BASHAR E A BANDA-POBRE DA MEDICINAJoão Amílcar Salgado
Como estudioso da história médica me é inevitável localizar o médico Bashar al-Assad na banda-podre da medicina. Quando programei, em nosso curso de história da medicina, uma aula intitulada “Médicos Criminosos”, um colega da Congregação da Faculdade me apareceu para desaprovar a iniciativa. Lembrou-me que o Centro da Memória deveria primar por exaltar as grandes vitórias da medicina contra as doenças e a morte. Observei-lhe que eu criara este Centro, antes de tudo, para primar pela verdade e pela isenção. Assim, causaram impacto as monstruosidades perpetradas por médicos ao longo da história: manipuladores de venenos, alquimistas aliciados, caçadores de bruxas, a serviço da inquisição, da escravidão, da Ku Klux Klan do hitlerismo, dos fascismos italiano, japonês e do apartheid, da experimentação em cobaias humanas nos EUA, na Europa, na África e na Ásia, da falsificação de doenças e remédios, dos executores de pena de morte e dos torturadores nas ditaduras em geral, bem como a avalanche do baixo e alto clero de mercadores travestidos de doutores E, na introdução, acentuei que a banda-podre da medicina está embutida na origem antropológica do médico, traduzida, aliás, na novela “Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde” (1886), do escocês Robert Louis Stevenson (livro e filme citados em “O Riso Dourado da Vila” (2020).
O jovem sírio Bashar graduou-se médico em Damasco e, de 1992 a 1994, se especializou em oftalmologia no Western Eye Hospital de Londres. O irmão mais velho Bassel estava sendo preparado para suceder o pai ditador Hafez, mas faleceu em acidente em 1994. Bashar retornou para ser preparado para substitui-lo. O pai morre em 2000 e o substituto com 34 anos assume o poder. No início, o novo ditador falava de “transperência, democracia desenvolvimento, modernização, responsabilização e pensamento institucional” certamente por influência de sua recente esposa Asma al-Ahkras, egressa de Harvard. Com o tempo metamorfoseou-se num sanguinário déspota. A convivência universitária foi substituída pelas lições do guru Putin, que não teve dificuldade em usar a formação médica do discípulo para forjar tenebroso utilizador e armazenador de armas químicas e biológicas.
Trump, outro aprendiz de Putin, desafiaria Harvard em seu próprio quintal e por pouco não encarcerou o notável epidemiologista Anthony Fauci, aquele que aniquilou, com luminosa argumentação científica, seu negacionismo tresloucado, causador de muitas mortes, até hoje não totalmente contabilizadas. Para isso Trump contou com forte ala da banda-podre da medicina ianque. Um tirano pode ser negacionista, mas qualquer médico, para ser negacionista, tem de violentar-se dolorosamente, tanto em sua formação, como em sua consciência. Antes eu havia estudado este fenômeno no caso da escravidão. Desde meus bancos escolares jamais consegui entender como um sacerdote poderia ser senhor de escravo e, pior, perdoar os senhores de escravos. E meu “Mestrinho” Mário Esdras me disse: quando a má prática é institucionalizada, perdemos a capacidade de percebê-la. Foi assim que Putin teria ensinado a Bashar: não deixe de ser prolongadamente sanguinário, para que a coisa se institucionalize e no fim você será até santificado. Após a 2ª eleição do Trump, os neonazistas dos EUA sonham com isso para os próximos anos.