João Amílcar Salgado

segunda-feira, 21 de junho de 2021

 


VIAGEM AO REDOR DE MEU QUARTO

Honra-me ter sido orador da turma em 1960, exatos 30 anos após Guimarães Rosa ter sido orador, na mesma faculdade. Na saudação a seu paraninfo - o sulmineiro Samuel Libânio, ex-aluno do Padre Vítor - Rosa diz dele: “Ficaram inesquecíveis para nós aquelas aulas, quando ele conduzia o bando de aventais brancos por entre os leitos da enfermaria, em excursão “não menos instrutiva por menos variada que a VOYAGE AUTOUR DE MA CHAMBRE”, segundo palavras dele próprio.”

A VOYAGE (VIAGEM AO REDOR DE MEU QUARTO) é célebre texto de Xavier de Maistre, de 1794, em que um homem é sentenciado à prisão em seu próprio quarto, na companhia de um criado e um cão. Ali, em vez de se entregar à melancolia, propõe ao mundo nova maneira de viajar: ao redor do quarto. Ora, se Libânio considerava a ronda de leitos da enfermaria tão instrutiva quanto a VOYAGE, é quase certo que Rosa, em sua viagem ao redor do regionalismo de seu sertão nativo, o considerasse universalmente grande. Ou seja, como de Maistre, Rosa propôs ao mundo nova maneira de ser literariamente universal, conforme aplauso ouvido de leitores de todos os continentes.  Proposta análoga fora feita por James Joyce, em uma viagem também universal ao redor de um dia e em outra ao redor de uma noite. Pablo Neruda, por sua vez, percorre quatro partes de um dia, brindando-nos com cem sonetos de amor.

Luiz Savassi Rocha, nosso maior roseólogo, assinala que Carlos Drummond (formando em farmácia quando Rosa era calouro no mesmo ambiente universitário e nele também contemporâneo de meu pai) dá notícia de outra VOYAGE ocorrida no Brasil.  Foi empreendida nos limites da cela da prisão da Ilha Grande pelo eminente ornitólogo Helmut Sick, quando, por ser alemão, ali ficou recluso à época da 2a guerra mundial. Drummond diz: “Aí, não podendo estudar aves em sua cela, estuda míseros companheiros de solidão: pulgas, percevejos, cupins – só destes últimos, identifica onze espécies desconhecidas.”

Na mesma ocasião do Grande Sertão, Aldous Huxley propõe uma sétima VOYAGE: em torno da própria mente, com auxílio de alucinógeno – a qual Timothy Leary chamou psicodélica e de cujo culto surgiu uma seita, o delismo, para alguns, infernal.

 

[APERITIVO PARA “O RISO DOURADO DA VILA” 2ª ED - BREVE]

 

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