João Amílcar Salgado

terça-feira, 24 de maio de 2022

 


MONSENHOR TAVARES, CHAGAS, CANABRAVA E ROSA

João Amílcar Salgado

        Sou estudioso da doença de Chagas e de João Guimarães Rosa - com isso me fiz andarilho pelo Grande Sertão. Finalizo um livro sobre a paciente Berenice, na qual foi descoberta a doença. Ela nasceu em uma fazenda próxima a Lassance, em 1907, e Rosa nasceu não muito distante, em Cordisburgo, um ano mais tarde, sendo que em 1909 Carlos Chagas descobriu a infecção inédita. Em uma de mínhas viagens a este sertão, procurava inutilmente o batistério da menina Berenice. Recorri a meu colega de turma, Geraldo Evaristo Canabrava Pereira, na época o principal e aplaudido médico de Curvelo, que me levou ao Monsenhor João Tavares de Souza, capelão do hospital, do qual antes tinha sido provedor, quando o equipou com o primeiro raio-x da região e com refinado instrumental cirúrgico. Fiquei imensamente grato ao prelado por ter-me conseguido o precioso documento. Além disso, me vi ainda mais feliz, quando Tavares me revelou ter nascido em Cordisburgo, em 1907, e, ao lado do futuro escritor João Guimarães Rosa, ter sido alfabetizado pelo mesmo mestre-escola, Candinho. Por outro lado, o querido amigo Canabrava é neto do VôVaristo, o capitão Evaristo de Paula, um fazendeiro muito observador, que levantara a possibilidade de doença desconhecida, por causa da voracidade dos barbeiros que infestavam sua fazenda.

            Não tive coragem de entrevistar o Monsenhor a respeito do incêndio da matriz de Curvelo. Na época ele era o jovem pároco, bastante atraente e também admirado pela voz barítona, ao Gregoriano, pela oratória e pela cultura piedosa e humanística. Uma bela paroquiana se apaixonou perdidamente por ele. Certo anoitecer ele chega à sacristia e encontra a moça completamente nua e de braços abertos para ele. O casto religioso a expulsa dali aos gritos. Dias após, ela torna a se infiltrar no templo, com uma garrafa de querosene, e causa grave incêndio, enquanto alguém consegue salvar as imagens de maior devoção. Hoje ainda investigo por que o conterrâneo João Rosa, então quintanista de medicina, e o paroquiano Lúcio Cardoso, notável escritor, então com 17 anos – não fizeram uso do episódio em sua obra.  Ou fizeram?

            Aproveito para assinalar que o compositor Luiz Cláudio musicou o poema O GALO CANTOU NA SERRA, de Guimarães Rosa, referente a Curvelo – canção gravada por Nara Leão. Lembro também que o paranoico bispo Sigaud chegou a esbulhar o prestígio popular e político de Tavares.

https://youtu.be/Z_gqkX2-CAA

           

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