João Amílcar Salgado

domingo, 30 de maio de 2021

 

NA VILA É POSSÍVEL SER ESQUISITO E ENGRAÇADO AO MESMO TEMPO
JOÃO AMÍLCAR SALGADO

            O farmacêutico João Salgado Filho, sentado no alpendre de sua residência, ficava apreciando os passantes, ali na rua Direita, hoje Ernane Vilela. Um ou outro parava para conversar, principalmente porque a prosa era boa, quase sempre com sobra de riso. Certo dia chegou-lhe o Ari Botelho e disse: Sargado, vou aproveitar que estou passando por aqui, para saber o que está acontecendo comigo: uma hora eu estava esquisito, outra hora eu estava engraçado, mas ultimamente vejo que estou esquisito e engraçado ao mesmo tempo, que será isso? Meu pai custou a acreditar no que ouviu, mas para degustar esta doença inteiramente nova, pediu que explicasse melhor. A explicação foi uma lenga-lenga interminável, até que chegou o Zé Viturino e meu pai disse: Ari, você foi de sorte, chegou quem entende de seu problema, acabe de explicar pro Zé. E deixou os dois ali, para ir à cozinha pegar uma asa frita.

Meu pai relatou a consulta do Ari ao Orico, sogro dele, dono da padaria ali na esquina. O padeiro arregalou os olhos, pensou e falou: Já sei, tudo isso é porque ele não é mais meu auxiliar. O farmacêutico sorriu: Então tá tudo resolvido, cê vai readmiti-lo, assim ele vai voltar a ser ou só esquisito ou só engraçado – e aí vai deixar de ser esquisito e engraçado ao mesmo tempo...  O Orico respondeu que isso definitivamente não iria acontecer. Por sinal, os filhos do Ari foram várias vezes atendidos por mim e garanto que estavam entre os meninos mais inteligentes da Vila.

E por que o homem foi demitido? O Ari estava no balcão e o dono arrumava uma prateleira atrás dele. Chegou um freguês e pediu um pedaço de goiabada. O balconista fincou um garfo no pedaço exposto na vitrine e ia entregando ao requerente. Quando este estava quase alcançando o doce, o ofertante recuou o garfo e disse a ele: Quem fez esta maravilha de goiabada é minha mulher, a Zilda; o pai dela vende este pedaço a 200 réis, é muito barato. O homem avançou para pegar o pedaço e o Ari recuou mais ainda e acrescentou: Para esse pedaço chegar até aqui tive que ir lá pra invernada do Jonas Vêga catar as goiabas, levei três tombos e uma cobra quase me mordeu. O freguês avançou mais uma vez e o Ari recuou o garfo pela terceira vez: O senhor precisa vê o trabalho que me deu mexê o tacho! O homem engoliu a saliva que já lhe descia pelos cantos da boca e gritou: Sô Ari, fique com essa goiabada, não quero mais - e pode ficá com os 200 reis que paguei!

FOTO DE ZILDA ANTUNES DE ALMEIDA, EXCELENTE PROFESSORA E CÉLEBRE PELA GOIABADA

 

[APERITIVO DO LIVRO “O RISO DOURADO DA VILA”, 2ª ED, BREVE]


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