João Amílcar Salgado

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

 


O ADMIRÁVEL CLÃ DOS BERNARDES

João Amílcar Salgado

João Bernardes Caminha era conhecido pelo povão da Vila como João Bernardo. Menino ainda, eu gostava de ouvir a prosa dele com meu pai, na farmácia. Ele era um curandeiro de prestígio e percebi que meu pai lhe fez uma espécie de pós-graduação em farmácia galênica. Perguntou: “Sargado, as pessoas acham que sou parente do presidente Artur Bernardes, tem jeito de provar? Resposta: “ô João, você não precisa ser parente dele pra ser importante, porque você já é parente do Pero Vaz de Caminha; mas você é parente do Artur, sim, não só você como também todos os Bernardes mineiros, tudo gente que veio pra São João del Rei procedente de Braga, Portugal, na pessoa de Pedro Bernardes Caminha, e para lá chegaram da França”.  – “então eu sou francês?” – “é sim e sua vocação de curador vem de um seu primo francês que revolucionou a medicina, chamado Cláudio Bernardo”.

Liguei-me muito aos Bernardes pelos meus primos Bernardes Lima Salgado, filhos de nosso vizinho da rua de cima, João Teófilo Salgado - aclamados personagens (Zé, João, Paulo, Maria, Teresa) de meu livro O RISO DOURADO DA VILA.  Mais famigerado ainda é o primo deles, Vítor Bernardes Menezes, célebre como o caçador e humorista Vito Paca. Também caçador e humorista é outro primo, o Iô da Rita (João Bernardes Sobrinho). Sendo sobretudo branquelos, nada mais apropriado que a belíssima organista dessa gente se chame Branca. Para coroar, cito o Olivério José Bernardes dos Reis, que figura no pódio do pioneirismo ecológico, em Minas, ao lado do fundador da cidade, Mateus Garcia. E, entre as estupendas mulheres de nossa história, pontifica a Sinhaninha Bernardes dos Reis, a matriarca dos Rodrigues. Ela disse ao filho Paulo que a nossa farmácia era como se fosse a continuação da casa dos Rodrigues, dos Bernardes e dos Amorellis.

Pesquisei outros Vitos Pacas pela internete. Um deles é o ilustre engenheiro sanitarista Víctor Paca. Não se trata de alcunha, mas de sobrenome de antiga e importante família de Navarra, Espanha, sendo seu nome completo Victor Hugo da Motta Paca. Outros dois são Victor Paca, cantor dominicano conhecido por sua bela voz, em músicas românticas, e Víctor Paca, de Cabinda (Angola), onde a família Paca é proeminente.

CULTURA RESGATA CARTA DE 1974


 CARTA DO EDUCADOR PAULO FREIRE AO POETA TIAGO DE MELO

A carta foi escrita por Paulo Freire (1921-1997), enviada em 1974, de Genebra, na Suíça, e publicada no livro “Poesia Comprometida com a Minha Vida e a Tua Vida” de Tiago de Melo

De Paulo Freire
Para: Thiago de Mello

Eita, Thiago velho de guerra, amigo-sempre, companheiro imenso, poeta “de mesmo”, sorriso constante para o mundo e para os seres humanos, capaz de conversar com uma flor, de entender os passarinhos e doar a vida bonita aos esfarrapados do mundo, aguente o barco, irmão.

Precisamos de você, da sua fé e coragem, do seu desprendimento, da sua poesia – um grito de amor e de esperança, esperança na manhã de um amanhã de liberdade que homens e mulheres, oprimidos hoje, teremos de criar. Poeta que propõe aos oprimidos um discurso diferente – sua palavração. Um discurso permanente, que abalará vales e montanhas, rios e mares e deixará atônitos e medrosos os atuais donos do mundo. Precisamos do menino que você guarda em você e que ajuda a ser mais homem o homem que você é.

Aguente o barco, querido amigo! Muitas madrugadas, cheias de orvalho macio, esperam por você. Andarilho da liberdade, você tem ainda muitos trilhos a percorrer; seus braços longos, muitas crianças a abraçar; suas mãos, muitos poemas a escrever.

Geneve, 13 de janeiro de 1974

Paulo Freire

 

EIS O CÉLEBRE POEMA DE TIAGO DE MELO “OS ESTATUTOS DO HOMEM”

 

OS ESTATUTOS DO HOMEM
(Ato Institucional Permanente)

                            A Carlos Heitor Cony

 

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

 

 


segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

 

 

EDSON COELHO DE MORAIS é um cientista, cirurgião e historiador da UFMG, talvez nossa maior autoridade em ética da terapêutica genética. Depois de minha mensagem sobre o coração suíno, ele me enviou o texto que revela ter o receptor de transplante de coração de porco esfaqueado um homem sete vezes, anos atrás. Inicia a mensagem perguntando: João Amilcar, com este texto do The Wasington Post, pergunto: alguns seres humanos devem ou não ser beneficiados com o avanço da ciência? Concordo com o professor citado, quando disse que “Não estamos no negócio de separar pecadores de santos”.  Mas.... e os familiares da vítima?  Respondi que assino em baixo.

 

RECEPTOR DE TRANSPLANTE DE CORAÇÃO DE PORCO ESFAQUEOU UM HOMEM ANOS ATRÁS

The Washington Post 13/01/2022

 

     Leslie Shumaker Downey estava em casa cuidando de seus dois netos na segunda-feira quando uma mensagem tocou em seu celular. Sua filha havia enviado um link para uma notícia sobre um homem de 57 anos com doença cardíaca terminal. Três dias antes, no Centro Médico da Universidade de Maryland, ele havia recebido um coração de porco geneticamente modificado . O primeiro transplante do gênero foi histórico, salvando a vida do homem e oferecendo a possibilidade de salvar outras.

     Que grande avanço para a ciência, pensou Downey, lendo a manchete. Então seu telefone tocou novamente.

“Mommmmmm”, escreveu a filha de Downey. Ela disse a ela para olhar para o nome do homem.

     Downey congelou. O homem que estava sendo anunciado como um pioneiro da medicina, David Bennett Sr., era o mesmo homem que havia sido condenado em 1988 por esfaquear seu irmão mais novo sete vezes, deixando-o paraplégico.

     Edward Shumaker passou os 19 anos seguintes usando uma cadeira de rodas, antes de sofrer um derrame em 2005 e morrer dois anos depois – uma semana antes de seu aniversário de 41 anos.

     “Ed sofreu”, disse Downey, que mora em Frederick, Maryland. “A devastação e o trauma, por anos e anos, com os quais minha família teve que lidar.” Depois que Bennett saiu da prisão, ela disse, ele “continuou e viveu uma boa vida. Agora ele tem uma segunda chance com um novo coração – mas eu gostaria, na minha opinião, que tivesse ido para um destinatário merecedor.”

     Mais de 106.000 americanos estão na lista nacional de espera para um transplante de órgão, e 17 pessoas morrem todos os dias sem receber o órgão de que precisam. Diante de tal escassez, pode parecer inconcebível para algumas famílias que os condenados por crimes violentos recebam um procedimento de salvamento de que tantos precisam desesperadamente.

     Mas a maioria dos médicos não compartilha dessa visão. Não há leis ou regulamentos que proíbam alguém com antecedentes criminais de receber um transplante ou um procedimento experimental como o que Bennett fez.

     “O princípio-chave da medicina é tratar qualquer pessoa doente, independentemente de quem seja”, disse Arthur Caplan, professor de bioética da Universidade de Nova York. “Não estamos no negócio de separar pecadores de santos. O crime é uma questão para aplicação da lei.”

     Embora essa seja a posição oficial das autoridades federais e dos comitês de ética encarregados dos regulamentos de transplantes, é dada ampla discrição em nível local aos hospitais, que decidem quais indivíduos se qualificam para serem adicionados à lista de espera nacional.

     Nesse nível, outras considerações são frequentemente levadas em consideração, incluindo o histórico de abuso de substâncias de uma pessoa ou o risco de um prisioneiro desenvolver uma infecção enquanto estiver encarcerado, juntamente com o acesso a cuidados de acompanhamento.

     Os especialistas em ética médica argumentam que o sistema de justiça criminal já impõe pena de prisão, restituição financeira ou outras punições aos condenados por crimes violentos. A retenção de serviços médicos não faz parte dessa punição.

     Essa divisão entre os sistemas legal e médico existe por um bom motivo, disse Scott Halpern, professor de ética médica da Universidade da Pensilvânia.

     “Temos um sistema legal projetado para determinar a reparação justa para crimes”, disse ele. “E temos um sistema de saúde que visa prestar cuidados sem levar em conta o caráter pessoal ou a história das pessoas.”

     Funcionários do Centro Médico da Universidade de Maryland se recusaram a dizer se sabiam sobre o passado criminoso de Bennett.

     Em uma declaração por escrito, as autoridades disseram que o hospital de Baltimore oferece “cuidados que salvam vidas a todos os pacientes que passam por suas portas com base em suas necessidades médicas, não em seus antecedentes ou circunstâncias de vida”.

     “Este paciente veio até nós em extrema necessidade”, acrescentaram os funcionários, “e foi tomada uma decisão sobre sua elegibilidade para o transplante com base apenas em seus registros médicos”.

     'Eu quero viver'

     Em entrevistas imediatamente após a cirurgia histórica de nove horas, os médicos de Bennett disseram que propuseram o procedimento experimental depois que seu hospital e outros consideraram Bennett inelegível para um transplante de coração humano normal.

    Bartley Griffith, que realizou a cirurgia, disse a repórteres que a condição do paciente - insuficiência cardíaca e batimentos cardíacos irregulares - tornou Bennett inelegível.

     Seu filho David Bennett Jr., que trabalha como fisioterapeuta na Carolina do Norte, também disse que vários hospitais se recusaram a aceitar seu pai na lista de espera porque ele falhou no passado em seguir as ordens dos médicos e comparecer às consultas de acompanhamento. Ele também não tomava sua medicação de forma consistente.

     Bennett Sr. começou a ter sintomas de insuficiência cardíaca em outubro – inchaço nas pernas, fadiga, falta de ar. Em 10 de novembro, ele foi levado para a Universidade de Maryland. Enquanto Bennett confrontava sua mortalidade, disse seu filho, ele se perguntava sobre sua capacidade de ajudar os outros, possivelmente doando seus órgãos ou ajudando a fazer avançar a medicina de alguma forma.

     Mas Bennett também estava curtindo sua vida. Ele mora em um duplex, ao lado de uma de suas três irmãs. Ele gostava de trabalhar como faz-tudo, torcer pelo Pittsburgh Steelers e passar tempo com seus cinco netos e seu cachorro, Lucky.

     Griffith disse ao New York Times que ofereceu a Bennett a opção de um coração de porco em meados de dezembro.

     “Eu disse: 'Não podemos dar a você um coração humano; você não se qualifica. Mas talvez possamos usar um de um animal, um porco”, contou Griffith. “Isso nunca foi feito antes, mas achamos que podemos fazê-lo”. ”

     "Eu não tinha certeza de que ele estava me entendendo", acrescentou Griffith. “Então ele disse, 'Bem, eu vou deixar perder?' ”

     Na véspera de Ano Novo, as autoridades federais concederam uma autorização de emergência para o procedimento experimental.

“Era morrer ou fazer esse transplante”, disse Bennett em comunicado um dia antes de sua cirurgia.

     Até então, ele já havia passado semanas acamado no hospital.

    "Eu quero viver", disse ele. “Eu sei que é um tiro no escuro, mas é minha última

escolha.”

 

'Violência extrema'

     Quase 34 anos atrás, em 30 de abril de 1988, Bennett entrou no Double T Lounge em Hagerstown, Maryland, onde Edward Shumaker, de 22 anos, estava bebendo e conversando com a então esposa de Bennett, Norma Jean Bennett.

     Os dois homens tinham frequentado o ensino médio juntos.

     Shumaker era um cara bonito, disse sua irmã, com olhos azul-acinzentados e cabelo tão escuro que era praticamente preto. Seus braços eram musculosos por trabalhar na construção, e ele tinha uma fraqueza por colônias caras e roupas bonitas.

     A esposa de Bennett sentou-se no colo de Shumaker, de acordo com um artigo de 6 de outubro de 1989 no Daily Mail, um jornal de Hagerstown. Depois disso, Bennett, então com 23 anos, atacou Shumaker enquanto ele jogava sinuca. De acordo com o depoimento do tribunal, Shumaker havia se abaixado para pegar algumas moedas quando sentiu um golpe nas costas, fazendo com que ele perdesse a sensibilidade nas pernas. Bennett então o esfaqueou repetidamente no abdômen, peito e costas.

     Depois de fugir, Bennett foi preso em uma perseguição em alta velocidade e acusado de intenção de matar e portar abertamente uma arma escondida com intenção de ferir, entre outras acusações. Como o crime ocorreu há mais de três décadas, funcionários do tribunal disseram que o arquivo do caso havia sido destruído, embora o Washington Post tenha obtido documentos resumidos restantes que confirmaram sua condenação.

    Um júri finalmente absolveu Bennett de intenção de assassinato, mas o considerou culpado de agressão e porte de arma escondida.

    Em sua sentença, o então juiz do circuito do condado de Washington, Daniel Moylan, chamou o esfaqueamento de um caso de “violência extrema”, informou o Daily Mail.

     Bennett foi condenado a 10 anos de prisão e condenado a pagar US $ 29.824 em restituição a Shumaker. A Divisão de Correções do estado disse que Bennett cumpriu seis desses anos e foi libertado em 1994.

Shumaker e sua família também processaram Bennett, que foi condenado a pagar US$ 3,4 milhões em danos. Os registros mostram que durante anos – mesmo após a morte de Shumaker em 2007 – o tribunal continuou renovando seu julgamento e ordenando que Bennett pagasse o que devia.

     Downey disse que seus pais nunca receberam um centavo do processo. Seu pai era operador de empilhadeira; sua mãe trabalhava no departamento de fraudes de um banco. Eles fizeram empréstimos para comprar uma van para deficientes e outros equipamentos para o filho.

     "Nenhuma pessoa com deficiência gosta de fazer um grande negócio, mas a vida em uma cadeira de rodas é exaustiva, mental e fisicamente", disse Shumaker ao Hagerstown Journal em um artigo de 31 de outubro de 1990.

     O ataque, disse Downey, reverberou em sua família por anos, separando-os. Seu irmão mais novo, que trabalhava como paramédico, foi quem deixou Shumaker no bar naquela noite, antes de se apresentar em seu turno em uma ambulância. Ele tinha sido o primeiro a responder à cena.

     A essa altura, Shumaker havia perdido quatro litros de sangue, disse Downey, e sofreu cortes no estômago, baço e outros órgãos.

     "Ed estava dizendo: 'Não me deixe morrer'", disse ela.

     Após o esfaqueamento, seu irmão mais novo lutou com a culpa. Ele observou como Shumaker sofria de infecções por estafilococos, sepse e escaras nas costas que eram tão grandes que Downey podia colocar seu punho dentro delas. Ele observou como seu irmão entrava e saia de casas de repouso. Ele se culpava por ter deixado Shumaker no bar naquela noite e por ser incapaz de evitar sua paralisia. Eventualmente, ele se tornou viciado em opióides, morrendo em 1999 de uma overdose. Ele tinha 28 anos.

     “Foi um inferno puro até o dia em que Ed morreu”, disse Downey.

     Agora, enquanto Downey lia sobre o homem sendo elogiado por sua bravura, ela pensava na dor incalculável que ele havia trazido à sua vida.

    O filho de Bennett não quis discutir os antecedentes criminais de seu pai.

     “Meu pai nunca, nunca, em toda a sua vida, falou comigo sobre isso”, disse ele. “Não vou falar nada sobre isso.”

     Mais tarde, através do hospital, ele emitiu esta declaração: “Minha intenção aqui não é falar sobre o passado do meu pai. Minha intenção é focar na cirurgia inovadora e no desejo do meu pai de contribuir para a ciência e potencialmente salvar vidas de pacientes no futuro.”

     Ele descreveu seu pai como um homem privado e altruísta. Ele havia pensado profundamente sobre os riscos envolvidos com a operação – e como ela poderia ajudar outras pessoas.

     “Isso foi algo que me deixou orgulhoso como filho”, disse Bennett Jr. sobre a decisão de seu pai de prosseguir com o transplante. “Isso supera tudo, em termos do que me deixa orgulhoso. Ele tem uma forte vontade e desejo de viver.”

     Bennett Jr. disse a seu pai que estava orando por ele. Ele respondeu: “Estou orando por você e sua família também”.

 

Um prognóstico incerto

     Por décadas, pesquisadores perseguiram a tentadora perspectiva de usar órgãos de animais para salvar humanos. Tornar tais procedimentos – chamados xenotransplantes – uma realidade salvaria vidas incalculáveis.

     Mais de 6.000 pessoas morrem todos os anos esperando que uma tragédia atinja outras – um acidente de carro ou homicídio que de repente libera um coração, pulmão ou rim desesperadamente necessário. Cerca de 20% das pessoas na lista de espera para transplante de coração morrem ou ficam doentes demais para receber um.

     A capacidade de usar órgãos de animais – auxiliados por avanços na clonagem e edição de genes – mudaria isso. O coração de porco há muito é visto como um substituto ideal por causa de suas muitas semelhanças com o coração humano, e as válvulas cardíacas de porco já são usadas em procedimentos humanos.

     Bennett Jr. disse que seu pai já havia recebido uma válvula de porco em uma operação há mais de 10 anos. Em uma conversa com seu médico, ele havia dito: “Doutor, já tenho parte de um porco em mim”.

     Os médicos praticaram a implantação de corações de porco geneticamente editados em babuínos. Mas nenhum humano foi mantido vivo antes com um coração de um animal editado por genes, tornando desconhecido o prognóstico da sobrevivência de Bennett.

     Na segunda-feira, Bennett estava respirando sozinho, mas ainda conectado a uma máquina coração-pulmão. Na terça -feira , os médicos conseguiram tirá-lo da máquina coração-pulmão.

     O hospital se recusou a dizer quanto custou o procedimento, mas planeja cobrir as despesas porque é experimental.

     "Esse novo coração ainda é uma estrela do rock", disse o médico de Bennett, Griffith, na quarta-feira em um vídeo gravado pelo hospital. "Parece razoavelmente feliz em seu novo hospedeiro, batendo forte. Eu diria que superou nossas expectativas. ”

    Alguns dias após a operação, Bennett conseguiu falar novamente. “Obviamente, uma voz suave, mas fazendo melhor do que eu acho que qualquer um poderia esperar”, disse seu filho.

     Downey não nega a importância do transplante. Mas ela disse que doía ver as pessoas chamando Bennett de herói. Para sua família, ele era tudo menos isso.

     “Ele está recebendo outra chance de vida”, disse Downey. “Mas meu irmão Ed não teve uma chance de vida. Ed recebeu uma sentença de morte.”

    Ela leu história após história sobre o transplante. O nome de seu irmão não foi mencionado em nenhum lugar.

 

Autores

Lizzie Johnson

Lizzie Johnson é uma repórter empresarial do The Washington Post e autora de "Paradise: One Town's Struggle to Survive an American Wildfire". 

 

William Wan

William Wan é um repórter empresarial focado em histórias narrativas e de alto impacto no The Washington Post. Anteriormente, ele atuou como repórter nacional de saúde durante a pandemia, correspondente da China em Pequim, correspondente nacional dos EUA, repórter de política externa e repórter de religião.

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

 

A FAÇANHA CIENTÍFICA DO CORAÇÃO SUÍNO HUMANIZADO

João Amílcar Salgado

 


A ciência conseguiu a façanha de humanizar o coração de um porco e, agora,  em 8/1/22, o transplantou a um homem, no caso o paciente David Bennett.  Os negacionistas não acreditam na ciência e isso é autêntica demonstração de espírito-de-porco. Ainda não estamos próximos de testemunhar o transplante de um cérebro suíno humanizado a algum necessitado. O mais exequível e desejável será aproveitar cérebros de pessoas normais, em condições de serem eticamente doados.  Assim, poderão ser transplantados a negacionistas, em substituição a seu espírito-de-porco.

domingo, 9 de janeiro de 2022

 


ACONTECEU NA VILA

João Amílcar Salgado

A pequena cidade pouco diplomava alguém numa faculdade. Então aquele era um dia de festa, pois acabara de chegar um filho recém-formado. Na véspera, ele foi levado pelos amigos para uma noitada boemia. Maldormido e ainda sob efeito da mistura de vinho e cachaça, lembrou que parentes e amigos o Aum era dele e estacionado na porta do bordel. Ele assume o volante e a mais coquete das meninas pede que antes a leve para um passeio pelas ruas próximas. Ele tem uma ideia: escolhe seis garotas vistosas e pede que vistam leves saiotes de renda, mas sem nada por baixo. Conduz o fordeco, com a capota arriada, para desfilar em frente ao Bar Central. Havia ali apenas três rapazes e ele diz: avisa aí que vou dar a volta. Quando está de volta já há um ajuntamento. Justo em frente à turma, ele diz às jovens que levantem os saiotes. As desfilantes são vibrantemente aplaudidas.  Quando vai levá-las de volta, inadvertidamente faz uma guinada contrária e se vê defronte à família e amigos, todos enfarpelados e aglomerados próximos a sua casa. Ele se assusta e grita para as meninas: escondam-se!. Todas abaixam as cabeças e dobram os joelhos. E os surpresos convidados contemplam uma inusitada exibição de belos contornos anatômicos.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

 


OS MACIÉIS

João Amílcar Salgado

A família Maciel se diz oriunda da França. Aparece em Portugal próximo a Viana do Castelo, desde 1500. Migra cedo para os Açores e para São Paulo e se une a famílias bandeirantes e ilhoas. Um ramo vem para Minas, especialmente às cidades de Ouro Preto, onde nasce José Alvares Maciel, e Machado, onde nasce Ernesto Maçiel, mais adiante vai para Bom Despacho, onde nasce Olegário Maciel, cuja família se move para Patos. O médico machadense Ernesto Maciel casou-se com minha prima Mariinha Lima, de Nepomuceno, genitores da Maria Helena, esposa do também nosso primo Márcio Garcia Vilela.

Quando tomei posse no Instituto Histórico de Minas, fiz o estudo de meu patrono Diogo Vasconcelos, pai do outro Diogo, comparando-o ao mineralogista José Alvares Maciel, ambos inconfidentes. Os dois foram vítimas dos arranjos do Visconde de Barbacena, Luiz Antônio Furtado de Mendonça Castro, para que este próprio se isentasse da devassa. Diogo foi o primeiro historiador da medicina e da ciência mineira, fato que traduz feliz nexo entre ele e minha especialização em história da saúde. O Visconde havia sido companheiro de Maciel em pesquisas mineralógicas. Tal intimidade poderia denunciá-lo como inconfidente. Por causa disso, em autêntica queima de arquivo, José acabou morrendo no exílio, na África. E não é que, para meu regozijo, os historiadores da química Robson Araújo e Carlos Filgueiras fazem, em 2017, completo estudo exatamente sobre estes dois homens ligados à conjuração?  

Quanto a Olegário meu pai, que foi ativista da Revolução de 30, ouviu em sua farmácia que o Francisco Campos (Chico Ciência) estaria envolvido na morte inesperada do governante. Isso abriu caminho para que Valadares, primo do Chico e esposo da Odete, prima de Vargas, surgisse do nada para ser interventor.

Já os Mendonça da célebre fazenda Quebra-Panela, de Nepomuceno, certamente são descendentes do bandeirante letrado Salvador Furtado de Mendonça, que foi um dos homens mais ricos da história de Minas. Sua prosperidade está relacionada a sua incontestável competência, mas sobretudo ao caminho aberto por seu sobrenome. Inúmeros descendentes, filhos da esposa e de concubinas negras, indígenas e mestiças, inclusive, entre aqueles, a altiva Maria Tangará, encontram-se por toda Minas Gerais, em grande parte denunciados por persistente semelhança física. Sou colega de universidade do excelente ortopedista Gustavo Mendonça, que é de Pitangui e nunca foi ao sul de Minas. Na Vila, num congraçamento de gente do Quebra-Panela, havido na pizzaria do Carlos Ivan, mostrei a foto do dr. Gustavo, sem dizer o nome, e perguntei se conheciam. Unanimemente, cada qual respondeu: que é Mendonça é, mas não sei quem é...

[ESTA MENSAGEM RESULTA DE QUE AMBIGUEI ÁLVARES E OLEGÁRIO, NO TEXTO SOBRE A MEDICINA PATENSE. PODE SER CONSIDERADO UM TRIBUTO, SOB A FORMA DE EQUÍVOCO, ÀS AMBIGUIDADES DE OLEGÁRIO EM SUA CARREIRA POLÍTICA]

 

domingo, 2 de janeiro de 2022

 


ENFIM FOMOS BRINDADOS COM O LIVRO MUSEU DA MEDICINA DE PATOS DE MINAS

João Amílcar Salgado

Seu pai admirava tanto o papa João 23 que resolveu homenageá-lo duplamente no nome do filho. Denominou-o Giovanni Roncalli, isto é, o prenome religioso e o sobrenome civil do pontífice.  Quando o portador da homenagem, já estudante de medicina, apareceu no Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, percebemos nele que seria incomum médico e raríssimo historiador. E não é que hoje ele é de fato ambas as coisas?  No cipoal de especialidades da medicina atual, cumpre aplaudir um excepcional clínico, nosologista e pneumologista - também bibliófilo, historiador, museólogo, pianista, compositor, poeta e pessoa de finíssimo trato.

Pois bem, exultemos todos, porque, agora findante 2021, acaba de ser publicado seu esperado livro MUSEU DA MEDICINA DE PATOS DE MINAS, na verdade, completa documentação da medicina regional, especificamente um centro de memória tão novo e já riquíssimo. Encontramos nele 6 celebridades que foram parar em Patos: Agripa Vasconcelos e Ubaldino Gusmão (residentes) e Carlos Chagas, João Penido Fo, Otávio de Magalhães e Samuel Libânio (visitantes e personagens de Nava). Agripa foi versátil médico rural ali de 1943 a 47. Ubaldino, baiano conquistense (parente de Sebastião Gusmão, outro raro historiador), foi manchete na grande imprensa por operar a si próprio, com êxito, de apendicite, em 1943. A visita dos outros foi preciosamente descrita pela jovem Risoleta Maciel sobrinha do futuro governador Olegário Maciel, quando lhes descreve a comida, os atendimentos prestados e as peculiaridades pessoais. Chagas e Penido eram caçadores e chegaram com cães de luxo. O irmão de Risoleta foi à residência do Penido em Juiz de Fora e confessou humilhado à esposa: : “Yayá, a casa dos cachorros do doutor é muito melhor do que a nossa...!

Na aula de História da Medicina, que o Giovanni nos ministrou em 2008, seu pai, Dercílio, estava presente e o conferencista, mineiramente, interrompeu sua exposição para pedir-lhe: “papai, o senhor era engraxate e pode depor sobre o tamanho dos pés do Dr. Euphrasio”. Referia-se ao médico e poeta Euphrásio Rodrigues, também baiano, municipalmente famoso pela competência e talento, mas também pelo enorme tamanho dos pés. O pai do Giovanni, quando menino, engraxava sapatos e testemunhou não só a dimensão podal do doutor, mas garantiu que este era um cliente correto de qualquer engraxador, pois aceitava pagar em dobro pelo serviço.