MANOEL FIRMATO DE
ALMEIDA
Aventuroso triunfador na vida e na
arte
João
Amílcar Salgado
Manoel Firmato teve a sorte de nascer de um pai notável
e de ter-se formado numa época em que o Brasil era feliz. Ele se graduou na
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais em 1957, ano de
que me lembro bem. Eu era terceiranista e Kubitschek cumpria o terceiro ano de
seu governo federal: estávamos nos anos dourados.
Se
Firmato se der o vagar de escrever suas memórias, teremos novo Nava, e um Nava
cirurgião, o que nos falta. E, tal como aquele, começaria por nos dizer a saga
de seu genitor. Antônio Firmato, pai de Manoel Firmato, é caso raríssimo de
médico geral que enfrentou com alto brilho os desafios oferecidos por área
endêmica de várias doenças chamadas tropicais. Em qualquer país adiantado, este
patriota audaz já teria mais de uma biografia, com estudo detido de suas
realizações. As notícias dele que nos chegam fazem parecer que ele decidiu
desdizer o primeiro aforismo hipocrático: para tantas e tão extensas façanhas
até que a vida não lhe foi tão breve assim.
Seu caso é
mais extraordinário pelo fato de que, tendo um sem número de afazeres, achou
tempo para a pesquisa científica de alta qualidade, como se pode ver pelo livro
que publicou, em colaboração com César Pinto: SCHISTOSOMIASIS MANSONI NO
BRASIL, 1948. Ao mesmo tempo propôs e ele próprio efetivou vários serviços
na área do saneamento e da assistência médica, numa época em que o Vale do
Mucuri era um sertão inacessível e desanimador. Seu exemplo, como o de Carlos Chagas, mostra
que o médico que o Brasil verdadeiro exigia para resolver seus verdadeiros
problemas era o profissional versátil, capaz de devotada inclinação
comunitária.
O
filho Manuel, ainda sextanista, partiu para o sertão em auxílio do pai, substituindo-o,
com igual competência, nos compromissos com aquela gente. Com isso protagonizou
um INTERNATO RURAL avant la lettre em
1958, vinte anos exatos antes da criação desta inovação educacional
Ali
se submeteu ao internship rotatório,
mas, após o primeiro ano, surgiu nova legislação que exigia do médico
estrangeiro ser aprovado no exame preparado por The Educational Council For Foreign Medical Graduates. Nas palavras
do Manuel, nossa Faculdade, por intermédio dele, se saiu muito bem nessa prova.
A seguir submeteu-se a três anos de residência médica em cirurgia geral. Ao
término, o professor Tague Chisholm, seu visível admirador, propôs que, se
quisesse especializar-se em cirurgia pediátrica, o recomendaria aos chefes que
escolhesse. Escolheu para mestre Mac Parland, a partir de quem recebeu do
Boston Floating Hospital For Infants and Children o certificado de Fellow
Com
toda essa plenitude de qualificação, só poderia ser recebido de braços abertos
em qualquer serviço médico e em qualquer parte do mundo. Pasmem, pois ao
contrário, retornando a Minas, recebeu portas na cara. Os hospitais da
Previdência Estadual, da Santa Casa e da Baleia não julgaram convincente o
sobredito curriculum vitae. Que
sumidades eram estas, para tão escandalosa esnobada ou para tão acintosa
demonstração de despeito?
Seu
pai, contristado diante de tal provocação, deve ter pensado: essa gente só
entende uma linguagem, a linguagem lá deles, então, não é meu hábito, mas vou
falar e agir conforme o dialeto em que conversam. Logo o provedor Alkmin nomeia
Manoel para a mesa diretora da Santa Casa - tapa de luva que significou: vai lá ser chefe dos que o vetaram. E o
Hospital da Previdência recebeu - não de alguém do terceiro escalão do Estado
- mas do próprio Israel Pinheiro, sua
designação para o corpo cirúrgico do Instituto. Em seguida, Lucas Machado o
designa professor de cirurgia pediátrica na Faculdade de Ciências Médicas.
Na
aula comemorativa do centenário de sua Faculdade, para a qual foi convidado
como ilustre ex-aluno para falar sobre sua vida e sua carreira, ele foi saudado
por nada menos que Enio Leão. Era o maior de nossos pediatras clínicos a
receber o maior de nossos cirurgiões pediátricos. Foi comovente ver ambos
relembrarem a cooperação que tiveram no início de suas realizações, hoje
memoráveis.
Manoel
Firmato, hoje se encontra consagrado como um artista, que é uma espécie de
Miguel Ângelo às avessas. É campeão internacional em cirurgia de siameses e, em
sua magna aula, fez úmidos ali muitos olhos, pela ternura - paradoxalmente
aliada à dureza - com que optava por salvar pelo menos uma de duas crianças
nascidas unidas. Um desses olhos úmidos era de seu querido colega da viagem de
estudos aos EUA, Gilson Cota Barbosa, nosso primeiro cirurgião plástico a se
especializar no exterior.
Antônio
e Manoel Firmato são belo exemplo de pai e filho médicos, em que o filho, em
vez de seguir estritamente os passos do pai, ornou as notáveis realizações
deste com suas próprias e inéditas realizações. Quando o Brasil aprender a
reconhecer heróis de verdade, os Firmato serão dois incontestáveis nomes a
serem reverenciados no panteão da medicina nacional.
[Em 2015, Manoel Firmato aceitou minha sugestão e
escreveu o livro O MENINO QUE VIROU GENTE. Estudo a provável ligação
entre os Almeida e os Antunes sulmineiros e os do nordeste-norte mineiro e da
Bahia]