PORTUGAL
E A MEDICINA
João Amílcar Salgado
Dirigentes
do futebol europeu anunciaram que a final da Liga dos Campeões, em 2021, entre Chelsea e Manchester City, será na
cidade do Porto, porque Portugal é o lugar mais seguro na pandemia. Vale
lembrar que, na época da chegada dos lusos ao Brasil, Portugal possuía uma das
melhores medicinas do mundo, principalmente pela presença de médicos de origem
judaica, que eram formados em Salamanca e em outros centros de excelência. Um
desses médicos foi Garcia de Orta, provavelmente aparentado a nossos Garcias,
que revelou ao Ocidente a medicina oriental, muitas vezes à frente da europeia.
Seu livro COLÓQUIO DOS SIMPLES E DROGAS E COISAS MEDICINAIS DA ÍNDIA (1563)
jamais seria autorizado em Portugal, mas foi publicado em Goa. Segundo uma
versão, foi chancelado pelo governador em estado de embriaguez, na comemoração
de seu aniversário. Outro médico genial
foi Francisco Souza Sanches, cujo livro AQUILO QUE NÃO SE SABE (1581)
teria sido plagiado por Descartes, em seu cogito. Muito
antes, Pedro Julião Rebelo, que veio a ser o papa João 21, já era o primeiro
oftalmologista do ocidente, com seu livro DA CURA DOS OLHOS (c. 1250).
Francisco e Pedro são também provavelmente aparentados aos nossos Souza e
Rabelo.
Quando João 6º
chegou ao Brasil, a corte lusa estava envolvida em três questões médicas: a varíola
de seu irmão, a loucura de sua mãe e a necessidade de que o Brasil oferecesse
pelo menos cursos de cirurgia. O príncipe José, irmão mais velho de João 6º,
seria o herdeiro do trono, mas sua morte, em 1788, aos 26 anos, causada pela
varíola, exigiu que João passasse a herdeiro. A data da morte do príncipe José
indica que este sofreu a varíola um ano antes da publicação sobre a vacina
feita por Jenner em 1798. Mas antes da vacina de Jenner já havia o recurso à
variolização, prática milenar oriental, divulgada na Europa por Lady Montagu,
desde 1721. Tal recurso poderia ter salvo o príncipe José que foi educado e
preparado para assumir o poder. Com sua morte, o príncipe João teve de ser
improvisado para a missão difícil de governar aquele vasto reino, mais ainda
naquelas circunstâncias históricas.
Já Maria 1ª foi
a primeira rainha reinante de Portugal, filha de pai português, o rei D. José,
e de mãe espanhola, Mariana de Bourbon. Este casal não teve filhos homens e daí
Maria se tornou herdeira. Casou-se com um tio, Pedro 3º, e acompanhou a morte
de vários filhos, inclusive a do príncipe herdeiro José, falecido dois anos
após o pai (este também casado com uma tia). Os biógrafos apontam como
circunstancia de sua loucura, além da consanguinidade, a mudança de uma vida
inicial de mulher despreocupada, para o exercício súbito, em 1777 (um ano após
a guerra de independência dos EUA), de pesadas responsabilidades masculinas,
sob um céu existencial de terríveis nuvens ameaçadoras. Estas se compunham das
mortes citadas, dos movimentos de independência nas Américas, do triunfo da
revolução francesa, com reis guilhotinados, e do remorso pela aplicação da pena
de morte a Tiradentes e a outros e pelas perseguições promovidas por Pombal, contra
aristocratas suspeitos de judaismo e contra os jesuítas. Tudo isso era mais
fanatizadamente aterrador e mais demonizadamente angustiante em consequência da
exploração de seu pietismo infantil por seu confessor, o inquisidor José Maria
de Melo, bispo do Algarve. Em outras palavras, Maria estava esmagada entre, de
um lado, a força do pombalismo, com pressões para ser simples déspota, se
possível déspota esclarecida e se possível ainda “déspota constitucionalista”,
e, de outro lado, a versão católica do pietismo, de devoção ao Sagrado Coração,
pregada por prosélitos da Visitação e inspirada em Santa Margarida Maria. A
corte chegou a mandar vir o padre e médico Francis Willis que teria curado a
loucura do rei inglês George 3º e que nada pôde fazer no caso da rainha, apesar
dos honorários regiamente cobrados. A cura de George 3º, diante da terapêutica
ministrada por Willis, levou alguns historiadores a levantar a suspeita de psicopatia
orgânica reversível, como porfiria ou envenenamento. A idade avançada de 82
anos com que morreu Maria 1ª faz supor que sua loucura não era grave. O diagnóstico
proto-nosológico de melancolia, mencionado na época, é interessante, pois
continua em moda, hoje com a tentativa de moderniza-lo como síndrome
depressiva, componente ou não da síndrome bipolar.
[AGUARDEM “O RISO DOURADO DA VILA” 2ª ED]