VIAGEM
AO REDOR DE MEU QUARTO
Honra-me ter sido orador da turma em 1960,
exatos 30 anos após Guimarães Rosa ter sido orador, na mesma faculdade. Na
saudação a seu paraninfo - o sulmineiro Samuel Libânio, ex-aluno do Padre Vítor
- Rosa diz dele: “Ficaram
inesquecíveis para nós aquelas aulas, quando ele conduzia o bando de aventais
brancos por entre os leitos da enfermaria, em excursão “não menos instrutiva
por menos variada que a VOYAGE AUTOUR DE MA CHAMBRE”, segundo palavras dele
próprio.”
A VOYAGE (VIAGEM AO REDOR DE MEU QUARTO) é célebre texto de
Xavier de Maistre, de 1794, em que um homem é sentenciado à prisão em seu
próprio quarto, na companhia de um criado e um cão. Ali, em vez de se entregar
à melancolia, propõe ao mundo nova maneira de viajar: ao redor do quarto. Ora,
se Libânio considerava a ronda de leitos da enfermaria tão instrutiva quanto a
VOYAGE, é quase certo que Rosa, em sua viagem ao redor do regionalismo de seu
sertão nativo, o considerasse universalmente grande. Ou seja, como de Maistre,
Rosa propôs ao mundo nova maneira de ser literariamente universal, conforme aplauso
ouvido de leitores de todos os continentes.
Proposta análoga fora feita por James Joyce, em uma viagem também
universal ao redor de um dia e em outra ao redor de uma noite. Pablo Neruda,
por sua vez, percorre quatro partes de um dia, brindando-nos com cem sonetos de
amor.
Luiz Savassi Rocha, nosso maior roseólogo, assinala que Carlos Drummond
(formando em farmácia quando Rosa era calouro no mesmo ambiente universitário e
nele também contemporâneo de meu pai) dá notícia de outra VOYAGE ocorrida no
Brasil. Foi empreendida nos limites da
cela da prisão da Ilha Grande pelo eminente ornitólogo Helmut Sick, quando, por
ser alemão, ali ficou recluso à época da 2a guerra mundial. Drummond
diz: “Aí, não podendo estudar aves em sua
cela, estuda míseros companheiros de solidão: pulgas, percevejos, cupins – só
destes últimos, identifica onze espécies desconhecidas.”
Na mesma ocasião do Grande Sertão,
Aldous Huxley propõe uma sétima VOYAGE:
em torno da própria mente, com auxílio de alucinógeno – a qual Timothy Leary
chamou psicodélica e de cujo culto surgiu uma seita, o delismo, para alguns,
infernal.
[APERITIVO PARA “O RISO DOURADO DA VILA” 2ª ED - BREVE]
Nenhum comentário:
Postar um comentário