistema educacional
público. A má remuneração do tempo parcial antes induzira a busca pela
complementação privada, agravando a degradação do ensino. Isso chegou a ponto
de que, quando circulou a notícia da remuneração condigna, verificou-se pânico
no sistema privado, que parasitava a má remuneração pública. Vale lembrar que a
UFMG foi pioneira no Brasil no tempo integral.
A
universidade pública é suspeitamente incapaz de demandar a si própria, ou seja,
não consegue usufruir de sua potencialidade.
Ao mesmo tempo, é predada por interesses externos. Exemplo: a equipe do
Centro de Memória da Medicina comunicou à reitora que já estava em contato com
a faculdade de Arquitetura para que esta estudasse uma adequação do espaço do
Centro. A reitora respondeu que tinha uma verba sobrando e pagaria a um seu
amigo, que era arquiteto de renome, para se encarregar daquilo. Quando houve a
expansão da pós-graduação, o pró-reitor disse que tinha de cuidar da saúde dos
pós-graduandos e para isso adiantara entendimentos com um plano de saúde
privado. Estava alegre, porque conseguira a promessa de preço camarada. O
diretor do hospital das clinicas então perguntou por que este não poderia ficar
com a tarefa. Ouviu que o ministério já disponibilizara verba especificada para
pagar planos privados.
Se o modelo humboldtiano de universidade
exige a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, as universidades passaram a
dispor de pró-reitorias de pesquisa, que logo ficaram inúteis, pois a pesquisa
se dissociou não só do ensino, mas até da universidade. E foi alojar-se no
CNPq, na CAPES, na FINEP e até num ministério específico. As exigências dessas
e de outras agências para as condições de pesquisa violam a autonomia universitária.
Isso acontece com plena aquiescência e risível aplauso dos que a deviam
defender e preservar. Ao longo do tempo, os financiadores.se desdobraram em
espécie e número, constituindo hoje uma sopa de siglas. Somam todo tipo de
empresa e inúmeros organismos governamentais do país (FUNDEP, NESCON, ABRASCO,
NUPAD, MANUELZÃO, COOPMED, FCO, FUMP, IPEAD, FAPB, FEPE, BIOBRÁS, BIORIO, SEED,
FGV, CEBRAP, FUNAI, FUNASA, FIOCRUZ, COPPE, OPAS, OMS, ONU, UNESCO, CODEMIG,
FUNED, FAPEMIG, FAPESP E OUTRAS FAPS, INCUBADORAS, bem como entidades de partidos políticos, de
instituições financeiras e de empresas estatais) ou de outro país (NASA, NIH,
British Council, Instituto Pasteur, Fundações Rockefeller, Kellogg e Ford, Deutsche Forschungsgemeinschaft, Conselho
Internacional de Ciência).
A
Comissão do Vestibular da UFMG, em seu início, ilustra como foram sendo
esboçados os embriões de CAIXA-2 das universidades públicas. As finanças da
comissão passaram a ser ignoradas pela administração universitária, enquanto
seus membros passaram a ser permanentes, ou seja, um desenvolto nicho de poder
intramural. Não demorou muito e em 1974
foi criada a FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA (FUNDEP) e a justificativa
para a novidade era proporcionar agilidade e competitividade na captação de
recursos junto às agências de fomento, nomeadamente administrar convênios,
repasses de verbas de qualquer origem, acordos, contratos e auxílios, provindos
de parceiros externos. No mesmo ano foi criada a Fundação Christiano Ottoni
para a engenharia. Já a Fundação Mendes Pimentel passou de associação criada em
1929 para fundação em 1973, enquanto a Fundação IPEAD (Instituto de Pesquisas
Econômicas, Administrativas e Contábeis) passou de instituto criado em 1948 a
fundação em 2003. Logo se proliferaram
tais fundações “de apoio”, consideradas um “jeitinho” cômodo para os reitores,
hoje reunidas na CONFIES (Conselho Nacional das Fundações de Apoio às
Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica). E outros modelos de caixa-2,
como cooperativa de consumo, cooperativa editora e até cooperativa de crédito
surgiram. No Rio a comissão do vestibular se agigantou no CESGRANRIO (Centro de
Seleção de Candidatos ao Ensino Superior do Grande Rio, 1971) e em São Paulo na
FUVEST (Fundação Universitária para o Vestibular, 1976). Tudo isso faz parte do
fenômeno maior de despudorada mercantilização da educação e da saúde, ambas ora
degradadas ao infinito.
TRADIÇÃO ESTUDANTIL DA UFMG
O índio brasileiro não castiga seu filho,
tende a educá-lo pelo ridículo, ou seja, o filho teme mais a chacota que a
palmada. Quando os lusos chegaram com a palmatória, ainda mais com a repressão
medieval ao risinho e à gargalhada, restou aos descendentes dos índios o riso
extracurricular, tradição especialmente em Ouro Preto e na UFMG. Infelizmente a
memória desse riso não tem sido cuidada, inclusive a biografia de excelentes
professores, alunos e funcionários humoristas. A tradição estudantil mineira
sempre ligou o riso à irreverência. Há um nexo entre Francisco Melo Franco, os
ativistas estudantis da Inconfidência, as repúblicas de Ouro Preto e Belo
Horizonte, o apelidário de colegas e docentes e o teatro satírico.
O
ativismo político estudantil iluminista se prolongou ao longo dos séculos. Na
1ª guerra mundial, os estudantes invadiram o colégio Arnaldo por suspeita de
que os padres alemães estavam a serviço da Alemanha. Em 1920 aparece o 1º dos 6
números do tabloide estudantil RADIUM Em 1932, os estudantes se entrincheiraram
na atual avenida Alfredo Balena, no supracitado apoio aos constitucionalistas.
Em 1946, os formando de medicina homenagearam o candidato presidencial Eduardo Gomes, em comemoração à queda do
Estado Novo. No dia 3-5-1968 os estudantes desafiaram o golpe de 1964 e invadiram
a faculdade de medicina. Este foi raro episódio em que o Brasil não imitou o 1º
mundo, pois se deu no mesmo dia da invasão da Sorbonne por estudantes
franceses. Para que a repressão iminente não massacrasse os estudantes,
posicionaram-se entre estes três notáveis docentes: Amílcar Viana Martins,
Carlos Ribeiro Diniz e José de Noronha Peres, enquanto os dirigentes se omitiam
e o diretor da faculdade ordenava a desocupação pela violência. Este episódio
coloca a UFMG em posição de honra, entre os acontecimentos mundiais que caracterizaram
a agitação estudantil, em 1968: movimento, nos EUA e no resto do mundo, contra
a guerra do Vietnã, a primavera de Praga em 5-1-1968, a luta pelos direitos
civis dos negros , que culminou com a morte de Luther King em 4-4-1968, o massacre de Tlatelolco no
México, em 2-10-1968, o congresso clandestino da UNE em Ibiuna, em 13-10-1968,
e outros. Quase uma década após, a UFMG
foi escolhida pela UNE para seu congresso e, em 4-7-1977, o campus da saúde foi
cercado com a prisão de todos os estudantes. Nesta ditadura, de 64 a 84, muitos
estudantes e docentes foram perseguidos, torturados e mortos, valendo lembrar,
em nome de todos, o de Dôra (Maria Auxiliadora Lara Barcelos), levada ao
suicídio no exílio.
Nas
lutas mais importantes dos estudantes eles foram apoiados pela parte mais
significativa dos docentes e dos funcionários. Nada melhor para ilustrar essa
aliança do que a eleição, por voto paritário de docentes, estudantes e
funcionários, do reitor Cid Veloso em 1985. Essa eleição paritária, única na
universidade brasileira, teve sua paridade logo desfeita por poderosos
interesses conservadores, sob a alegação de que era excessivamente democrática.
Texto comemorativo dos 90 anos da UFMG,
em 2017. O autor é professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal
de Minas Gerais e criador do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais