João Amílcar Salgado

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

 


CÔNEGO VÍTOR E A VILA

João Amílcar Salgado

Fiquei impressionado com a fé dos devotos do Cônego Vítor da Vila. A eles quero lembrar nossas ligações com o extraordinário santo negro, que foi corajosamente ordenado por Dom Viçoso, antes da libertação dos escravos. O mais forte laço dele com Nepomuceno é representado por meu avô professor João de Abreu Salgado, diretor do Grupo Escolar Coronel Joaquim Ribeiro, hoje Escola Estadual. Durante sua diretoria e a de sua discípula Alice Lima, os conterrãneos receberam a notícia da vida, das realizações e dos milagres do santo. João de Abreu foi batizado e aluno do Padre Vítor e foi seu legítimo herdeiro no método de ensino original, caracterizado por ser suave e eficaz, diferente das demais escolas. A família Abreu Salgado, quase toda de professores, do pré-primário ao pós-doutorado, segue esta tradição.  Meu pai João Salgado Filho é afilhado de batismo do admirável sacerdote, de quem recebeu de presente sua milagrosa bengala. No dia do batismo, o cônego estava acamado e o bebê foi levado ao leito para ser abençoado. Outra igualmente forte ligação com a Vila é representada por João Brandão, o Quidinho. O milagre do incêndio no posto de gasolina do Quidinho foi decisivo para a beatificação.

A primeira e principal biografia do Conego Vítor foi escrita por João de Abreu Salgado em 1946, cuja reedição foi lançada para a beatificação, com novo título VIDA DO PADRE VÍTOR (2015)

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

 


HISTORIADORES E PSIQUIATRAS

João Amílcar Salgado

O 28º Congresso Brasileiro de História da Medicina, de 19 a 21/9/2024, em Barbacena, pelo qual lancei meu livro “A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS”, também lembrou os 120 anos do hospital psiquiátrico público de Barbacena, ocorridos no ano passado. A psiquiatria mineira de fato data de 1814 quando Antônio Gonçalves Gomide divulgou a Impugnação analítica de um suposto milagre, na verdade uma síndrome psicótica.

A reunião de historiadores com psiquiatras foi muito interessante. Um destes, meu amigo desde a faculdade, me disse que os psiquiatras não se dão bem com historiadores, temerosos de que estes tratem sua especialidade como religião. Outro psiquiatra afirmou, em sua palestra, ignorar haver algum cirurgião inteligente. Entre os ouvintes estavam dois ilustríssimos neurocirurgiões, que democraticamente não protestaram, ao contrário sorriram. Um deles é Sebastião Gusmão, apontado por colegas como o maior neurocirurgião do país e que acumula este título com outro: é um gigante historiador internacional. O outro é Jair Raso, exímio e elegante tanto na cirurgia como nas artes cênicas e na cultura geral. Para aquela afirmação, o infeliz palestrante estava autoconvicto de ostentar um intelecto muitas vezes superior ao de ambos somados.

 


AULA MAGNA SOBRE O LIVRO A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS

João Amílcar Salgado

SEXTA FEIRA, 20/9, OCORREU O LANÇAMENTO NACIONAL DO LIVRO A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS (2024) EM BARBACENA, DENTRO DA PROGRAMAÇÃO DO 28º CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTORIA DA MEDICINA. PARA ISSO O AUTOR PROFESSOR JOÃO AMÍLCAR SALGADO PROFERIU A AULA MAGNA DE ABERTURA, QUANDO FOI APLAUDIDO EFUSIVAMENTE.

FOI UMA FELIZ OPORTUNIDADE DE REENCONTRO FRATERNO ENTRE OS HISTORIADORES DE BARBACENA E DE TODO O BRASIL. MAIS UMA VEZ O LÍDER JAIRO FURTADO TOLEDO E SUA ESPOSA FLORA SE ESMERARAM NO ACOLHIMENTO DE TODOS, AUXILIADOS PELO PRIMOROSO ARTISTA E ERUDITO HISTORIADOR EDSON BRANDÃO.

VEJAM OS COMENTÁRIOS NA PRÓXIMA POSTAGEM.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

 

PEDIATRAS INSEGUROS E ESCASSOS

João Amílcar Salgado

Um colega e grande amigo comentou meu texto sobre as eleições no CFM, dizendo que, embora enriquecedor, é, contudo, um reducionismo temerário dividir a categoria médica entre “negacionistas dominantes” e “uma minoria fiel à ciência “. Pode ser que outros tenham chegado ao mesmo veredicto. Uma pediatra brilhante e incansável, minha ex-aluna, por sua vez, confirmou meu depoimento, pormenorizando exemplos dramáticos da crise de diplomados inseguros e escassez pediátrica. Diante destas e outras manifestações, reitero aqui meus principais textos sobre o tema.

 

DESPEDIATRIZAÇÃO E REPEDIATRIZAÇÃO

Homem com óculos de grau

Descrição gerada automaticamenteLEÃO

               Ênnio Leão e eu somos considerados autores da inovação pediátrica do ensino da medicina no Brasil, ocorrida em 1975, na UFMG, que se refletiu internacionalmente. Os três maiores pedagogos médicos de então, Juan Cesar Garcia, da OPAS, Vic Neufeld, da Universidade de McMaster, e Henry Walton, da Universidade de Edimburgo, reconheceram, com entusiasmo, sua originalidade e sua importância. Os estudos que levaram a isso, de 1971 a 1974, foram possíveis graças ao estímulo corajoso do reitor, médico e cientista Marcelo Vasconcelos Coelho, em plena ditadura vigente no país. A alta carga horária pediátrica e as demais inovações resultaram da análise de nossa pirâmide demográfica e de outros elementos da realidade de saúde.  Trinta anos depois de tal experiencia, houve quem alegasse que a pirâmide demográfica estava sofrendo mudança e que chegaria ao ponto de ser necessária a redução do relevo da pediatria. Respondemos com dois argumentos: 1) a modificação da pirâmide não seria definitiva porque haveria, cedo ou tarde, necessidade econômica de volta à adequada natalidade; 2) o lado pedagógico da “pediatrização” proposta traduz aspectos mais profundos da questão.

 De fato, quatro aforismos formulados durante nossos estudos resumem a pedagogia do ensino pediátrico:

1)    Na realidade de saúde, o médico capaz de bom atendimento pediátrico atende bem e até melhor o adulto; enquanto o médico capaz de bom atendimento a adultos é inseguro no atendimento pediátrico - e tende a evitá-lo.

2)    O ensino ampliado da clínica pediátrica, na graduação, não forma o pediatra, mas prepara melhor este especialista e prepara melhor o clínico de adultos, inclusive dando a este a segurança para oferecer atenção completa a todas as faixas populacionais.

3)    Na história do ensino médico, houve a distorção de se ensinar semiologia exclusivamente por meio do exame de adultos e o êxito em sua correção, efetivada na UFMG, evidencia claramente o erro do passado.

4)    O aforismo “a doença não tira férias” levou à adoção do calendário contínuo curricular e atencional, de evidente benefício às crianças.

Diante do atual colapso da atenção pediátrica no Brasil, nos parece oportuno sugerir medidas que atenuem ou eliminem tão lamentável consequência do criminoso descaso para com a saúde e com outras áreas de nossa realidade social.

Propomos que os participantes da citada experiencia e demais docentes sejam reconvocados para uma mobilização nacional que alcance todos os cursos de medicina e todas as equipes de atenção primária e secundária. Os MINISTÉRIOS DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO ofereceriam bolsas e demais recursos para o treinamento da atenção pediátrica. O programa MAIS MÉDICOS seria adaptado para funcionar como INTERNATO RURAL de todas as faculdades próximas e opcionalmente das distantes. As UPAS seriam adaptadas para incluir o treinamento pediátrico ambulatorial, com a respectiva remuneração adicional de treinadores e treinandos.  A descentralização da atenção primária e secundária exige a diminuição da insegurança dos profissionais. A insegurança para clinicar, enfraquece quer o peso da atração salarial, quer o da promessa de carreira.

Outra verificação dos levantamentos prévios foi a predominância do atendimento de adultos em detrimento das crianças nos serviços de urgência-emergência. Na experiencia citada, concomitante à inovação curricular realizada, o já existente posto de reidratação infantil para gastroenterite foi adaptado ao atendimento geral de urgência-emergência pediátrica, que levou à ampliação do debate sobre o atendimento contínuo em fins de semana, feriados e férias escolares. A tradição era (e continua sendo) que os hospitais de ensino entrem em recesso nessas ocasiões. E não é que até mesmo no auge da findante pandemia gripal, os postos de vacinação adotaram folgas semanais e outros recessos? Urge reiterar o atendimento contínuo no SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Tal é nossa esperança na retomada do projeto constitucional da atenção à saúde, segundo o aforismo por sinal surgido de nossa inovação: a saúde é direito de todos e dever do Estado. 

O PEDIATRA-ANESTESISTA NA EQUIPE MÍNIMA PARA PEQUENAS CIDADES

Em 1967 propus, ao lado de Cid Veloso, a equipe mínima de três médicos, capaz de clinicar em pequenas cidades para resolver mais de 90% dos problemas de saúde - composta de 1) um cirurgião-obstetra-traumatologista, 2) um pediatra anestesista e 3) um clínico geral. A proposta obteve elogiosa acolhida, inclusive logo recebemos a grata notícia de que tal equipe já funcionava espontaneamente em mais de um lugar. Na cidade de Cruzília tal equipe já funcionava ali há dez anos, composta de José Orígenes Penha, José Maria Nunes Maciel e José Manuel Nunes Maciel. Também na cidade de Campanha já funcionava a equipe composta por Zoroastro Oliveira, Sérgio Almeida de Oliveira e Cláudio Almeida de Oliveira e em Nepomuceno a de Décio Lourenção, Rubem Ribeiro e Maurício Sarquis. A partir daí, surgiram a equipe de Divinópolis, composta por Alair Rodrigues de Araújo, Afrânio Ferreira e Antenor Melo, a da cidade de Mineiros, em Goiás, com Luiz Antonio Luciano, João Paniago Vilela e Clodomiro Anaya Rojas, a da cidade de Luz com Eolo Torres, Aristides Teles e Mário Klébis e a de Coronel Fabriciano com José Maria Moraes, Hyde Anacleto e Maurício Anacleto sendo que em Camanducaia foi esboçada, mas não concretizada.

Locais em que também houve tentativa de organizar miniequipes foram  Varginha, Barreiras, Parintins, Porto Nacional e hospitais das hidrelétricas de Três Marias, Paulo Afonso e Itaipu. É de justiça lembrar pelo menos quatro trios precursores da proposta, dois nos EUA e dois no Brasil:: William, James e CharLes Mayo (Rochester), Osler, Halsted.  Em 1971, conjuntamente com a formalização da residência médica, tentamos inaugurar a dupla residência em pediatria e anestesia na UFMG, contra a qual se opôs a corporação dos anestesistas. Para enfrentar os desafios de hoje, é possível retomar tudo isso.

 

 

AS ELEIÇÕES NO CFM E A TRIFURCAÇÃO CORPORATIVA

 


Diagrama

Descrição gerada automaticamente

 

Tabela

Descrição gerada automaticamente

 

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Descrição gerada automaticamente

           


             Na década de 50 do século 20 foi efetivada a separação das corporações profissionais brasileiras em associações, conselhos e sindicatos.  A única corporação que continuou atuando de forma unificada foi a Ordem dos Advogados e se atribui a este fato o prestígio político e moral que a OAB ostenta conservar e que as demais perderam. Fiz minuciosa pesquisa sobre as razões pelas quais a corporação médica tão facilmente abriu mão do prestígio assegurado, justamente quando governava o país um médico, JK, e outro médico, Clóvis Salgado, era seu Ministro da Educação. Ambos sofriam feroz oposição da UDN, partido da quase totalidade dos médicos – situação análoga à polarização atual, entre negacionistas dominantes e a relativa minoria de fiéis à ciência. JK chegou a ser expulso da Associação Médica de MG.

A trifurcação corporativa em SINDICATO, que cuida dos direitos, em CONSELHO, que cuida dos deveres, e em ASSOCIAÇÃO, que cuida das demais prerrogativas, decorre diretamente da ganância crescente da medicina de consumo, causa de danos irreparáveis, quer ao interesse dos próprios médicos, quer ao das comunidades a que governo e profissionais devem servir.

Como mostrei em texto anterior, o projeto de Tancredo Neves para a saúde e a educação foi substituído, sob Sarnei, pelo favorecimento privado. Isso causou imediata avalanche de faculdades de fim-de-semana, a cada esquina e ainda em grotões e  países vizinhos - aureamente financiadas por famílias ávidas de filhos-doutores. Os médicos assim produzidos só poderiam ser clinicamente inseguros, receitadores pelo Google. Compreensivelmente optaram por escapar da insegurança pela fresta do rápido enriquecimento financeiro, alcançado através de criativos artifícios. Surgiu então a paradoxal junção entre o baixo-clero clínico, simbolizado na Doutora Cloroquina, e o alto-clero financeiro, exemplificado no quarto homem mais rico do país.