ZULMIRA
VILELA TEIXEIRA
SACERDOTISA NA
ARTE, NO HUMOR E NA ESPIRITUALIDADE
João Amílcar
Salgado
Minha
primeira lembrança da Zulmira foi quando minha prima apareceu vestida de caipira
no palco do teatrinho do Socônego. Era uma linda caipirinha que além de fazer a
plateia gargalhar, no final, deixou todos enlevados, quando, com sua doce voz, cantou
ROSA DE MAIO e LA LONGE NO SUL.
Com a inauguração do ginásio, ela
veio morar em nossa casa. Ela encheu de alegria nosso dia-a-dia, apesar de ter
febre-tifo, que logo superou com a medicação de meu pai. Perguntei que mais se
lembrava de nossa casa e ela disse que de nossa comida: tudo era gostoso e
farto, cada vez uma coisa diferente e principalmente havia muita fruta e doces
deliciosos de sobremesa. Enquanto na sua casa a tia Licínia obrigava as
crianças a arrumar a casa, na nossa havia duas empregadas para arrumar tudo,
enquanto a dona ficava lendo romances.
A Zulmira começou a incendiar os
corações da rapaziada. O mais apaixonado por ela foi o Nassif. Ele era balconista na loja do cunhado Zé
Sebastião e em vez de atender os fregueses ficava na porta esperando que a
Zulmira chegasse ao alpendre. Ele me cercou e perguntou: você pode dar um
recado pra sua prima? Eu disse que daria. E ele: diga que eu mandei dizer que
ela é um anjo. Dei o recado e ela respondeu: diga a ele um muito obrigado, mas
minha paixão é o Sinhô (o galã da Vila, filho do Afonso Felicori). O Nassif
ficou deprimido e ainda foi demitido por desatenção ao serviço. Todavia se transformou
num bancário de primeira linha.
A Zulmira, filha do casal José Teixeira
da Silva e Licínia Alves Vilela, se casou com o Rui, filho do casal formado
pelo agente postal Soliveira (Antônio Peixoto) e de Alaíde Oliveira, exímia na
confecção de pasteis inefáveis. Ela e o Rui tiveram os filhos Terezinha, Cleuza,
Marize, Nelson, Evaldo e José Antônio, todos com notável inclinação pela música.
Atribuo esse talento ao DNA da família Peixoto, toda musical, cujo maior astro
é o inigualável Cauby. Inesquecível para mim ficou a voz celestial da Marize,
que quando cantava parecia seguir um repertório evocado por mim. Já o talento
do Rui era de radialista. Se tivesse seguido para um grande centro, teria sido
nome nacional como animador de auditório. Isso o fez boêmio, obrigando a
Zulmira a se fazer guerreira, na luta pelo bom encaminhamento dos filhos. Numa
segunda união, a Zulmira teve a sorte de encontrar o Francisco Batista, raro
exemplar de bondade e de romantismo.
Quando desenvolveu seus dotes mediúnicos,
a Zulmira surpreendeu-se a si mesma. Viu-se com extraordinária capacidade de
conciliar diversas correntes espiritualístas, sem se submeter a qualquer delas,
exceto a seu pendor espontâneo. E logo descobriu um meio de colocá-lo a serviço
de muitos. Desenvolveu uma prática específica
para tratamento dos mais variados problemas mentais. Sua capacidade passou a
ser testada até nos casos mais graves de distúrbios psicológicos e
psiquiátricos. Acabou fazendo demonstrações terapêuticas até na Suíça.
No programa de intercâmbio com
estudantes estrangeiros da UFMG, vieram três estudantes de medicina francesas
que trouxeram notícia do Chico Xavier e quiseram vê-lo. Em vez de levá-las a
ele em Uberaba, levei-as à Zulmira, que as conquistou de pronto com uma bandeja
de pão de queijo. Meia hora depois, elas estavam lá na cozinha recebendo uma
aula prática de como manipular a iguaria mineira. A seguir, na Clínica Boa
Esperança, do psiquiatra Armando Leite Naves, a família de um jovem em grave
agitação autorizou que o atendimento da Zulmira fosse presenciado pelas
francesas e por mim. A rapidez com que a agitação foi transformada em mansuetude
nos deixou boquiabertos. O mais impressionante foi que, para isso, a Zulmira
recebeu o espírito da mãe do paciente, estando esta bem viva lá na sua
residência.
Participei de outro episódio igualmente
admirável. A Zulmira pediu que levasse meus meninos para saborearem o pão de
queijo que já estava no forno. Quando chegamos, ela atendia alguém numa
emergência. Seu trabalho era receber urgentemente o espírito do Joaquim. Este veio, mas não foi reconhecido pela
consulente. Era porque a Zulmira supôs tratar-se do Joaquim do tio Lela, na
época auxiliar na farmácia do Spencer. Corrigido o engano, o caso foi
resolvido, mas não para mim. Deixei os meninos ali e fui rápido para a
farmácia. Lá estava o Joaquim atendendo alguém. Perguntei ao Spencer que
sucedera ao Joaquim meia hora atrás. Ele respondeu com outra pergunta: “como
você soube?, achei estranho, ele estava fazendo algo, sentiu-se meio zonzo e
sentou-se ali”. Estava confirmado então que o espírito do Joaquim o deixara,
para breve visita até a casa da Zulmira.
Diante disso, dei à Zulmira uma tarefa
de historiadora. Pedi que recebesse o espírito do Padre Vítor e lhe perguntasse
se o Milton Nascimento era a reencarnação dele. Isso seria incluído em meu
livro O RISO DOURADO DA VILA. A resposta veio positiva, mas um tanto evasiva.
Anos depois estávamos na fazenda da Jaguara e meu grande amigo e colega Ajax
fotografou a igreja local. Na foto apareceu inexplicavelmente um senhor vestido
de bandeirante sentado na soleira. Pensei: só pode ser o espírito do Borba
Gato. Pedi à Zulmira que recebesse a alma deste, para que ele próprio
confirmasse minha hipótese. Ela se
recusou, alegando que eu não acreditava naquilo e estava apenas fazendo
literatura. Confessei que sim e pedi desculpas. Dois dias depois, ela sonhou
com o Borba Gato e este então lhe disse que a foto não era dele, mas do homem
que ele matou naquele lugar, chamado Rodrigo Castelo Branco.
Afinal, não posso deixar de mencionar
o caso da própria Zulmira. Ela foi acometida de forma grave da síndrome de
Guillain-Barré e fiquei consternado com sua ampla paralisia. Dentro de poucos meses ela estava andando
lépida. Seu neurologista me disse que nunca vira nada igual e eu disse o mesmo.
Perguntei à ex-paciente qual era o segredo daquilo. Ela sorriu e falou: sei que
você sabe muito bem...
Na escolha do nome Zulmira para a
filha, a tia Licínia estava interessada em beneficiar o lindo bebê com uma
madrinha muito rica. O convite foi para a dona Zulmira Augusta de Barros, a
tia-avó da criança, que não tivera filhos e, segundo o costume da época, cada
afilhado seria herdeiro. A madrinha Zulmira tinha carinho único, verdadeiro
xodó, para com a afilhada Zulmirinha. Quando
esta aprendeu a falar, a primeira coisa que pediu à dindinha foi tomar banho no
imenso tacho de cobre da fazenda. A tia Zulmira permitiu o banho e acrescentou
que a garotinha herdaria o tacho. Quando foi aberto o testamento, o tacho
sequer foi mencionado. E mais nada foi deixado para a afilhada predileta. Isso
reforçou os rumores de que, ainda no cartório, houve adulteração do testamento.
Hoje a afilhada relembra o ocorrido sem qualquer mágoa e ainda o recheia com os
floreados mais engraçados.
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