João Amílcar Salgado

segunda-feira, 31 de maio de 2021

 

PLENILÚNIO AZUL SANGUÍNEO DE MAIO

JOÃO AMÍLCAR SALGADO


JOÃO A

Neste 26 de maio ocorreu a superlua - e que isso tem com Minas e com a Vila? É que um dos sonetos mais famosos da literatura brasileira é apelidado de PLENILÚNIO DE MAIO e seu autor é Antônio Augusto de Lima, importante personagem da história mineira. O sonetista tem relações de parentesco com a família Lima desta Vila, tendo sido colega de colégio do nepomucenense Manoel Correia de Souza Lima, este que proclamou a república em São Paulo 3 meses antes da proclamação oficial.

domingo, 30 de maio de 2021

 

NA VILA É POSSÍVEL SER ESQUISITO E ENGRAÇADO AO MESMO TEMPO
JOÃO AMÍLCAR SALGADO

            O farmacêutico João Salgado Filho, sentado no alpendre de sua residência, ficava apreciando os passantes, ali na rua Direita, hoje Ernane Vilela. Um ou outro parava para conversar, principalmente porque a prosa era boa, quase sempre com sobra de riso. Certo dia chegou-lhe o Ari Botelho e disse: Sargado, vou aproveitar que estou passando por aqui, para saber o que está acontecendo comigo: uma hora eu estava esquisito, outra hora eu estava engraçado, mas ultimamente vejo que estou esquisito e engraçado ao mesmo tempo, que será isso? Meu pai custou a acreditar no que ouviu, mas para degustar esta doença inteiramente nova, pediu que explicasse melhor. A explicação foi uma lenga-lenga interminável, até que chegou o Zé Viturino e meu pai disse: Ari, você foi de sorte, chegou quem entende de seu problema, acabe de explicar pro Zé. E deixou os dois ali, para ir à cozinha pegar uma asa frita.

Meu pai relatou a consulta do Ari ao Orico, sogro dele, dono da padaria ali na esquina. O padeiro arregalou os olhos, pensou e falou: Já sei, tudo isso é porque ele não é mais meu auxiliar. O farmacêutico sorriu: Então tá tudo resolvido, cê vai readmiti-lo, assim ele vai voltar a ser ou só esquisito ou só engraçado – e aí vai deixar de ser esquisito e engraçado ao mesmo tempo...  O Orico respondeu que isso definitivamente não iria acontecer. Por sinal, os filhos do Ari foram várias vezes atendidos por mim e garanto que estavam entre os meninos mais inteligentes da Vila.

E por que o homem foi demitido? O Ari estava no balcão e o dono arrumava uma prateleira atrás dele. Chegou um freguês e pediu um pedaço de goiabada. O balconista fincou um garfo no pedaço exposto na vitrine e ia entregando ao requerente. Quando este estava quase alcançando o doce, o ofertante recuou o garfo e disse a ele: Quem fez esta maravilha de goiabada é minha mulher, a Zilda; o pai dela vende este pedaço a 200 réis, é muito barato. O homem avançou para pegar o pedaço e o Ari recuou mais ainda e acrescentou: Para esse pedaço chegar até aqui tive que ir lá pra invernada do Jonas Vêga catar as goiabas, levei três tombos e uma cobra quase me mordeu. O freguês avançou mais uma vez e o Ari recuou o garfo pela terceira vez: O senhor precisa vê o trabalho que me deu mexê o tacho! O homem engoliu a saliva que já lhe descia pelos cantos da boca e gritou: Sô Ari, fique com essa goiabada, não quero mais - e pode ficá com os 200 reis que paguei!

FOTO DE ZILDA ANTUNES DE ALMEIDA, EXCELENTE PROFESSORA E CÉLEBRE PELA GOIABADA

 

[APERITIVO DO LIVRO “O RISO DOURADO DA VILA”, 2ª ED, BREVE]


domingo, 23 de maio de 2021

 MARCIO GARCIA VILELA - EMINENTE NEPOMUCENENSE

JOÃO AMÍLCAR SALGADO


Na meninice e juventude o Márcio Garcia Vilela era chamado por nós de Marcinho do Soneca. Era colega de escola da Neusa e seu irmão Marcelo era colega do Lívio. A tia Bebete era a professora do primeiro primário e chegou a nossa casa dizendo que o Marcinho do Soneca e o Carlinhos do Salgadinho (Joaquim Carlos Salgado) eram os mais inteligentes entre os que ela alfabetizou. À noite, na roda da farmácia, meu pai relatou essa opinião ao Soneca e ele enxugou os olhos, enquanto era abraçado pelos demais.  Na família todos diziam que o João Vilela, o Soneca e eu éramos três Vilelas, um o retrato do outro. Concordo plenamente.

Como sempre acontecia, os pirralhos do primeiro ano se apaixonavam pela dona Bebete, tal o carisma e a meiguice da mestra. No caso do Marcinho, ele tinha aula de manhã e à tarde já chegava à residência da dona Bebete, para “continuar a aula”. Na segunda vez, a mãe, a querida dona Niquinha (Antônia Garcia), foi junto para saber se aquilo podia acontecer e ouviu que o menino era “da família”.  Depois disso, à tarde, vários alunos ficavam por ali, no gostoso escritório, para enorme prazer de minha tia. Quando terminou o ginásio, o Marcinho me escreveu uma carta revelando seus planos e pediu minha opinião. Incentivei-o bastante e disse-lhe que, pela redação, ele seria um grande escritor. Sempre foi elogiado por seus discursos, por suas aulas universitárias e por sua elegância.  Após diplomar-se em direito em 1963, topei com ele e perguntei: como vai o jurista? Ele respondeu que faria concurso para embaixador. Parece que foi desviado para a política pelo Aureliano Chaves, que tinha alto apreço pelos udenistas de Nepomuceno. Surpreendentemente, da política ele se desviou para as finanças e se tornou banqueiro. Com o falecimento dos pais, os filhos Márcio e Marcelo deixaram de frequentar a Vila. A fazenda do Soneca, o Bom Jardim, mesmo nome da primeira fazenda dos Alves Vilela, era primorosa e vizinha da nossa. O Zé Gama era outro vizinho e me disse que os herdeiros pensavam em vende-la - e eu deveria me candidatar. Sua venda, entretanto, foi decidida às pressas e eu só soube depois.

O Marcinho casou-se com uma prima, dele e minha - a encantadora Maria Helena. A sogra é a Mariinha do Chico Lima, denominação usada por minha mãe, aquela que aparece na primeira página de meu livro O RISO DOURADO DA VILA (2003). O sogro é o médico Ernesto Maciel, homem inteligentíssimo e humorista finíssimo. O competente cardiologista Flávio, irmão da Maria Helena, foi meu aluno e residente. O Gu (Gustavo), neto do Flávio, é muito amigo de meus netos João Mateus e Fernanda.

 O Márcio, em BH, era vizinho e, tal como eu, freguês do divertidíssimo bate-papo do médico areadense Caio Manso. Pedi a este para confirmar se o Márcio estava ou não escrevendo suas aguardadas memórias. A resposta foi: parece que ele começou, mas parou...  Foi uma perda para nós todos.


terça-feira, 18 de maio de 2021

 TOMÁS COVAS E O AMIRCA


JOÃO AMÍLCAR SALGADO

Estamos em 2021 e em 1951, há 70 anos, vivi algo muito parecido com a tragédia de Tomás Covas. Na mesma idade dele, também perdi meu pai. Por causa dessa lembrança, acompanhei na tevê esse menino vivendo a emoção que vivi. Aqueles que tiveram perda semelhante devem estar sentindo o mesmo que nós dois. A melhor expressão de tal sentimento está na letra de uma canção, com a ajuda da qual, digo que um pai, até então inseparável, quando se vai ES UN PEDAZO DEL ALMA QUE SE ARRANCA SIN PIEDAD. O nome da canção é VEINTE AÑOS, mas para mim são 70 anos.


sexta-feira, 14 de maio de 2021

 


PORTUGAL E A MEDICINA

João Amílcar Salgado

            Dirigentes do futebol europeu anunciaram que a final da Liga dos Campeões, em 2021,  entre Chelsea e Manchester City, será na cidade do Porto, porque Portugal é o lugar mais seguro na pandemia. Vale lembrar que, na época da chegada dos lusos ao Brasil, Portugal possuía uma das melhores medicinas do mundo, principalmente pela presença de médicos de origem judaica, que eram formados em Salamanca e em outros centros de excelência. Um desses médicos foi Garcia de Orta, provavelmente aparentado a nossos Garcias, que revelou ao Ocidente a medicina oriental, muitas vezes à frente da europeia. Seu livro COLÓQUIO DOS SIMPLES E DROGAS E COISAS MEDICINAIS DA ÍNDIA (1563) jamais seria autorizado em Portugal, mas foi publicado em Goa. Segundo uma versão, foi chancelado pelo governador em estado de embriaguez, na comemoração de seu aniversário.  Outro médico genial foi Francisco Souza Sanches, cujo livro AQUILO QUE NÃO SE SABE (1581) teria sido plagiado por Descartes, em seu cogito. Muito antes, Pedro Julião Rebelo, que veio a ser o papa João 21, já era o primeiro oftalmologista do ocidente, com seu livro DA CURA DOS OLHOS (c. 1250). Francisco e Pedro são também provavelmente aparentados aos nossos Souza e Rabelo.

Quando João 6º chegou ao Brasil, a corte lusa estava envolvida em três questões médicas: a varíola de seu irmão, a loucura de sua mãe e a necessidade de que o Brasil oferecesse pelo menos cursos de cirurgia. O príncipe José, irmão mais velho de João 6º, seria o herdeiro do trono, mas sua morte, em 1788, aos 26 anos, causada pela varíola, exigiu que João passasse a herdeiro. A data da morte do príncipe José indica que este sofreu a varíola um ano antes da publicação sobre a vacina feita por Jenner em 1798. Mas antes da vacina de Jenner já havia o recurso à variolização, prática milenar oriental, divulgada na Europa por Lady Montagu, desde 1721. Tal recurso poderia ter salvo o príncipe José que foi educado e preparado para assumir o poder. Com sua morte, o príncipe João teve de ser improvisado para a missão difícil de governar aquele vasto reino, mais ainda naquelas circunstâncias históricas.

Já Maria 1ª foi a primeira rainha reinante de Portugal, filha de pai português, o rei D. José, e de mãe espanhola, Mariana de Bourbon. Este casal não teve filhos homens e daí Maria se tornou herdeira. Casou-se com um tio, Pedro 3º, e acompanhou a morte de vários filhos, inclusive a do príncipe herdeiro José, falecido dois anos após o pai (este também casado com uma tia). Os biógrafos apontam como circunstancia de sua loucura, além da consanguinidade, a mudança de uma vida inicial de mulher despreocupada, para o exercício súbito, em 1777 (um ano após a guerra de independência dos EUA), de pesadas responsabilidades masculinas, sob um céu existencial de terríveis nuvens ameaçadoras. Estas se compunham das mortes citadas, dos movimentos de independência nas Américas, do triunfo da revolução francesa, com reis guilhotinados, e do remorso pela aplicação da pena de morte a Tiradentes e a outros e pelas perseguições promovidas por Pombal, contra aristocratas suspeitos de judaismo e contra os jesuítas. Tudo isso era mais fanatizadamente aterrador e mais demonizadamente angustiante em consequência da exploração de seu pietismo infantil por seu confessor, o inquisidor José Maria de Melo, bispo do Algarve. Em outras palavras, Maria estava esmagada entre, de um lado, a força do pombalismo, com pressões para ser simples déspota, se possível déspota esclarecida e se possível ainda “déspota constitucionalista”, e, de outro lado, a versão católica do pietismo, de devoção ao Sagrado Coração, pregada por prosélitos da Visitação e inspirada em Santa Margarida Maria. A corte chegou a mandar vir o padre e médico Francis Willis que teria curado a loucura do rei inglês George 3º e que nada pôde fazer no caso da rainha, apesar dos honorários regiamente cobrados. A cura de George 3º, diante da terapêutica ministrada por Willis, levou alguns historiadores a levantar a suspeita de psicopatia orgânica reversível, como porfiria ou envenenamento. A idade avançada de 82 anos com que morreu Maria 1ª faz supor que sua loucura não era grave. O diagnóstico proto-nosológico de melancolia, mencionado na época, é interessante, pois continua em moda, hoje com a tentativa de moderniza-lo como síndrome depressiva, componente ou não da síndrome bipolar. 

[AGUARDEM “O RISO DOURADO DA VILA” 2ª ED]

domingo, 9 de maio de 2021

 

OS 4 MANOEIS DE ABREU

JOÃO AMÍLCAR SALGADO


Dos 4, o mais engraçado era o Nelico. Ele gostava muito de meu pai, mais ainda depois que este lhe disse que eram parentes pelo lado Abreu. E mais ainda depois que meu pai o colocou entre 4 Manoeis de Abreu famosos. Ele ficou surpreso: Por que sou famoso?  - Por quatro razões: é humorista popular, é sósia do José Maria Alkmin, é nome de praça na Vila e é inventor!  - O que é que inventei? – Esqueceu que inventou um galo que toca trombone! – Eu tinha esquecido, é verdade...

O segundo é o Nequinha da Vargem, famoso como galã na juventude e elegante pela vida toda, além de ilustre educador e dono de uma das melhores prosas da região.  O terceiro é o notável clínico e escritor Dr. Campanário, diplomado em 1931 pela Ufmg, colega de turma, entre outros, do nepomucenense Sócrates Veiga Costa, do trespontano Sebastião Mesquita e do lavrense Abdon Hermeto Pádua Costa. Manoel de Abreu Campanário ficou conhecido pelo livro A MEDICINA DO INTERIOR (1936), pelo qual foi acusado de se passar pelo inventor da abreugrafia. O inventor é o quarto Manoel de Abreu, paulista, ao lado de 3 mineiros. Foi injustiçado pela medicina do primeiro mundo, por deixarem de usar o termo abreugrafia, preferindo roentgenfotografia. ao mesmo tempo, seu xará memorialista foi injustiçado pela imprensa paulistana, acusado de identidade falsa.  Quando o mineiro provou que nascera antes do suposto fraudado, este não apenas se esforçou para sanar a injustiça, mas se tornou amigo pessoal do suposto fraudador.

[APERITIVO DO LANÇAMENTO DA 2ª EDIÇÃO DO LIVRO O RISO DOURADO DA VILA]

quinta-feira, 6 de maio de 2021

 


OS OUTROS PRIMOS GARCIAS E O OUTRO SETE ORELHAS

Como especialista em doença de Chagas, passei a estudar uma região vizinha a Nepomuceno, pouco antes e depois de minha formatura. Examinei pessoas em Calciolandia e em Pratápolis e fiquei impressionado com os sobrenomes correspondentes aos de minha cidade. Interessei-me pela história regional e correlacionei a expansão do Quilombo do Ambrósio com a expansão dessa doença. Troquei ideias com o Luiz Garcia Pedrosa, meu professor na UFMG, que, para provar que era parente dos Garcias Frades da Vila, me presenteou com o livro IGUATAMA, HISTÓRIA E GENEALOGIA (1983) de seu tio Djalma Garcia Campos.

A similaridade entre os Garcias é tal que os nossos tiveram o SETE ORELHAS, personagem de meu livro O RISO DOURADO DA VILA (2003), e os de lá tiveram o também famoso Luiz Garcia, personagem principal do filme FAROESTE (2014), dirigido em Pains, por Abelardo de Carvalho.

Para coroar tudo isso, o livro NOSSA HISTÓRIA (2019), de meu querido amigo José Aleixo Garcia de Carvalho, faz o documentário pormenorizado da genealogia dos sobrenomes que tanto chamaram minha atenção. Para os cinco anos dessa gigantesca investigação, o autor visitou 39 cidades, onde entrevistou 196 pessoas, cobrindo 140 anos do nosso passado e chegando a citar doze mil nomes.

É obra que honra os Garcias e brinda os admiradores dessa gente formidável.