João Amílcar Salgado

segunda-feira, 3 de junho de 2024

 



NEPOMUCENO E OS GAÚCHOS

João Amílcar Salgado

Fiz uma conferência em Florianópolis e meus amigos da universidade federal de lá ficaram surpresos e emocionados, quando pedi que arranjassem minha visita à comunidade açoriana. Justifiquei: “sou descendente de açorianos vindos para Nepomuceno”.  Hoje acompanhamos a tragédia de Porto Alegre, cidade que começou, em 1752, com a chegada de 60 casais açorianos, sendo seu primeiro nome Porto dos Casais. Quando mudaram o nome para Porto Alegre, talvez não considerassem que os casais estavam ali provisoriamente, mas quiseram ficar em definitivo. Sim, depois da dificílima viagem, aquilo ali era um alegre paraíso: alimentavam-se, com o mínimo esforço, de pato, peixe e camarão da lagoa em frente. Entre os casais encaminhados ao sul, havia, por exemplo, Garcias e Corrêas, primos dos nossos.

A viagem até aqui significava dias e dias incrivelmente angustiados, em veleiros sucedâneos de barcos negreiros, de higiene e alimentação péssimas, principalmente para as mulheres, confinadas no porão, onde só entravam o capelão e o capitão. Adoeciam quase todos de diarreia, tosse e dermatoses, sendo o escorbuto o pior mal. Pelo menos dois navios naufragaram. Apesar do mundão de terras, as famílias, em vez de premiadas com sesmarias, recebiam sítios, onde deviam plantar trigo, cevada, hortaliças, uva e outras frutas, além de criar ovelha. Uma fruta era a laranja serra-dágua então chamada “da ilha” ou “ilhoa”.  O trigo não deu certo e passaram para o tabaco, o queijo, o boi e o porco, além das aves, como ocorreu aqui na Vila. A renda maior provinha do couro, da banha e do queijo. 

A diáspora açoriano-madeirense envolveu a suposição de que seus habitantes, descendentes de colonos ibéricos e flamengos, estavam pré-adaptados ao trópico. O encaminhamento ao sul era resultado do Tratado de Madrid (1750), conquistado pelo habilíssimo diplomata brasileiro Alexandre de Gusmão, que afastou a linha de Tordesilhas rumo aos Andes. Ele é irmão do também genial Bartolomeu de Gusmão, pioneiro aeronauta. Os migrantes vieram, também, para a reposição populacional do planejado massacre das reduções guaranis-jesuíticas (7 Povos), perpetrado, aliás, por bandeirantes, genocidas, dos quais descende gente da Vila, inclusive eu.

 

 

 

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