João Amílcar Salgado

domingo, 17 de outubro de 2021

 


MEDICINA E ÉTICA

Menino atento, ouvi meu pai elogiar o Michel Mansur, seu grande amigo de juventude. Disse que ele era descendente direto do califa Al Mansur, fundador da cidade de Bagdá. Acrescentou que, sem este notável líder abássida, a medicina não teria o desenvolvimento que teve. A partir desse episódio doméstico, passei a estudar os terapeutas populares, os primeiros médicos xamanísticos, as figuras lendárias como a divindade Endovélico, o arcanjo Miguel e o deus Asclépio e as figuras já históricas como, dentre outros, Imotepe, Susruta, Empédocles, Demócrito, Hipócrates, Aristóteles, Erasistrato, Jesus, Dioscóride, Galeno, Tiago de Nisibe, Al Mansur, Avicena, Copérnico, Orta, Vesálio, Montaigne, Giordano, Galileu, Harvey, Boerhaave, Morgagni, Swieten, Rousseau, Magendie, Littré, Rokitansky, Cl. Bernard, Virchow e Osler. Isso me permitiu ampliar a compreensão da ética médica.

Tudo isso não me possibilita alcançar a dimensão inacreditável do crime ocorrido, durante a presente pandemia, no assim chamado “plano-de-saúde” Prevent Senior (e que deve ter ocorrido provavelmente em outros “planos” semelhantes). Breve, tamanho escândalo será objeto de estudos que mostrarão quão satanicamente monstruosos foram os criminosos. Será inevitável a comparação com as atrocidades alemãs na Namíbia, os sinistros experimentos nazistas de Auschwitz, os crimes sanguinários de Makino na unidade 731 do exército japonês e os ensaios do apartheid sul-africano, tramados pelo horripilante “doutor morte” Wouter Basson. 

Tal hedionda perversidade contra pacientes idosos foi “justificada” pela Prevent Senior em gélido cinismo, com o apelo a uma falsa autonomia médica, a uma falsa metodologia científica e a um falso sigilo ético. Pior ainda é que nenhum dirigente está preso e toda a atividade homicida está sendo aplacada com o eufemismo exponencial de “ajustamento de conduta”. Para coroamento de tudo, o CFM e entidades congêneres esgueirar-se-ão com igual cinismo - e ficarão a salvo da esbugalhada cumplicidade. E sobre as cinzas de tamanha patranha, fulgurará seu espetacular efeito colateral: ficará bem claro para que serve a ANS.

 

 

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

 


VIAJANDO NAS JANELAS DO PASSADO

João Amílcar Salgado

Desde que comecei a redigir O RISO DOURADO DA VILA (2003), aproveitei as minhas pesquisas para estimular parentes e amigos a que também escrevessem suas memórias, além de angariar muita coisa guardada no fundo das gavetas. Pessoas que escreviam com facilidade deixaram de registrar preciosas lembranças. Só ao meu redor poderiam ter deixado relatos autobiográficos meu avô João de Abreu, meu pai João Salgado, a tia Bebete, o tio Aprígio, meus irmãos, o tio Lela e os primos Rubem Ribeiro, Ernane Vilela, Iracema Lima, Alice Lima, Chico Negrão, Nilo Barrios, Marieta Ursicina, Márcio Garcia, José Maria Ribeiro, Manuel Claide, Oscar Resende, Maria Elvira e João Otaviano.  Consegui que minha tia Rute escrevesse seu interessantíssimo livro MINHA HISTÓRIA – NOSSAS VIDAS (2007), gravei em áudio e em vídeo os causos de minha mãe Evangelina e sua irmã Licínea e colaboro com minha prima Clara Veiga Lima na biografia de seu pai João Otaviano Veiga Lima. Os imigrantes e seus descendentes merecem mais de um livro sobre eles. No livro NEPOMUCENO – SÍNTESE HISTÓRICA (2017) listei dezenas de homens e mulheres de letras, todos historiadores de fato, editados, inéditos ou potenciais. Listei também as coleções de nossos periódicos.  

               Por falar nisso, estou lendo VIAJANDO NAS JANELAS DO PASSADO (2013) de minha prima Vera Lúcia Ribeiro Vilela Gonçalves dos Santos, ilustre professora e eterna primeira-dama de Itumbiara, GO. Seu esposo, Celso Santos é um notável clínico e meu dileto amigo. Para mim, ela continua sendo a Verinha do Dr. Levi. Suas lembranças de seu avô João Vilela, de sua avó Vicentina e de seus tios e primos me emocionaram, pois achei que sabia tudo deles e era muito pouco. Além disso as fotos são preciosidades que ora passam à minha coleção. A Olívia sua mãe foi das mais belas moças da Vila e dona de uma meiguice infinita, qualidades repetidas em suas irmãs e em suas filhas. São mulheres cujo encanto os anos não levam. Ela me tratava não como primo, mas como irmão. Certo dia me liga e diz que sua mãe, a dona Vicentina (nome em homenagem ao Capitão Vicente da Lagoa) chegara a BH e estava com saudade de mim. Fui correndo pra lá. Foi um raro momento de viver boas gargalhadas. Ela estava lúcida e mais inteligente e espirituosa como nunca.  Já o Dr. Levi ocupa páginas marcantes e frequentemente elogiadas de meu livro. Ele e a esposa eram padrinhos de minha irmã Neusa. Evoco aqui o discurso que fez na formatura da afilhada, no qual declamou imortal poema de Gonzaga.  Os habitantes e admiradores da Vila devem guardar com carinho não só este livro, desbordante de ternura, mas os demais que a Verinha promete publicar.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

 


AUTONOMIA DO MÉDICO

João Amílcar Salgado

EM 1975 publiquei um artigo, na Revista da Associação Médica de Minas, sobre O CORPO MÉDICO DO HOSPITAL. Este texto foi o primeiro ou dos primeiros sobre o tema no país e foi amplamente divulgado, com a citação da autoria ou sem ela. A importância dele estava no clareamento das dúvidas sobre a autonomia administrativa do corpo clínico, capaz de se governar por si mesmo, mas o principal interesse era ligado, nesta época, ao crescente assalariamento do médico. Em 1976 fui um dos autores do regulamento do Hospital das Clínicas da UFMG, no qual ficou delineado o corpo clínico do hospital universitário, até então mero somatório dos corpos-docentes das antigas cátedras. Em 1986 compareci ao CREMESP para expor sobre a ética da pesquisa nos hospitais. No debate que se seguiu, respondi ao posicionamento de outro expositor, o professor Mário Rigatto. Ele discordou de minha afirmação de que os médicos, principalmente aqueles considerados pesquisadores científicos, mantêm com a indústria farmacêutica uma relação secular de promiscuidade. Acentuei que esta relação é quase sempre recheada de infrações éticas, principalmente a propina. Ele disse que minhas palavras foram muito fortes e que as infrações referidas por mim “não passavam de pecados veniais, além do mais já incorporados à tradição da classe”.

Antes, em 1982, eu, como estudioso dos sistemas públicos de saúde, principalmente britânico, escandinavo e canadense, fui convidado a participar de histórica reunião na OPAS, em Brasília. Nela foi feito o esboço de nosso futuro sistema público universal de saúde. Nas linhas gerais que traçamos, não constava nenhum sistema complementar ou suplementar de saúde. Este foi lamentavelmente introduzido na Constituição, após negociações com constituintes representantes de interesses privados. Mais recentemente, declarei, numa palestra, que o uso da expressão BBB, para representar as bancadas parlamentares do boi, da bíblia e da bala, carecia de ser complementada com mais duas letras, e e s, ou seja, as bancadas da educação e da saúde, ambas privadas, sendo que saúde inclui os interesses comerciais de serviços, equipamentos, medicamentos, venenos agrícolas e alimentos. Enquanto a educação prossegue semi-camuflada, a saúde sofreu um strip-tease acarretado pela pandemia. Entre as revelações mais escandalosas ora escancaradas está a alegação distorcida da autonomia do médico, para acobertar atrocidades e mortes, - e tudo isso com o vergonhoso respaldo do Conselho Federal de Medicina.

 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

 

DESAFIO AO CFM

Senhor Mauro Luiz de Britto  Ribeiro (ou seu substituto)

Presidente do CFM

Acabo de receber um comunicado do CFM sobre O CFM ESTÁ NO WHATSAPP. Fiquei decepcionado pois esperava que a mensagem fosse uma resposta ao comunicado que enviei a VS, que ora lhe relembro:

“6 de junho de 2021. Acabo de receber um e-mail do CFM, intitulado, CFM PUBLICA MOÇÃO DE REPÚDIO EM DEFESA DO MÉDICO, AO RESPEITO E À CIVILIDADE NA CPI DA PANDEMIA. Diante dos termos ambivalentes desta moção, respondo tal e-mail com o seguinte teor: Sou médico, professor titular de clínica médica da Ufmg, ex-pesquisador do Fiocruz, historiador da medicina, criador do Centro de Memória da Medicina (Ufmg), autor de estudos sobre JK e sobre os conselhos corporativos, especialmente o CFM e os CRMS Sou principalmente contrário à partidarização da saúde. Diante disso, considero lamentáveis os posicionamentos do CFM e das corporações médicas nesta pandemia. Não me considero representado pelo CFM, pelo CRMMG, pela AMB e pela AMMG.”

Volto ao assunto agora, pois a sobredita mensagem de propaganda sobre whatssapp do CFM, de 22/9/2021, me chega no justo momento em que vejo pela tevê o dono de um plano de saúde confessar ao Senado Brasileiro O MAIOR ESCÂNDALO MÉDICO ATÉ AGORA EXIBIDO A PLENOS HOLOFOTES NO BRASIL. Durante seu depoimento, ele, em vez de relatar que foi punido ou está sendo processado pelo CFM, argumenta que cometeu seus crimes com base no próprio CFM. Diante disso, insisto em considerar lamentáveis os posicionamentos do CFM e das corporações médicas nesta pandemia. não me considero representado pelo CFM, pelo CRMMG, pela AMB e pela AMMG.

João Amílcar Salgado - CRMMG 4979

terça-feira, 21 de setembro de 2021

 CENTENÁRIO DE UM GIGANTE


João Amílcar Salgado

Hoje, 19/9/2021, completaria 100 anos de idade o recifense Paulo Freire, fulgurante figura da pedagogia de todos os tempos. Sou testemunha in loco de que Paulo, o baiano Anísio Teixeira e o mineiro Darcy Ribeiro são educadores brasileiros reconhecidos internacionalmente. Freire tem 29 títulos de Doutor Honoris Causa concedidos por universidades tanto europeias como da América do Norte e também o prêmio EDUCAÇÃO PELA PAZ da Unesco (Nações Unidas). A London School of Economics o classifica como o terceiro pensador mais citado do mundo.

Ao ser apresentado por Fernando Figueira, ilustre professor pernambucano, para abrir um congresso educacional em Recife, fui cognominado por ele de PAULO FREIRE DA EDUCAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA. De fato, sua proposta de alfabetização derivada da realidade social e minha concepção de treinamento clínico derivado da realidade de saúde são afins, como se pode ler em meu livro ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS (2013).

Este homem extraordinário recebe, em seu centenário, homenagens quase unânimes, ao lado de ataques hediondamente injustos, originários de mentes doentias. Seus detratores podem ser divididos em dois grupos: os irrecuperáveis de má-fé e aqueles que são enganados por conceitos e informações absurdos, perfidamente forjados e propalados pela internete. Aos recuperáveis de boa-fé, seria útil aproveitar esta comemoração para conhecer honestamente as ideias cristalinas e o valor inextinguível desse genial educador.

terça-feira, 14 de setembro de 2021

 

ASPECTOS DA RELIGIÃO, DA CIÊNCIA E DA SAÚDE NA AMAZÔNIA

João Amílcar Salgado


O escrivão PEDRO VAZ DE CAMINHA em 1/5/1500 relata a descoberta do Brasil, parecendo simpático aos índios brasileiros. Diz deles que “A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.”

O frade dominicano ANTÔNIO DE MONTESINOS: Todos vós estais em pecado mortal. Nele viveis e nele morrereis, devido à crueldade e tiranias que usais com estas gentes inocentes. Dizei-me, com que direito e baseados em que justiça, mantendes em tão cruel e horrível servidão os índios? – Sermão do Advento de 21-12-1511, na Ilha de São Domingos.

ANTÔNIO VIEIRA em 1634, ao fazer os três votos exigidos para o sacerdócio jesuíta, acrescentou um quarto voto: o de dedicar a sua vida aos escravos, negros e índios, do Brasil. Para tanto, passou a falar as línguas tupi-guarani e quimbundo. Em 1652 percorreu a floresta amazônica e, por discordar da escravidão de indígenas e africanos, foi forçado a embarcar do Maranhão para a Europa, em 1661.

O cientista CHARLES-MARIE DE LA CONDAMINE, de 1719 a 1735, com a missão de medir os três primeiros graus do meridiano, percorre a Amazônia e numa aldeia às margens do rio, cuida de uma epidemia de varíola.

O geógrafo ALEXANDER VON HUMBOLDT  e o botânico AIMÉ BONPLAND iniciam em 1799 sua célebre viagem pelas Américas.

O naturalista galês ALFRED WALLACE descobriu, em 1858, que cada margem dos rios amazônicos possuía sua população peculiar do mesmo macaco. Essa descoberta é anterior ou concomitante às conclusões de Darwin sobre a origem das espécies.  

Em 1861, o imigrante alemão FRITZZ MUELLER confirma, em crustáceos do litoral catarinense, no Brasil, a teoria de Darwin e se corresponde com ele; Darwin então o cita nas edições posteriores de A Origem das Espécies.

Em 1861 o poeta ANTONIO GONÇALVES DIAS percorre o Rio Negro e escreve diário e relatório dessa viagem.

O sábio mineiro DOMINGOS SOARES FERREIRA PENNA, em 1883, funda o Museu Paraense, depois denominado Emilio Goeldi.

O zoólogo suiço  EMÍLIO GOELDI, executa completa organização no Museu Paraense, a partir de 1894.

Em 1906, três anos antes de descobrir a doença de Chagas, Carlos Chagas descobre a transmissão intradomiciliária da malária, em viagem pela Amazônia.

Em 1907, Euclides da Cunha descreve a Amazônia como PARAISO PERDIDO.

Em 1912 o paraense Gaspar Vianna descobre a cura da leishmaniose – o primeiro tratamento quimioterápico da história da medicina.

Em 11/11/1936 surge o INSTITUTO EVANDRO CHAGAS (nome dado em homenagem ao filho do descobridor Carlos Chagas) em Belém, Pa

Em 1937, o sábio mineiro Afonso Arinos de Melo Franco publica o livro O ÍNDIO BRASILEIRO E A REVOLUÇÃO FRANCESA - AS ORIGENS BRASILEIRAS DA TEORIA DA BONDADE NATURAL

O alemão Curt Nimuendajú publica, em 1944,  o MAPA ETNO-HISTÓRICO DO BRASIL E REGIÕES ADJACENTES

Em 1967 o médico mineiro Antonio da Silva Melo publica o livro A SUPERIORIDADE DO HOMEM TROPICAL

Em 1979 Eduardo e Heloisa Manzano criam as CARTILHAS COMUNITÁRIAS de PORTO NACIONAL

Em 1984 a paraense Maria Deane e sua equipe documentam A URINA DE GAMBÁ como transmissora da doença de Chagas.

Em 1985 o paraense Wladimir Lobato Paraense é reconhecido como a maior autoridade mundial em malacologia aplicada à saúde.

Em 1990 Jeremy Wade documenta a tribo amazônica dos Matis como IMUNE AO PORAQUÊ.

Em 30 de março de 2005 ficou confirmado que 26 pessoas foram contaminadas por doença de Chagas, após a ingestão de SUCO DE AÇAÍ, na localidade de Igarapé de Fortaleza, próxima a Macapá, AP.

Em 14/9/21 Sebastião Salgado apresenta sua exposição internacional AMAZÔNIA.  São 200  painéis fotográficos sobre a região, exibida na 5ª  reunião por videoconferência do Observatório do Meio Ambiente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), transmitida  até Paris e internacionalmente via YouTube   

 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

 


O BELMONDO É O BÔCA

João Amílcar Salgado

Faleceu ontem, 6/9/21, o ator ítalo-francês Jean Paul Belmondo. Homenageio-o com a seguinte lembrança.

De entremeio a meus estudos sobre a origem do encanto das mulatas, concluí que as mulheres ruivas eram irresistíveis aos vikings (e aos mouros), que, quando conquistaram os celtas, escolhiam as ruivas para escravas, o que faz das ruivas celtas as mulatas dos vikings (e daí as mulatas reversas dos mouros). O fruto final dessa atração está celebrizado na Carmen de Bizet. Recomendei aos amigos que descobrissem o viking que havia em cada um, revendo filmes de ruivas, a começar por Maureen O'Hara.

Agora é a vez dos galãs. Entre nós, o médico Clovis Alvim foi pioneiro entre os sedutores feios. Nos anos dourados prevaleceu o estereótipo do homem bonito veiculado pelo cinema, estampado pelos galãs Tony Curtis nos EUA e Alain Delon na Europa. Depois vieram os feios, representados pelos galãs Charles Bronson e Jean Paul Belmondo. Postulo que a primazia mineira de Alvim seja reconhecida.

Já na Vila, em O Riso Dourado da Vila, listei o Bôca (Clécio Felicori) como sósia de Belmondo. Quando o Sérgio Almeida operou o Bôca, me disse ao telefone que acabara de operar um meu conterrâneo, colega de ginásio e amigo, o Clécio. Deu gostosa gargalhada, depois de adverti-lo de que atendera não o Clécio, mas o Bôca ou melhor o Belmondo.