João Amílcar Salgado

domingo, 13 de junho de 2021

 ILUSTRES LIBANESES E CARVALHOS DO SUL DE MINAS

João Amílcar Salgado

A cidade sulmineira de São Gonçalo do Sapucaí se distingue na história da medicina brasileira por três marcos: 1) é o local de nascimento e destino de Faustino José Azevedo, diplomado em 1793,  um dos estudantes de medicina iluministas, denominados por Pedro Sales de o grupo de Montpellier, responsáveis pelas diversas inconfidências havidas na busca de nossa independência, 2) é o local do assassinato do Barão do Rio Verde cometido por um médico insano, causa de embate corporativo, e 3) é o local de nascimento de três médicos, um pai e dois filhos - esplendente trio, que faz transbordar de orgulho não apenas essa cidade, mas nosso Estado e nosso país. Estes são José, Márcio e Romeu Ibrahim de Carvalho, o primeiro formado no Rio em 1925 e os outros dois na atual UFMG, em 1952 e 1953 (aparentados aos Carvalhos da Vila).

            O são-gonçalense José Ibrahim de Carvalho, ligado à aristocrática escola cirúrgica de Brandão Filho, no Rio, ocupa lugar proeminente na medicina mineira, pois, desde a formatura, decidiu enfrentar a dura missão de dar assistência integral a sua cidade natal e região, com seu excepcional talento de polivalente clínico e seguro cirurgião.  Mais que isso, diante da precariedade das condições, não vacilou em construir hospitais e facilitar o acesso aos necessitados, além de lançar-se na política para conseguir aquilo que estava fora do alcance profissional. Com legendária popularidade, fez-se prefeito municipal, em quatro mandatos desde 1936. Daí assegurou melhorias sanitárias e ágil modernização nos aspectos urbanísticos e sociais, incluindo a educação, o esporte e a cultura.  Talvez não tenha havido médico no Brasil com tamanha capacidade para buscar e dominar recursos emergentes, tanto na saúde como nas demais áreas. Esteve sempre adiante de seu tempo, exemplo disso é a evolução que empreendeu para estar junto dos pacientes. Iniciou atendendo a cavalo, passou ao uso da motocicleta e depois do automóvel, ainda a percorrer estradas de carro de boi. Por fim, na década de 40, convenceu os fazendeiros a construir quatorze campos de pouso em suas fazendas, nos quais, com a maior desenvoltura, descia pilotando um avião Piper, popularmente apelidado de teco-teco. Mas sua maior realização, entre tantas e tão importantes, foi gerar dois expoentes de sua própria profissão, os magníficos doutores Márcio e Romeu.

A turma de 1952 da UFMG é invejável conjunto de médicos. Admiro entre eles o Márcio Ibrahim de Carvalho, que, sobre ser insuperável ortopedista, compõe aquele pugilo de personalidades que denominei varões plutárquicos da medicina.  Quando eu cursava o primeiro ano, em 1955, o Márcio já estava nos EUA, onde desenvolveu sua especialização em alto estilo, ou seja, de certo modo de costa a costa, primeiro em Filadélfia (Pensilvânia) e depois em São Francisco (Califórnia).  Um homem, com sua inteligência e com tal preparo, deveria ter regressado para ser meu professor de quinto ano em 1959, mas fui privado irreparavelmente desse privilégio.

O Márcio acumulou impressionante sucessão de êxitos como clínico, cirurgião, planejador, administrador e líder corporativo – sempre submisso à ética, quer no cuidado da mais humilde pessoa até no de muitas celebridades. Eu que estudei administração hospitalar, não me lembro de aula melhor sobre o tema do que quando o Márcio percorreu comigo os novos arranjos criados por ele no hospital Sarah Kubitschek de Belo Horizonte. Aquele ambiente de Niemeyer estava ali trabalhado por um médico capaz de preenchê-lo com a engenhosidade à altura de quem o criou.

 


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