João Amílcar Salgado

terça-feira, 31 de maio de 2022

 



TEXTOS PROFÉTICOS SOBRE AS MAZELAS NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO

João Amílcar Salgado

Há 40 anos, três publicações estudaram as indústrias da   saúde e da educação no Brasil. Hésio Cordeiro, com A INDÚSTRIA DA SAÚDE NO BRASIL (1980), Maria Inez Salgado de Souza, com  OS EMPRESÁRIOS E A EDUCAÇÃO (1981) e eu próprio, com CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE REALIDADE DE SAÚDE E ENSINO MÉDICO (1981), sendo que nesta fui um pioneiro internacional, a estudar o uso do marketing nos currículos escolares. Hésio Cordeiro, Cecília Donnangelo, Sérgio Arouca e eu fomos convidados a esboçar o SUS, em 1982. Arouca e Ulisses Guimarães, na Constituinte, em 1988, cometeram o erro de arriscada aliança com a indústria, abrindo o espaço para a ANS.  A consequência inevitável desse erro é o desastre atual. Isso transforma aquelas três publicações em verdadeiros textos proféticos.

Vejamos:

1)A revista Forbes incluiu o industrial da saúde Jorge Moll Filho na lista dos maiores bilionários do mundo, 3º entre brasileiros.  2) Os chamados planos de saúde acabam de exigir a elevação das prestações para cinco vezes além da inflação, com reajuste de 15,5% - isso faz da ANS o verdadeiro Ministério da Saúde de nosso país. 3) O atendimento pediátrico está em colapso, assim como o fornecimento de remédios fundamentais e demais recursos médico-sanitários. 4) Os venenos agrícolas, antes chamados de “agrotóxicos”, foram favorecidos pela oficialização de chamá-los de “defensivos”, acrescida da liberação geral de seu uso, sem qualquer fiscalização de seus resíduos. 5) Numerosos egressos de faculdades precárias, que são a maioria aqui e nos países vizinhos, só aceitam emprego se este for adequado a seu despreparo – inépcia que, mesmo assim, vem causando dano e morte.  6) Várias aquisições de faculdades são suspeitas, a exemplo do caso antes aqui relatado, de um grupo de comércio educacional, ligado ao ministro Paulo Guedes e à Bozano, que comprou a faculdade mineira Ipemed de Ciências Médicas, sendo que a negociação resultou da parceria entre a Crescera e a Afya, e da fusão entre a NRE e a Medcel. 7) A mal-conhecida e criminosa “Universidade Brasil” chegou a patrocinar o Atlético Mineiro. 8) A faculdade de medicina de Marília está envolvida em escândalos frequentes. 9) A universidade de Rio Verde expulsou 19 estudantes por fraude. 10) Guedes bloqueia 14,5% da verba para custeio e investimento de universidades federais, uma delas a UFMG, que o graduou e à qual é perfidamente ingrato. 11) Enquanto isso, bilhões são mantidos ocultos num inacreditável orçamento secreto. 12)  E, nos desvãos ministeriais da Saúde e da Educação, há corrupção na compra de desde vacinas a ambulâncias e também na intermediação de evangélicos para verbas furtivas, a troco de moeda variada, inclusive ouro em barra, extraído em garimpo criminoso, nas reservas indígenas. Estas e muitas outras denúncias da imprensa aguardam rastreamento em paraísos fiscais.

[Em mensagem a seguir, mostramos o nexo diabólico entre o combate a “fake news” e a antiga “moralização” da propaganda farmacêutica].

 


quarta-feira, 25 de maio de 2022

 


 

IDENTIFICAR INTÉRPRETES E AUTORES MUSICAIS

João Amílcar Salgado

                Em postagem anterior, reproduzi a canção O GALO CANTOU NA SERRA do seresteiro Luiz Cláudio.  O distinto médico e musicista Luiz Savassi, em resposta, me presenteou com a encantadora valsa FOLHAS SOLTAS do mesmo autor, digna de ampla divulgação, principalmente entre a gente mineira. Vale a pena lembrar que há dois Luiz Cláudio, este “de Castro” mineiro e o outro “Ramos” carioca, também seresteiro e, por sua vez, irmão de outro seresteiro Carlos José. Assim é inevitável confundir os homônimos.

            Não só entre nomes de intérpretes há troca. Pode ocorrer também entre autor e intérprete.  Quando ficou conhecida a canção VOCE NÃO ME ENSINOU A TE ESQUECER (trilha do filme LISBELA E O PRISIONEIRO) muitos deduziram que a música era do baiano Caetano Veloso. Na verdade, seu autor é o Fernando Mendes, mineiro de Conselheiro Pena. Quando a ouvi pela primeira vez, julguei ser um plágio do bolero TU ME ACOSTUMBRASTE do cubano Frank Dominguez, aliás cantado também por Caetano. Mas, comparando melhor, não é plágio. A nossa pode até ser inspirada na outra, mas é joia musical legítima, digna do aplauso unânime de que desfruta.

https://youtu.be/iML_MKnTf84

https://youtu.be/rBEdhBTtG28

https://youtu.be/jcg9H3SmwVo

 

terça-feira, 24 de maio de 2022

 


MONSENHOR TAVARES, CHAGAS, CANABRAVA E ROSA

João Amílcar Salgado

        Sou estudioso da doença de Chagas e de João Guimarães Rosa - com isso me fiz andarilho pelo Grande Sertão. Finalizo um livro sobre a paciente Berenice, na qual foi descoberta a doença. Ela nasceu em uma fazenda próxima a Lassance, em 1907, e Rosa nasceu não muito distante, em Cordisburgo, um ano mais tarde, sendo que em 1909 Carlos Chagas descobriu a infecção inédita. Em uma de mínhas viagens a este sertão, procurava inutilmente o batistério da menina Berenice. Recorri a meu colega de turma, Geraldo Evaristo Canabrava Pereira, na época o principal e aplaudido médico de Curvelo, que me levou ao Monsenhor João Tavares de Souza, capelão do hospital, do qual antes tinha sido provedor, quando o equipou com o primeiro raio-x da região e com refinado instrumental cirúrgico. Fiquei imensamente grato ao prelado por ter-me conseguido o precioso documento. Além disso, me vi ainda mais feliz, quando Tavares me revelou ter nascido em Cordisburgo, em 1907, e, ao lado do futuro escritor João Guimarães Rosa, ter sido alfabetizado pelo mesmo mestre-escola, Candinho. Por outro lado, o querido amigo Canabrava é neto do VôVaristo, o capitão Evaristo de Paula, um fazendeiro muito observador, que levantara a possibilidade de doença desconhecida, por causa da voracidade dos barbeiros que infestavam sua fazenda.

            Não tive coragem de entrevistar o Monsenhor a respeito do incêndio da matriz de Curvelo. Na época ele era o jovem pároco, bastante atraente e também admirado pela voz barítona, ao Gregoriano, pela oratória e pela cultura piedosa e humanística. Uma bela paroquiana se apaixonou perdidamente por ele. Certo anoitecer ele chega à sacristia e encontra a moça completamente nua e de braços abertos para ele. O casto religioso a expulsa dali aos gritos. Dias após, ela torna a se infiltrar no templo, com uma garrafa de querosene, e causa grave incêndio, enquanto alguém consegue salvar as imagens de maior devoção. Hoje ainda investigo por que o conterrâneo João Rosa, então quintanista de medicina, e o paroquiano Lúcio Cardoso, notável escritor, então com 17 anos – não fizeram uso do episódio em sua obra.  Ou fizeram?

            Aproveito para assinalar que o compositor Luiz Cláudio musicou o poema O GALO CANTOU NA SERRA, de Guimarães Rosa, referente a Curvelo – canção gravada por Nara Leão. Lembro também que o paranoico bispo Sigaud chegou a esbulhar o prestígio popular e político de Tavares.

https://youtu.be/Z_gqkX2-CAA

           

quarta-feira, 18 de maio de 2022

 COINCIDÊNCIA QUE É UMA ADVERTÊNCIA

João Amílcar Salgado

O Congresso dos EUA realiza hoje 17/5/22 audiência pública sobre OVNIs. Dois dias antes um jovem assassinou dez pessoas num ataque de ódio contra negros, em Buffalo, Ele tinha avisado por escrito, em sua escola, que cometeria um massacre. A polícia soube da ameaça e mesmo assim ele comprou a arma com que a efetivou.  O discurso de ódio e a propaganda da supremacia branca prosseguiram depois da derrota de Trump, seu principal incentivador. Assim, a coincidência, entre o tema dos ETs e a morte dos negros, mostra que o congresso ianque não está interessado quer na questão do armamento irrestrito, quer na do racismo. Isso deve causar exultante alegria na extrema direita.


domingo, 15 de maio de 2022

 


ODIOSO GOLPE CONTRA NOSSA PETROBRÁS

João Amílcar Salgado

Em plena ditadura, em 1976, estive na Inglaterra, para estudar um sistema único de saúde para o Brasil, a ser implantado quando houvesse democracia. Suponho ter sido o primeiro especialista brasileiro com tal iniciativa. Um de meus estudos foi verificar a convivência entre o livre mercado e as organizações estatais, como o National Health System (NHS), a pesquisa farmacêutica, o Conselho Britânico a indústria energética, o ensino, o transporte, os correios, os museus e a BBC. Fiz observações semelhantes em viagens pela América Ibérica e pelos EUA.

Antes disso, acompanhei muito jovem a epopeia da criação da Petrobrás, em 1953, contra poderosos interesses quer de vendilhões nacionais, quer de espertalhões internacionais. Participei da luta pela criação da Eletrobrás em 1962, seguida da inauguração de Furnas em 1963 e Itaipu em 1984. Furnas não seria possível se persistisse ali a malária. Meu tio Aprígio Abreu Salgado, médico e cientista nepomucenense, foi um dos heróis ou o principal deles, dessa vitória sanitária. O entusiasmo desenvolvimentista nos fez lutar pela Siderbrás e pela Farmacobrás.

Meu pai já havia sido entusiasta da criação da Vale, em 1942, anteposta à Belgo. A Vale, com a soma do ferro de Minas e de Carajás, chegou a maior do mundo e foi vendida a preço vil por FHC. Seus felizes compradores são responsáveis pelo infeliz, monstruoso e imperdoável desastre de Brumadinho. Nos dias de hoje, criminosos semelhantes pretendem vender não só a Petrobrás como também o Pré-Sal, tudo junto, pelo mesmo preço vil.

quinta-feira, 5 de maio de 2022

 


A SERRA DO CURRAL E A MEMÓRIA DA MEDICINA

João Amílcar Salgado

Duas edificações na Serra do Curral são importantes tanto para a memória da medicina, como para a memória da política brasileira: o HOSPITAL DA BALEIA e o INSTITUTO HILTON ROCHA. Depois do Manifesto dos Mineiros, fator do enfraquecimento da ditadura Vargas, houve a inauguração do moderno Hospital da Baleia, em 1944, liderada pelo antigetulista Baeta Viana, a quem Valadares quis constranger, trazendo o próprio Getúlio para a solenidade. Com isso Viana não pôde fazer do ato mais um manifesto. Depois, durante a ditadura de 64, o governador Rondon Pacheco advertiu o oftalmologista Hilton de que seu Instituto não poderia ser localizado na Serra do Curral. Este veto foi transposto pelo general Golbery, que era cliente e amigo do médico. O Centro de Memória da Medicina de MG solicitou a demolição do Instituto, após a constituinte.

Outro acontecimento foi em 1959, quando os estudantes de medicina protestaram contra a nomeação, feita por JK, de Roberto Campos, apelidado de Bob Fields, para embaixador em Washington. Isso tem a ver com a Serra do Curral, porque Campos e Lucas Lopes estavam envolvidos com a mineradora Hanna na exploração do seu minério. O irmão de Lucas, o médico Hélio Lopes, era um dos ilustres historiadores do Centro de Memória, bem como o odontólogo Ciro Gomide, estudioso da biografia de Hilton Rocha. Ambos enriqueceram a documentação do Centro sobre JK, Hilton Rocha e o movimento estudantil. Já sobre o Hospital da Baleia, o Centro contou com José Sílvio Resende, que, além de ser o maior cirurgião torácico do país, era autorizado tisiologista. biógrafo de Henrique Marques Lisboa e estudioso da iniciativa daquele hospital. Por minha vez, estudo a ligação entre Baeta Viana e João Batista Veiga Sales, sendo este o mais notável de seus discípulos, coincidentemente herdeiro da fazenda Taquaril. Todo esse acervo mostra muito bem quão poderosas e persistentes têm sido as ameaças à ecologia da Serra do Curral.

 

terça-feira, 3 de maio de 2022

 


MINERAR NA SERRA DO CURRAL SEMPRE FOI E SEMPRE SERÁ IMORAL, EXECRÁVEL E CRIME MONSTRUOSO

João Amílcar Salgado

Minerar na Serra do Curral sempre foi denunciado como criminoso. O movimento estudantil já proclamava isso desde que dele participei na década de 50 do século 20. Carlos Drummond, nosso maior poeta, lamentou tão abjeta destruição em documentos célebres. Agora, nossa querida Serra está prestes a ser oferecida à completa destruição pelo inacreditável vilipêndio que autoriza o chamado projeto Tamisa da Taquaril Mineração. Esta empresa minerária, destinada a predar a ecologia da Capital, foi criada em 2021 por Cristiano Pinto Caetano da Cruz e Guilherme Augusto Goncalves Machado. A autorização despudorada está sendo verdadeiramente arrancada, por meios obscuros, dos órgãos responsáveis nas esferas municipal, estadual, federal, fiscal e judicial. Diante disso, aponta-se suspeito silenciamento da imprensa e da comunicação coletiva em geral.  Para maior eloquência de meu protesto, lembro Carlos Drummond.  Num trecho ele diz:Esta manhã acordo e não [a] encontro [a montanha de minério], britada em bilhões de lascas, deslizando em correia transportadora, entupindo 150 vagões, no trem-monstro de 5 locomotivas, – trem maior do mundo, tomem nota – deixando no meu corpo a paisagem, mísero pó de ferro, e este não passa.”  Noutro, ele fala: “O maior trem do mundo /  Transporta a coisa mínima do mundo / Meu coração itabirano / Lá vai o trem maior do mundo / Vai serpenteando, vai sumindo / E um dia, eu sei não voltará / Pois nem terra nem coração existem mais.” E, na mensagem definitiva, de 1976, quando recusa convite para vir à Capital, fala no TRISTE HORIZONTE  que substitui o BELO HORIZONTE:Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor".

Rogo que minha indignação seja compartilhada pelos nepomucenenses, pois a área referida no projeto, Taquaril, é nome da fazenda antes propriedade do nepomucenense Jonas Veiga, que abrangia enorme área. Alcançava o bairro Jonas Veiga, o cemitério da Saudade, a Fazendinha Paiva, a favela do Taquaril, o clube Country, o hospital Baleia, um hotel e a fazenda Ana da Cruz. O primeiro romance escrito por um nepomucenense tem também o nome de TAQUARIL (1961), de autoria do médico, professor da UFMG e escritor Oscar Negrão de Lima, genro de Jonas Veiga.

A orquestração destrutiva da Serra do Curral configura-se uma nódoa, incrivelmente indecorosa e inapagável, na história de Minas.

 

ADENDO:

TRISTE HORIZONTE

Carlos Drummond de Andrade+


“Por que não vais a Belo Horizonte? a saudade cicia e continua, branda: Volta lá.
Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes das avenidas que levam ao amor, nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam os puros jogos de viver. Anda! Volta lá, volta já.
E eu respondo, carrancudo: Não.
Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser.
Não o passado cor-de-cores fantásticas, Belo Horizonte sorrindo púber e núbil sensual sem malícia, lugar de ler os clássicos e amar as artes novas, lugar muito especial pela graça do clima e pelo gosto, que não tem preço, de falar mal do Governo no lendário Bar do Ponto.
Cidade aberta aos estudantes do mundo inteiro, inclusive Alagoas, “maravilha de milhares de brilhos vidrilhos”mariodeandrademente celebrada.
Não, Mário, Belo Horizonte não era uma tolice como as outras. Era uma provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas. Era um remanso, era um remansopara fugir às partes agitadas do Brasil, sorrindo do Rio de Janeiro e de São Paulo: tão prafrentex, as duas! e nós lá: macio-amesendados na calma e na verde brisa irônica…
Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira. Quero não saber da traição de seus santos. Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos. São José, no centro mesmo da cidade, explora estacionamento de automóveis. São José dendroclasta não deixa de pé sequer um pé-de-pau onde amarrar o burrinho numa parada no caminho do Egito. São José vai entrar feio no comércio de imóveis, vendendo seus jardins reservados a Deus. São Pedro instala supermercado. Nossa Senhora das Dores, amizade da gente na Floresta, (vi crescer sua igreja à sombra do Padre Artur) abre caderneta de poupança, lojas de acessórios para carros, papelaria, aviário, pães-de-queijo
Terão endoidecido esses meus santos e a dolorida mãe de Deus? Ou foi em nome deles que pastores deixam de pastorear para faturar? Não escutem a voz de Jeremias (e é o Senhor que fala por sua boca de vergasta): “Eu vos introduzi numa terra fértil, e depois de lá entrardes a profanastes. Ai dos pastores que perdem e despedaçam o rebanho da minha pastagem! Eis que os visitarei para castigar a esperteza de seus desígnios”.
Fujo da ignóbil visão de tendas obstruindo as alamedas do Senhor. Tento fugir da própria cidade, reconfortar-me em seu austero píncaro serrano. De lá verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte sem escutar o rumor dos negócios abafando a litania dos fieis. Lá o imenso azul desenha ainda as mensagens de esperança nos homens pacificados – os doces mineiros que teimam em existir no caos e no tráfico. Em vão tento a escalada. Cassetetes e revólveres me barram a subida que era alegria dominical de minha gente. Proibido escalar.
Proibido sentir o ar de liberdade destes cimos, proibido viver a selvagem intimidade destas pedras que se vão desfazendo em forma de dinheiro. Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade. Desiste ou leva bala. Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo.
Jeremias me avisa: “Foi assolada toda a serra; de improviso derrubaram minhas tendas, abateram meus pavilhões. Vi os montes, e eis que tremiam. E todos os outeiros estremeciam. Olhei terra, e eis que estava vazia, sem nada nada nada”.
Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor”.

A MONTANHA PULVERIZADA
Carlos Drummond de Andrade

Chego à sacada e vejo a minha serra,
a serra de meu pai e meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.

Era coisa de índios e a tomamos
para enfeitar e presidir a vida
neste vale soturno onde a riqueza
maior é a sua vista a contemplá-la.

De longe nos revela o perfil grave.
A cada volta de caminho aponta
uma forma de ser, em ferro, eterna,
e sopra eternidade na fluência.

Esta manhã acordo e não a encontro,
britada em bilhões de lascas,
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões,
no trem-monstro de 5 locomotivas
– trem maior do mundo, tomem nota –
adeixando no meu corpo a paisagem
mísero pó de ferro, e este não passa.