JOÃO AMÍLCAR SALGADO
O
farmacêutico João Salgado Filho, sentado no alpendre de sua residência, ficava
apreciando os passantes, ali na rua Direita, hoje Ernane Vilela. Um ou outro
parava para conversar, principalmente porque a prosa era boa, quase sempre com
sobra de riso. Certo dia chegou-lhe o Ari Botelho e disse: Sargado, vou
aproveitar que estou passando por aqui, para saber o que está acontecendo
comigo: uma hora eu estava esquisito, outra hora eu estava engraçado, mas
ultimamente vejo que estou esquisito e engraçado ao mesmo tempo, que será isso?
Meu pai custou a acreditar no que ouviu, mas para degustar esta doença
inteiramente nova, pediu que explicasse melhor. A explicação foi uma
lenga-lenga interminável, até que chegou o Zé Viturino e meu pai disse: Ari,
você foi de sorte, chegou quem entende de seu problema, acabe de explicar pro
Zé. E deixou os dois ali, para ir à cozinha pegar uma asa frita.
Meu pai relatou a consulta
do Ari ao Orico, sogro dele, dono da padaria ali na esquina. O padeiro
arregalou os olhos, pensou e falou: Já sei, tudo isso é porque ele não é
mais meu auxiliar. O farmacêutico sorriu: Então tá tudo
resolvido, cê vai readmiti-lo, assim ele vai voltar a ser ou só esquisito ou só
engraçado – e aí vai deixar de ser esquisito e engraçado ao mesmo tempo...
O Orico respondeu que isso
definitivamente não iria acontecer. Por sinal, os filhos do Ari foram várias
vezes atendidos por mim e garanto que estavam entre os meninos mais
inteligentes da Vila.
E por que o homem foi
demitido? O Ari estava no balcão e o dono arrumava uma prateleira atrás dele.
Chegou um freguês e pediu um pedaço de goiabada. O balconista fincou um garfo
no pedaço exposto na vitrine e ia entregando ao requerente. Quando este estava
quase alcançando o doce, o ofertante recuou o garfo e disse a ele: Quem
fez esta maravilha de goiabada é minha mulher, a Zilda; o pai dela vende este
pedaço a 200 réis, é muito barato. O homem avançou para pegar o pedaço
e o Ari recuou mais ainda e acrescentou: Para esse pedaço chegar até aqui
tive que ir lá pra invernada do Jonas Vêga catar as goiabas, levei três tombos
e uma cobra quase me mordeu. O freguês avançou mais uma vez e o Ari
recuou o garfo pela terceira vez: O senhor precisa vê o trabalho que me deu
mexê o tacho! O homem engoliu a saliva que já lhe descia pelos cantos
da boca e gritou: Sô Ari, fique com essa goiabada, não quero mais - e
pode ficá com os 200 reis que paguei!
FOTO DE ZILDA ANTUNES DE ALMEIDA, EXCELENTE
PROFESSORA E CÉLEBRE PELA GOIABADA
[APERITIVO DO LIVRO “O RISO DOURADO DA VILA”, 2ª ED, BREVE]
Nenhum comentário:
Postar um comentário