João Amílcar Salgado

quinta-feira, 2 de junho de 2016

CARLOS RIBEIRO DINIZ

João Amílcar Salgado
Nasceu em Luminárias, de pai de família trespontana e mãe de família nepomucenense.  Foi um dos três maiores discípulos do cientista Baeta Viana (ele, Beraldo e Veiga Sales) e quando faleceu era o maior bioquímico do Brasil. Sem ele a FAPEMIG não teria sido criada, nem a empresa BIOBRAS, esta a primeira a fabricar insulina no 3º mundo. Estava para escrever um livro sobre a genealogia de sua família e sobre o sul de Minas, junto com o escritor Antônio Cândido e comigo. No início, outro coautor seria o farmacologista José Ribeiro do Vale, seu parente.  Ligada a isso, a ideia de se criar a Unicamp foi dele. Ou melhor, ele formulou uma universidade nos moldes da Unicamp, que seria criada no sul de Minas. O golpe militar impediu que a ideia avançasse e os paulistas a aproveitaram para criar a Unicamp, inclusive com o apoio dele.
            Diniz influiu para que Caxambu abrigasse reuniões periódicas agradáveis de cientistas, de modo a se interfecundarem. Numa das primeiras, numa roda de cerveja, ele pegou um guardanapo e nele listou os sulmineiros atuantes em universidades e setores tecnológicos do país.  E disse, se fizéssemos a revoada deles para uma cidade como esta, teríamos a melhor universidade brasileira  e  equidistante de Rio, São Paulo e Belo Horizonte. Chegou a falar com o reitor Aluizio Pimenta da UFMG que topou cria-la como campus sulmineiro desta, sendo Diniz o captador de recursos. Tendo sido concretizada em Campinas, a coisa não deixa de ser de certo modo sulmineira, pela proximidade e pela gente do sul de Minas que colonizou o noroeste paulista. Mas a tal revoada foi substituída, sendo esperado o afluxo, não de  mineiros ou paulistas, mas de cientistas de qualquer parte. O próprio Diniz sugeriu que eu fosse chamado a Campinas para dar sugestões sobre a transferência da faculdade de medicina do centro da cidade para o campus.
Também antes do golpe, em 1963, Carlos Ribeiro Diniz, Marcos dos Mares Guia,  Zigman Brener, Amílcar Martins, líderes do diretório acadêmico, um deles Henrique Santillo, e eu (recém-formado) nos reunimos para propor que, entre as chamadas reformas-de-base do governo João Goulart (educacional, tributária, eleitoral, agrária e urbana), fosse incluída a da indústria farmacêutica. Defendíamos a criação da Farmacobrás, espelhada na Petrobrás. Carlos Ribeiro Diniz argumentou que a escola bioquímica de Baeta Viana era a única a dominar de fato a enzimologia no hemisfério sul. E isso na terra do mamão e do abacaxi, fontes ultra-disponíveis dos dois mais potentes enzimas proteolíticos  vegetais. Daí que cumpria aos bioquímicos mineiros a missão de fabricar medicamentos para o povo brasileiro, a partir de tais privilégios. A concretização dessa ideia era mais plausível após a reeleição de  JK em 1965, mas, sob a ditadura, foi modificada e limitada à criação da Biobrás.
Convidei o Carlos Diniz para conhecer a paciente Berenice (a primeira diagnosticada com a doença de Chagas), numa internação desta, para revisão no Hospital das Clínicas. Entre vários assuntos ele me perguntou como andavam os estudos sobre a domiciliação do triatomíneo. Estava interessado em fazer estudo semelhante sobre o escorpião amarelo e aproveitou para lamentar a ocultação do nome completo do professor Osvaldo de Melo Campos como autor da descrição desta espécie.  São exemplos de como o pensamento original deste homem genial era incessante e quase sempre na contramão do saber estabelecido. Dias depois, após ouvir meu protesto contra a negação do premio Nobel a Carlos Chagas, ele me sugeriu. verificar sua suspeita de que o Instituto Karolinska fora financiado por um médico sueco, que havia ficado rico no sul de Minas. Ou seja, este médico prosperou perto de onde nasceu Carlos Chagas.
No episódio da invasão da Faculdade de Medicina em 1968, correu altíssimo risco, ao enfrentar a ditadura, colocando-se no meio dos invasores, protegendo-os e apoiando-os.. Dez anos depois Diniz organizou o 4º Simposio Nacional de Pós-Graduação nas Áreas das Ciencias da Saúde, na Faculdade de Medicina da UFMG, e minha participação ali foi de alerta contra a SÍNDROME DAS MULETAS SUCESSIVAS. Nosso temor era de que o fenômeno por mim denunciado, de que a residência médica não passava de muleta da má graduação já se estendera a toda a educação. Cada ciclo, cada etapa, cada modismo não passava de corretivo da má etapa anterior. Nessa época já se começava a falar em pós-doutorado. Denunciamos então o desvirtuamento do mestrado e do doutorado, como títulos voltados ao mercado de trabalho, em vez de qualificação docente. Logo a seguir o mesmo alerta foi feito por Paulo Vanzolini.
            Em 1974, Carlos Diniz me entregou o livro A FARMACOPÉIA TIRIYÓ - ESTUDO ÉTNO-BOTÂNICO (1973), de Cavalcante & Frikel, do  Museu Goeldi. Perguntou-me se aquilo estava previsto em nossa inovação curricular e lhe mostrei a disciplina optativa que seria proposta no seminário daquele ano, denominada  TERAPIAS NÃO CONVENCIONAIS e ele sorriu feliz, mas disse que seríamos metralhados pelos conservadores do Instituto de Ciências Biológicas, o que de fato aconteceu. Naquele dia, enquanto eu folheava o livro, ele me perguntou: você sabia que o Museu Goeldi deveria ser chamado de Museu Domingos Ferreira Pena, um mineiro genial, o verdadeiro fundador da instituição?  Da memória indígena frutificou a idéia da  fabricação de licor de marolo  e de gim de mangarito e também do cultivo de amendoim proteico, obsessão de Armando Gil Neves, seu devotado admirador.
            Toda vez que Diniz aparecia no Centro de Memória eu me preparava para saber o que ele fora ali me dizer ou mostrar. Numa das últimas vezes ele entrou com um homem chamado Baldomero Oliveira, um indígena filipino. Disse-me: você pode estar sendo apresentado a um descobridor histórico; ele estuda desde 1970 poderoso veneno de um molusco, com o qual sua mãe lhe aliviara, na infância,  a dor atroz de um abcesso dentário; achei que você poderia fazer com este analgésico um ensaio terapêutico semelhante ao ensaio que fez com a cimetidina. Não fiz o ensaio porque já estava em andamento o desmonte das universidades públicas. .No caso do captopril, basta dizer que, nos EUA, ao falar ali sobre cininas, Diniz foi contactado pela Squibb, bem antes da tese do Sérgio Ferreira.
Finalmente sobre a FAPEMIG, lembro-me de que Carlos Diniz veio dizer-me que sonhava embutir o amparo à pesquisa na constituição mineira, mas estava pessimista. Perguntou-me se eu tinha condições políticas de reforçar a proposta. Respondi que eu seria ouvido por gente influente. Reuni amigos e conterrâneos entre estes Cid Veloso (1º reitor eleito), Antônio Cândido Carvalho (líder docente de Medicina), Antônio Dilson Fernandes (líder docente de Medicina), Ênio Leão (líder docente de Medicina), Tarcício Campos (líder docente de Farmácia), Élvio Moreira (líder docente de Veterinária), Oder Santos (líder docente de Educação), Joaquim Carlos Salgado (líder docente de Direito),  Ângelo Machado (líder docente de Ciências Biológicas), Jota Dângelo (líder cultural), Airton Dutra (líder cultural), Jarbas Juarez (líder no meio artístico), Célio de Castro (médico e político), Carlos Becker (médico e político), Antonio Cordovil de Freitas (político e líder no meio jurídico), Luiz Fernando Maia (líder sindicalista), Eliane Souza (médica líder sindicalista), Apolo Lisboa (ativista docente), Jésus Fernandes (ativista estudantil) e outros ativistas da UNE. Depois de aprovada a Fundação, embora não da forma plenamente desejada, Diniz veio agradecer o apoio que considerou decisivo.
Em síntese, ideias de Carlos Ribeiro Diniz foram o motor inicial de universidades, indústrias, mudanças institucionais, linhas de pesquisa e descobertas científicas, de que ele jamais reivindicaria a paternidade, mas em que o historiador diligente sem dúvida detectará o DNA de sua liderança fecundante. Além disso, soube sabiamente ser o homem de cada década.  Seu mestre Viana foi o legítimo tenentista da ciência brasileira nos anos 20 do século 20, mas não vacilou em ser constitucionalista nos anos 30 e veio a ser nos 40 poderosa arma contra o Estado Novo. Em seu rastro, o discípulo Diniz, na década de 50, lutou pelo desenvolvimentismo que se estendesse dos alicerces à vanguarda da ciência. Na década de 60, vale repetir, lá estava ele na Faculdade de Medicina, não ao lado do diretor, mas dos estudantes conflagrados contra a ditadura militar, junto a Amílcar Martins e a Noronha Peres, na histórica invasão de 1968, no mesmo  dia da correspondente invasão da Sorbonne. Na de 70, já estava  mergulhado em outro desafio, sem temer a controvérsia: era a edificação do Instituto de Ciências Biológicas. Na de 80, estava prolongadamente entrincheirado na mencionada proposta da FAPEMIG.
Na década de 90, em vez de escrever seus textos memorialísticos, sempre adiados, seu devotamento foi estendido à Fundação Ezequiel Dias, onde sua presença vem impedindo que o deliberado desmantelo de organizações públicas soterre aquela instituição, referência  dos mais caros sonhos de Minas ligados à ciência. Deslocou-se a esta nova trincheira, além disso, para “injetar métodos bioquímicos, herdados de Baeta Viana, nos métodos biológicos, herdados da tradição de Vital Brasil, Carlos Chagas e Osvaldo Cruz”. Por exemplo, aposentar os cavalos fornecedores de soro antipeçonha, substituindo-os por tecnologia molecular. Assim, o mais notável dessa onipresença politico-institucional é que ela nunca foi pretexto para diminuir sua enorme e retilínea produção científica, repleta de contribuições de indiscutível relevância, e que à primeira vista seria própria não deste quixote bem sucedido, mas do mais recluso homem de laboratório.
Quando faleceu, a Funed o homenageou e fui chamado para falar. Não costumo aceitar incumbências assim, mas no caso dele não trepidei. Encerrei com uma comparação entre o Diniz e um político mineiro que indignava Tancredo Neves, por usar raro talento oratório para enganar todo o mundo. E concluí: todos nós nos afligimos com a dificuldade do Diniz para expressar suas mais geniais ideias; ora pois, enquanto o Diniz é maravilhosa fluência de ideias com dificuldade para expressá-las, esse político é maravilhosa fluência verbal à procura desesperada de mínima ideia que tenha algum valor. Este cientista-patriota, este professor-empreendedor, este cidadão valente - de posições sempre socialmente impecáveis e em sintonia constante com a juventude de seus alunos - deve passar a ser, nos dias mesquinhos e conturbados de hoje, o símbolo de perseverança em prol da vocação de grandeza deste país


O autor é professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais e criador do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais

sexta-feira, 8 de abril de 2016

AGRIPA VASCONCELOS
Mineiro, médico, poeta, historiador e ficcionista - a ser entronizado ao lado de Nava e Rosa

João Amílcar Salgado
            Agripa Vasconcelos foi homenageado em 8/4/16 na Academia Mineira de Letras por seus 120 anos. Ele e Arnaldo Antônio Elian, também médico, são nascidos em Matozinhos, Minas. Com ambos, Matozinhos sobressai no mais seleto cenário da medicina brasileira.  Os Vasconcelos são vasta família no Brasil, principalmente em Minas.  O primeiro historiador de Minas é Vasconcelos e o segundo é seu filho. Ambos são Diogo. Daí que para um terceiro seria fácil ser o inconfundível autor de obras-primas, na categoria  da  ficção histórica.
            No Centro de Memória da Medicina estudamos seis aspectos de Agripa pouco conhecidos: 1) o médico, 2) o orador de sua turma, 3) o historiador atrás do ficcionista 4) o poeta, documentado por sua filha Mara Mancini,  5) sua amizade com o erudito médico lavrense Ataúlpho Costa Ribeiro, desassombrado nietzschiano,  a quem presenteou com o soneto ADOLESCENTE, inédito, 6) sua atividade clínica em Patos de Minas, pesquisada pelo médico e historiador Giovanni Caixeta Ribeiro. Na faculdade do Rio, foi colega do notável médico Agostinho Paolucci, de Barbacena. No livro AGOSTINHO PAOLUCCI O APÓSTOLO DA MEDICINA (2010), que o filho Ruy Carlos, outro notável médico (e também artista plástico e humanista) publicou, é possível ter ideia do curso médico de Agripa e, decorrentemente, de sua competência clínica. De minha parte, além de apreciá-lo como historiador de Minas e historiador da medicina, o incluí no estudo comparativo de oradores de turma: além dele, Carlos Drummond, Odilon Behrens (contraposto a Pedro Nava) e Guimarães Rosa (contraposto ao paraninfo Samuel Lib|ânio).
            A filha Mara, na aula que deu sobre o pai no Curso de História da Medicina, emocionou a todos e foi ovacionada pelos estudantes quando, com imensa doçura e perfeita perfórmance, declamou CHUVA DO MAR.

CHUVA DO MAR
                             
(No  baixo e no médio rio Doce, chamam as chuvas temporárias, chuvas do mar -  talvez por  serem trazidas pelos ventos do Atlântico.)

Quando Raquel casou, naquela tarde mansa,
Vi desfeito de vez meu sonho de criança...
Um desespero atroz meu ser avassalou !
Mas alguém que conhece os mistérios do mundo
Num sussurro me disse um conselho profundo:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
                                                                     E passou.

Quando, ainda mocinho, eu senti, doido de ira,
Que, parecendo certo, era tudo mentira
O amor que me jurara a pérfida Margot.
Quis morrer - mas alguém que conhece esta vida
Me falou, sem calor, mas em frase sentida:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
                                                                     E passou.

Quando Ofélia seguiu seu destino sombrio,
Senti, como ainda sinto, o coração vazio!...
Faz tanto tempo já que nem sei mais quem sou !
Mas quem viu em meu pranto uma simples garoa
Quis em vão me dizer uma palavra boa:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
                                                                     Não passou
.
[Apud blogue Agripa]
            Já o soneto guardado como troféu por mestre Ataúlpho, transcrevemos aqui:
ADOLESCENTE:  No citoplasma do ovo, ao gene, obscura, / Na química fatal do cromosoma, / Foste gerada com a dourada coma / Ao calor da genética mais pura! // Produto de um calor que ainda perdura, / Num salto mendeliano, agora assoma / Teu vulto esbelto que é o resumo, a soma / De protoplasmas que o calor mistura. // Na tua biologia recessiva, /Não teu pai – tua mãe é que está viva, / O gene dela é que prevaleceu // Tu que vens de uma antese clara e bela, / Já te cobri de beijos dados nela/ E beijo em ti aquela que morreu.
            Para Agripa, vale mais a devoção da neta Mara, que, nesta data,  realiza em homenagem ao avô o que todos os grandes de nossa historia e de nossa literatura sonhariam para si.


O autor é professor titular de Clínica Médica e criador do Centro de Memória da Medicina de MG na UFMG
JOSÉ RENAN DA CUNHA MELO
Energicamente realizou sozinho o sonho de quantos?

            em Belo Horizonte o que faz quando está num dos países adiantados em trânsito, nos quais já morou ou visita freqüentemente. Sendo alucinantemente versátil em tudo, domina também a medicina preventiva e daí que cedo abandonará o ciclismo de risco, para alívio de todos nós. Em alguns endereços estrangeiros de alta medicina, encontrei o rastro do Zé Renan, com elogios tais que em cada qual não me contive em afirmar que ele foi um dos meus iniciandos à pesquisa, dos quais  muito me orgulho - dele em especial.
Toda manhã, quando desço de carro a avenida Bernardo Monteiro, costumo ultrapassar um ciclista, que quase sempre é o Zé Renan.  Como pode um preciosíssimo recurso-humano estar assim  sob risco tão óbvio? Ele está tentando fazer
            Graduou-se em medicina pela UFMG em 1968 e logo juntou-se ao grupo de jovens que Celso Afonso de Oliveira e eu iniciávamos na pesquisa, referente à doença de Chagas, esquistossomose e estrongiloidose.  O primeiro trabalho de que participou intitulou-se TRATAMENTO DE CASOS AGUDOS DA ESQUISTOSSOMOSE MANSONI COM HYCANTHONE (Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 1971), sendo co-autores, além dele, os iniciandos José Murilo Zeitune e Dalton Chamone, ambos hoje estrelas da clínica e da pesquisa médica em Campinas e em São Paulo. A publicação seguinte com os mesmos três iniciandos foi o estudo intitulado POSSIBILIDADES EVOLUTIVAS CLÍNICAS NA ESQUISTOSSOMOSE  MANSONI, COM APRESENTAÇÃO DE UM CASO DE EVOLUÇÃO ADAPTATIVA COMPLETA (mesma revista, 1972). Neste último caso, a comissão editorial da revista quis simplificar o texto e reduzir a referenciação bibliográfica, do que discordamos. O Dalton Chamone jê era estagiário no instituto paulista e sua argumentação impressionou tanto seus interlocutores que foi um dos fatores para que o retivessem ali.
Vale lembrar outros iniciandos da época: Armando Carneiro, Edward Tonelli, Antonio Dílson Fernandes, José Américo Campos, Sérgio Drummond, Amélio Maia, Lúcia Foscarini, José Maria Veiga Azzi,  J Diamantino,  H Chaves, Luiz Geraldo Matos, Maria Suzana Lemos, João Paulo Mendes de Oliveira, João Galizzi Filho, Antonio Candido Melo Carvalho, Orcanda Rocha, Cid Sérgio Ferreira, Elisabete Lauar, Dirceu Greco, Anielo Greco, Ciro Buldrini, Sebastião Soares Leal, Davidson Pires de Lima, Leonardo Diniz, José Maurício Carvalho Lemos, Luiz Otávio Savassi Rocha, Cláudio Azevedo Sales, Carlos Luiz Guedes, Carlos Faria Amaral, José Carlos Silveira, José Agostinho Lopes,  Júlio Anselmo de Souza, César de Barros Vieira, Francisco Luiz Costa, José Nelson Mendes Vieira, Francisco Caldeira Reis  e José Carlos Gallinari . Pela projeção que quase todos vieram a ter, pode avaliar-se a importância do modelo de iniciação cientifica, de cujo desenvolvimento tive a satisfação de participar, ao lado de  Celso Afonso de Oliveira, Luiz de Paula Castro, Tarcício Ribeiro Campos, Cid Veloso e Arnaldo Elian, com o apoio essencial de João Galizzi. Fez parte dessa inovação a integração com outras cadeiras clínicas, com pesquisadores na área da pedagogia médica e com disciplinas pré-clínicas, havendo importante envolvimento dos professores José Pellegrino, Zigman Brenner, Pedro Raso, Washington Tafuri, José de Souza Andrade Fiho,  Wilson Beraldo, Eurico Alvarenga Figueiredo, Giovanni Gazzineli, Carlos Ribeiro Diniz, Lineu Freire Maia, Jairo Bernardes, Célio Garcia e Domingos da Silva Gandra, os quais contavam com iniciandos nas respectivas áreas.
A segunda das publicações citadas ilustra a tendência de pesquisa clínica que foi então esboçada, a partir de publicação anterior, intitulada REVISÃO CRÍTICA DOS DADOS QUE FUNDAMENTAM O PROGNÓSTICO E A TERAPÊUTICA DA FORMA CRÔNICA DA DOENÇA DE CHAGAS (Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 1964).  Trata-se da aplicação, em proveito da investigação clínica, de conhecida peculiaridade da medicina mineira, cujo modelo completo é Carlos Chagas, que consiste em querer sempre conjugar rara e incansável curiosidade bibliográfica com igualmente rara e desassombrada versatilidade interdisciplinar. Assim fica possível aventurar por temas evitados por sua complexidade e que estão usualmente situados na província da fisiopatologia. Pois bem, cinco de nossos iniciandos, Dalton Chamone, Antônio Cândido Melo Carvalho, Sebastião Soares Leal, Antônio Dílson Fernandes e José Renan da Cunha Melo se mostraram radicais na adoção dessa empreitada, sendo que os dois últimos chegaram ao extremo de levar sua versatilidade a qualquer fronteira cirúrgica ou experimental.
No caso de José Renan da Cunha Melo, são  necessários os parágrafos precedentes para que melhor se  entenda sua surpreendente sucessão de graduações: em medicina (1968), veterinárioa (1983) e direito (2003), além de mestrado em fisiologia-farmacologia (1975) e doutorado em cirurgia (1985) (todos esses diplomas pela UFMG) e ainda pós-doutorado  pelo National Heart Lung and Blood Institute, Bethesda, EUA (1985-8). Como bacharel em direito, é estudioso dos marcos legais da clonagem humana e da biotecnologia.  Sendo cirurgião geral, hoje integra a equipe cirúrgica do Instituto de Gastroenterologia da UFMG, entidade  surgida exatamente do citado esforço de iniciação científica.  
Todos o professores da velha guarda se entusiasmaram com seus talentos e procuraram retê-lo em seus laboratórios: Wilson Beraldo, Luigi Bogliolo e João Resende Alves. Ele, por sua vez, respondeu tamanho aplauso, fazendo seu mestrado e seu doutorado com pesquisa experimental da tradição desta Universidade, ou seja, com a toxina de nosso escorpião amarelo, descrito por sinal por um iniciando da pesquisa, de perfil análogo ao seu, o ex-estudante de engenharia Osvaldo de Melo Campos - depois grande luminar da clínica. Pesquisaram o mesmo animal Campos, Otavio de Magalhães, Amílcar Viana Martins e Lineu Freire Maia. Também me honra que seu doutorado, além da toxina escorpiônica, tenha tido por tema possíveis manifestações digestivas da forma experimental da doença de Chagas, tal como minha tese de mestrado, oito anos antes.
Quando estive na Universidade de Londres em 1976, Richard Erlam, tratadista de cirurgia e fisiologia  do esôfago, teceu entusiásticos elogios a José Renan e se mostrou muito grato a este por ter-lhe chamado a atenção para a doença de Chagas. Ressaltou que mesmo na ciência britânica era raro um pesquisador da polivalência desse brasileiro. Quis conhecer nossa universidade e aqui se emocionou quando lhe mostramos a cine-radiografia do esôfago da célebre paciente Berenice. Os cirurgiões Richard Erlam e John Major, num churrasco no sítio do primeiro nos arredores londrinos, quiseram saber de Luiz de Paula Castro se o sistema educacional brasileiro era capaz de produzir  muitos Josés Renans. Luiz respondeu que raramente surge um, apesar do sistema educacional.  Meu comentário foi observar que o mérito não cabia ao sistema, mas aos pais do Renan, que ao lhe darem o nome Renan, estavam profetizando seu inquieto e fulgurante brilho.


           










quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

COMPROVADAS AS ONDAS GRAVITACIONAIS DE EINSTEIN - E QUE MINAS TEM COM ISSO?


Cientistas anunciaram em 11-2-16 que em 14-9-15 ficou comprovada a hipótese de Einstein de que ondas gravitacionais percorrem o universo. Não só foram fisicamente comprovadas como ouvidas. Isso significa que, a partir daí, poderemos ouvir o som da onda provocada pelo bigbang, explosão universal supostamente ocorrida há quase 14 bilhões de anos. Einstein deduziu as ondas em 1916 e 100 anos depois, em 2016, elas foram comprovadas. Que isso tem com Minas Gerais?
Não podemos esquecer que foi no Brasil que se realizou  a confirmação da principal proposta de Einstein, a equação da relatividade. Isso ocorreu no Brasil porque houve um eclipse na cidade cearense de Sobral, em 1919, e com ele  foi possível comprovar a formulação do sábio alemão. Einstein deveria estar em Sobral para presenciar e celebrar sua façanha. Ele não veio e só visitou nosso país seis anos depois, em 1925.
No motivo de sua ausência em 1919 e de sua presença em 1925, entra um componente mineiro. Isto porque foi o médico mineiro Antônio da Silva Melo, de Juiz de Fora, o fator principal na decisão de Einstein para a viagem ao Rio de Janeiro. O cientista tinha medo de morrer de diarreia no calor tropical (ele padecia dessa catação-de-risco). Seu médico alemão o tranquilizou, indicando que seria recebido  no Rio por um médico que fora seu aluno e colaborador em Berlim e que este brasileiro, além de falar alemão fluentemente, era gastrenterologista de alta competência. Einstein foi tão bem tranquilizado que teria beliscado quitutes no mercado municipal e provado feijoada na residência de Melo.
Assim, quando Einstein desembarcou no Rio, foi recebido por dois mineiros: o também cientista e também descobridor Carlos Chagas e pelo criador da Gastrenterologia brasileira, Antônio da Silva Melo. E mais ainda: Einstein havia recebido o premio Nobel de Física em 1921, sendo que Carlos Chagas foi indicado para receber o premio Nobel de Medicina neste mesmo ano e não o recebeu por uma armação de gente má e poderosa, que não tolerava o fulgurante brilho deste mineiro.
Leonice Simões, Gilberto Felisberto Vasconcelos e João Amílcar Salgado, dois mineiros e um paulista, documentam a relação entre Einstein e Silva Melo. Já Carlos Amílcar Salgado, mais um mineiro, em seu livro A História da Dispepsia e a Dispepsia na História (2007), estuda a dispepsia que acometeu personagens históricos, um deles Albert Einstein.
João Amílcar Salgado


sábado, 12 de dezembro de 2015

CLÉO FELICORI, NOTÁVEL ARTISTA NEPOMUCENENSE
          A família Felicori é rica de gente talentosa em múltiplas áreas. Afonso Felicori foi arquiteto, saxofonista e compositor, sendo seu neto Afonso José autor do hino da cidade de Boa Esperança.        Romeu, cujo nome evoca a origem veronesa da família, foi legendário centroavante de nosso América. O Bôca (Clécio), irmão deste, foi raro futebolista, ao mesmo tempo ótimo goleiro e ótimo atacante.

Nonagenária, a Cléo continua produzindo desenhos, retratos, bordados e gobelins. A origem dos gobelins é disputada por flamengos, italianos e franceses. Os italianos, menos a Cléo, se recusam a usar a palavra gobelin. Por sinal, a elegante Cléo prima pela originalidade da manufatura de seus gobelins. Seus produtos artísticos são dignos do museu da cidade. Sua história de vida é tão bela quanto eles. Essa mulher culta, inteligente e adiante de seu tempo ainda não recebeu os aplausos que Nepomuceno, o Sul de Minas e o Brasil lhe devem.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

LIVRO "VIDA DO PADRE VÍTOR" DE JOÃO DE ABREU SALGADO -  reedição
Neste dia 14-11-15, data da beatificação do Padre Vítor, em Três Pontas, foi colocado à venda na REVISTARIA DO HÉSIO, na praça Cônego Vítor, 77, a reedição deste livro, que foi publicado pela primeira vez em 1946 e foi a primeira biografia do agora beato Padre Vítor. Todos os demais livros e textos sobre o cônego Vítor foram escritos a partir desta obra do professor João de Abreu Salgado, ex-aluno do biografado. A reedição foi feita por João Amílcar Salgado, neto do autor, que também é biógrafo do cientista Carlos Chagas e de várias figuras históricas. 

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

ÊNIO CARDILLO VIEIRA
O BAETÓFILO POR EXCELÊNCIA
João Amílcar Salgado
Em meu livro de memórias O RISO DOURADO DA VILA (2003), relato como conheci o Ênio: Se no primeiro ano médico o diretório acadêmico estava precariamente localizado no porão do prédio antigo (onde também começou o laboratório e a biblioteca criados por Baeta Viana), logo a seguir foi transferido para o andar superior do prédio em frente, do outro lado da avenida.  Lembro-me de subir as escadas e encontrar ali o Ênio Cardillo Vieira - logo depois meu monitor de bioquímica, na época fascinado pela vitamina A - que estava ali como membro do diretório estudantil, recebendo os formulários e retratos para nossas carteiras de estudante
O Ênio participou, portanto, do grupo que revolucionou a atividade estudantil, movimento contaminador de todo o resto do ensino superior em Minas. Em 2011, a propósito do centenário da Faculdade, foram convidados os componentes desse grupo para falar sobre tudo o que aconteceu, no curso de História da Medicina. Falaram  Ângelo Machado,  Jota Dângelo, José Gaetani, Wilson Abrantes,  Ely Bonini,   Márcio Vasconcelos Pinheiro,  Antônio Firmato,  Geraldo Caldeira e  João Uchoa Figueiró. O Ênio não quis falar mas estava presente em todos as apresentações e era citado várias vezes. Assim acabou falando depois de cada colega e a sua foi uma espécie de aula longitudinal ao longo do semestre. O lado de ativista estudantil não cessou com a formatura e o Ênio passou a usar este pendor inicialmente no grupo dirigente do Umuarama, antigo clube de médicos, e posteriormente na Academia Mineira de Medicina.
Sobre seu ativismo estudantil, o próprio Enio diz: Minha gestão foi de março de 1954 a março de 1955. Márcio Pinheiro elegeu-se, então, e foi Presidente do DA até novembro ou outubro de 1955. Isto porque houve uma reforma do estatuto do DA e a eleição passou a ocorrer no fim do ano, em vez do início do ano. Em fins de 1955, João Virgílio Figueiró foi eleito. Foi durante sua gestão que ocorreu a greve por um representante na Congregação. Ely Bonini foi o executor da greve. Razão da mudança: Quando a eleição era em março, o Presidente já pegava o DA com pouco dinheiro porque o repasse da Faculdade de Medicina ocorria no início do ano. A eleição no fim do ano permitiria que o novo presidente pudesse dispor da verba do ano.
O sul-mineiro areadense Ênio pertence à linhagem dos Vieira, gente ilustre em Minas, mais ainda no sul de Minas, e em mais de uma universidade. Provavelmente ligados aos Vieira do jesuíta Antônio Vieira e do humanista Couto de Magalhães, enriquecem a medicina mineira desde Vieira Couto, Vieira Matos, Antônio José Vieira de Carvalho, Antonio José Vieira de Menezes e Arnaldo Vieira de Carvalho, seja em Diamantina, seja em Vila Rica, seja em São Paulo, até os dias atuais, com Caio Manso Carvalho, Ronan Vieira, Filadelfo Siqueira, Álvaro Vasconcelos, Guilherme Cabral e (modéstia à parte) João Amílcar Salgado. Ao sul de Minas essa gente chegou, por meio de, entre outros, Francisco Vieira da Silva, oriundo da freguesia lusa de São João de Brito, termo de Guimarães, arcebispado de Braga.
 Ênio Cardillo Vieira foi para os EUA e de lá voltou com fino acabamento naquela disciplina saudável peculiar aos melhores cientistas. Essa disciplina se chama método, ou melhor, atitude científica. Aqui, ele, Eurico Alvarenga Figueiredo, Giovani Gazzinelli, Marcos Mares Guia, Carlos Ribeiro Diniz, Wilson Teixeira Beraldo, João Batista Veiga Sales, José Leal Prado, José Moura Gonçalves, Armando Neves e outros baetófilos (apelido dado no meio universitário aos discípulos de Baeta Viana) deram continuidade  à formidável obra do mestre. Observando o conjunto de tão sobrelevados discípulos não é possível deixar de notar quantos e quais são sul-mineiros. Dois destes fizeram contribuições históricas: Beraldo, de Silvianópolis, é co-autor da segunda maior descoberta biocientífica do país, a da bradicinina; Veiga Sales, de Lavras-Nepomuceno, é co-autor de fundamental desenvolvimento na química do DNA.
Por mais eminentes que os discípulos diretamente bioquímicos tenham sido, seria diminuir o mestre e eles próprios se não são citados os discípulos fora da bioquímica. Carlos Pinheiro Chagas (patologia, mais colega que discípulo),  João Galizzi (semiologia), Romeu Cançado (terapêutica), J.B. Greco e Antonio de Oliveira Lima (alergia), J. Benjamim Soares (análises clínicas), José Feldman (tisiologia), Nassim Calixto da Silveira (oftalmologia), Oscar Resende Lima e Flávio Neves (psiquiatria e música), Adauto Barbosa Lima (cardiologia),  Aprígio Abreu Salgado (epidemiologia), José Henrique da Mata Machado (ortopedia), Ivo Pitangui (cirurgia plástica), Tancredo Furtado (dermatologia), Carlos Pinheiro Chagas e Edgar Godoi Mata Machado (política), bem como Ageo Pio So e Marcos de Mares Guia (indústria). Todos eles levaram para além da bioquímica e a numerosos discípulos de terceira e quarta geração a mesma atitude cientifica baetiana.
Em nosso curso de História da Medicina, Ênio Cardilho Vieira ministrou conferências  sobre a evolução do conceito de radicais livres e sobre o desenvolvimento de animais experimentais isentos de micróbios. Demais, tem colaborado em nosso esforço de coligir dois acervos: a genealogia cientifica dos grandes mestres mineiros, no seu caso Baeta Viana, e aforismos  inesquecíveis dos mesmos. 
Independentemente da admiração a tais figuras tutelares, eu próprio como historiador não deixo de fazer críticas a Baeta Viana, como as contidas em capítulo do livro NOS SERTÕES DE GUIMARÃES ROSA (2011) editado por Carlos Alberto Corrêa Sales. Por outro lado, no livro ENSINO DA MEDICINA EM MINAS GERAIS E NO BRASIL (2013), encontra-se ampla documentação levantada por mim sobre a incomparável obra pedagógica e científica de Baeta Viana. A coleção de frases deste mestre começa por esta: O aluno deve ser a cobaia de si mesmo. Outra também muito lembrada: Dizem que o brasileiro tem complexo de inferioridade; ora, ele não tem complexo nenhum: é inferior mesmo! Para se conhecer a coleção completa cumpre aguardar a lista de Ênio Cardillo.



ÁLVARO VIEIRA DE VASCONCELOS PEREIRA
ENCICLOPÉDICO GINECOBSTETRA , NADADOR EMÉRITO E HISTORIADOR ORAL DO SUL DE MINAS E DA MEDICINA
João Amílcar Salgado
            O Álvaro era quartanista quando entrei no curso médico em 1955 e me lembro de sua figura exaltada, em meio à agitação da greve comandada, entre outros, por seu carismático colega de turma Marcio Vasconcelos Pinheiro. Trabalhei ou convivi com outros dos formandos de 57, que aqui aproveito para homenagear: Alberto Paolucci, Aníbal Lamego, Carlos Maletta, Célio Menicucci, Celso Affonso, Evaldo Furtado, Fernando Moreira, Francisco Laender, Geraldo Lustosa, Haroldo Lopes, Hélio Osório, Hugo Brandão, Hugo Pereira Resende, Idalmo Duarte, José Carlos Lanna, Manoel Firmato, Márcio Castro Silva, Múcio de Paula, Murilo Cotta, Noel Moreira, Tereza Sebastião e Vítor Coronho.
            Na ginecobstetrícia fui aluno de Rubens Monteiro de Barros, Hermínio Pinto e Iracema Baccarini. Já com Clovis Salgado trabalhei quando ele foi diretor da Faculdade.       Quando escrevi sobre esses docentes  necessitei do imenso repositório de informações do Álvaro, todas orais. Quanto mais dados me fornecia, mais me espantava de que não tenha escrito portentosa monografia sobre a especialidade em Minas. De fato, o Álvaro esteve na intimidade de cada avanço conquistado por Minas nesta área, especialmente a colposcopia, a citologia vaginal e a contracepção. Sabe tudo sobre as competições entre pessoas e serviços, inclusive alguns escândalos.
No final toda conversa derivava sobre os Vieiras. Minha amizade ao Álvaro foi estreitada exatamente pelo fato de que é meu quase conterrâneo, pois nasceu em Areado, muito próxima a Nepomuceno. Isso quer dizer que ele é um “biscoiteiro”, apelido que os nascidos em Areado (famosa por seus biscoitos) recebiam no colégio marista em Varginha. Confirmando isso tudo, ele então me revelou ser parente, pelo lado Vieira, de vários amigos em comum. São personagens surpreendentemente Vieiras, mostrando que este clã semelha verdadeira rede de poder em Minas e além de Minas. São Vieiras os médicos também areadenses Ênio Cardillo Vieira e Caio Manso Vieira de Carvalho, além de Filadelfo Siqueira (Divisa Nova), Guilherme Cabral Filho (de Muzambinho) e eu próprio.
            Pela espantosa consanguinidade sulmineira, os Vieiras se escondem em muitos sobrenomes: Abreu, Adelindes, Amaral, Arantes, Araújo, Azevedo, Bottrel, Brito, Carvalho, Castro, Costa Rodrigues, Couto, Dutra, Faria Belo, Faria Neves, Fernandes de Paula, Ferreira,  Freire, Garcia, Junqueira, Magalhães, Meimberg, Mesquita, Moura Ribeiro, Pereira, Prado Lima, Quintino, Salgado, Silva Mendes, Souza, Souza Diniz, Souza Silveira, Teixeira, Vasconcelos, Vilela, Vinhas de Castro e Xavier Mesquita. Isso é melhor visto pela figura anexa.
            O Álvaro é casado com a campeã de natação Alice Braga Pereira, minha grande amiga e assídua parceira não só nos passeios da academia de medicina mas na internete, onde faz transparecer sua grande cultura.
O Álvaro, depois de longa conversa sobre nosso parentesco, me advertiu: orgulho-me não só dos Vieiras, mas de ser primo do  jurista André Faria Pereira e da embaixatriz e escultora sulmineira Maria de Lourdes Alves Martins Faria.
André Faria, como procurador do Distrito Federal, usou de sua influencia junto a Osvaldo Aranha, então ministro da justiça do governo provisório de 1930, para dar início à criação da OAB. Já a campanhense Maria Martins é uma das mulheres mais ilustres da cultura mineira. Teve alucinante vida internacional, chegando a ser apontada como amante de Mussolini e de ter encantado Mao Tsé Tung.  




CAIO MANSO VIEIRA DE CARVALHO
 Excepcional oftalmologista nas medicinas humana e veterinária

João Amílcar Salgado

            Caio Manso Vieira Franco de Carvalho foi o primeiro veterinário a propor o exame de fundo de olho do animal vivo como método diagnóstico corrente. Só essa façanha já o coloca na história da medicina veterinária brasileira e mundial. No tempo em que tais pesquisas repercutiram, Belo Horizonte era o maior centro oftalmológico do Brasil, sob a liderança de Hilton Rocha, que, então,  arrebanhou o Caio para sua equipe.  E foi assim que três eminentes sul-mineiros – Nassim Calixto da Silveira, Manso e Rocha – passaram a dominar o estudo do fundo de olho no país, com notória projeção internacional.
            Aluno prodigioso em todos os cursos que frequentou, o alfeno-areadense Caio Manso percebeu a necessidade de se graduar também em medicina humana e, ao ser diplomado como tal, em 1972, na mesma Universidade Federal de Minas Gerais, em que já era professor titular, cumpriu um desejo de juventude. Ao abraçar o lado humano de sua primeira profissão de médico veterinário (desde 1947), alega apenas ter-se filiado ao poeta latino Terêncio Varrão, que disse: HOMO SUM – HUMANI NIHIL A ME ALIENUM PUTO (Sou homem – nada humano me é estranho). E, ao citá-lo em latim, sempre enfatiza o PUTO, entre irado e cômico.
Esta versatilidade horizontal inter-profissional já era prenunciada desde que foi jovem perito da polícia técnica, ao mesmo tempo que líder estudantil (e até pichador pró-democracia) no fim da ditadura Vargas. Ao lado de José Bento Teixeira Sales, subiu pela União Colegial até as instâncias nacionais da União Nacional dos Estudantes. Se não amasse tanto a docência e a ciência, teria feito carreira política, prenunciada por sua facilidade para falar e convencer, seja como ativista na juventude, seja como orador da turma, desde a escola inicial à universidade, seja ainda como paraninfo em diversas formaturas.
Finalmente, transformou-se em raro exemplo de distinto profissional e acatado docente nas duas medicinas, condição na qual se fez polivalente orientador de pós-graduandos em ambas.  Não contente com isso, levou seu dinamismo para fora dos muros acadêmicos, quer no consultório particular, quer em suas fazendas, quer ainda em empresa de produtos veterinários.  Sendo uma de suas fazendas província de cristal de rocha, ele ofereceu, para expormos no Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, belo bloco de quartzo. A peça aqui permanecerá em homenagem aos subsídios preciosos com que presenteou nosso acervo. Um destes é a frase de Richter, que sugeriu para divisa do Centro, de cujo colegiado é membro: AS RECORDAÇÕES SÃO O ÚNICO PARAÍSO DO QUAL NÃO PODEMOS SER EXPULSOS.
Seu  legado não se limita a ciência, cristais e frases, pois lá esta ela,  a majestosa árvore que plantou em área da ex-fazenda da Gameleira (depois Escola de Veterinária e Parque de Exposições, quando ali foi diretor do Parque e do Serviço de Produção Animal). Deve continuar preservada, inclusive com a necessária placa identificadora. Já nos áureos tempos do Hospital São Geraldo, houve ali, em pequena sala, um debate nada oftalmológico: enquanto Emir Soares defendia o gado pardo suíço (espionado por ele na Europa, junto com as lentes de contato), Manso elogiava o holandês. Eu fingia ser o juiz, mas, entre tais máquinas leiteiras, acabei optando pela nostalgia vermelha do caracu de minha infância. Daí surgiu interessantíssimo projeto a ser assessorado por Caio Manso, que nunca teve início, e que poderia ter culminado com a determinação do genoma caracu, no rastro do selecionador paulista Alfredo Penteado.
            E o Caio é, ele próprio, um homem de raça. Traz consigo heranças temperamentais e intelectuais de conhecidas linhagens do Sul de Minas: Manso, Franco, Monteiro, Carvalho e Vieira – freqüentadas por médicos, educadores, fundadores de cidades, usineiros de açúcar e até fundador de polícia. Enquanto os Francos, Carvalhos e Monteiros já comparecem a mais de um livro, os Vieiras merecem livro só deles, eis que as principais universidades do Sudeste recebem seu brilho.  Fora de Minas Gerais, exemplifico com Ronan José Vieira, o notável intensivista da Universidade Estadual de Campinas, e, em nossa própria Universidade, ao primeiro relance, cito Ênio Cardillo Vieira, Álvaro Vieira de Vasconcelos, Philadelpho Siqueira e Guilherme Cabral.
A história sulmineira os inclui em vários belos cometimentos, que não se vergam ao contrapeso de poucas peripécias controversas.  Quando jovem, seus familiares comentavam que saíra teimoso como o pai (um dos herdeiros da sesmaria do Campo Redondo). Certo dia os dois temperamentos idênticos se chocaram e o pai desabafou: este rapazote é teimoso demais!   Caio então respondeu de pronto: DIZEM QUE SOU TEIMOSO / MAS COMO NÃO SER TAMBÉM / SE O PINTO JÁ SAI DO OVO / COM A PINTA QUE O GALO TEM?
            Sobre as duas medicinas, recebi forte lição nos EUA. Ao chegar à escola médica da Universidade Estadual de Michigan (com a qual Caio também intercambiou) deparei com o nome FACULDADE DE MEDICINA HUMANA. Perguntei a meu amigo Robert Match por que aquele qualificativo HUMANA. Ele explicou: a universidade se iniciara por pioneira FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA e o respeito à história da instituição obrigava ao uso daquele adjetivo para designar a faculdade menos antiga. Por seu lado, Manso pode mostrar-se feroz como zeloso das coisas de Minas. Recentemente provou de um queijo que criticou ao fabricante, dizendo-o indigno da reputação de nossos laticínios. Foi então desafiado a fazê-lo melhor. Como, entre  os melhores técnicos no âmbito lácteo, havia vários  ex-alunos seus, hoje o fabricante se orgulha de ter queijo, manteiga e doce-de-leite simplesmente inigualáveis.
            Em nosso curso de História da Medicina, Caio ministrou inesquecível preleção sobre sua saga em torno da fundoscopia canina, recheada de suas inestimáveis contribuições à ciência, entre as quais quatro doenças cuja descrição foi o primeiro a fazer entre nós: a febre catarral maligna em bovino (virose de que o ovino é portador-são), a fascíola hepática (em colaboração com Bogliolo), a dermatofilose, todas em bovino, e a brucelose suína.   Ficou devendo duas outras aulas, que vem adiando porque alega querê-las repletas de erudição. Uma é sobre a contribuição da anatomia veterinária  à medicina e à arte, quando pretende inclusive deter-se em Leonardo da Vinci, que, inicialmente proibido de dissecar o corpo humano, dominou a anatomia símia.  Outra conferência, prometida há mais tempo ainda, trata da vida e da obra de esquerdista suíço de origem espanhola, o jacobino João Paulo Marat, em especial de sua produção científica, nomeadamente sobre óptica e a influência desta sobre Goethe, no âmbito da teoria das cores. O oftalmologista Marat não discriminava entre cuidar de gente e tratar de bicho.
            Caio Manso é um tremendo e intransigente detalhista, virtude que responde pelo substancioso legado que deixa à ciência de Minas e do mundo, mas que o fez privar-nos até agora destoutras demonstrações de seu saber e cultura.

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Ver os perfis semelhantes sobre Eurico Figueiredo, Carlos Diniz, Wilson Beraldo, Veiga Sales,  Armando Neves, Filadelfo Siqueira,  Guilherme Cabral e vários dos demais citados