João Amílcar Salgado

sábado, 20 de maio de 2023

 



ANTÔNIO LÍVIO SALGADO

João Amílcar Salgado

Antônio Lívio Salgado é o somatório feliz do humor crítico de Vilelas e Salgados Seu humor crítico é tão extremo que me levou a defini-lo como o menino-prodígio que concluiu não valer a pena ser prodígio, ou melhor, que ficou com preguiça de continuar sendo prodígio. Com três anos, ele dava show diário na farmácia de seu pai. Era um menino muito vivo e falante, loiro então. O Sargado pedia uma a uma, e ele não errava qualquer capital do mundo.  Agora conte aquela história do Pedro Malasartes. Agora recite “Você sabe de onde eu venho”. E o menino, com o rompante de orador choroso, herdado de seu lado Correa Lima, recitava o poema musicado em CANÇÃO DO EXPEDICIONÁRIO  (www.youtube.com/watch?v=jykf9-egoaA). Eram dias alegres, logo após a 2ª guerra e as pessoas faziam roda para ver o menino ganhar na dama ou no xadrez de qualquer marmanjo, além de peripécias no futebol e no víspora. Seu nome não seria Lívio, mas Asdrúbal. Seu pai pretendia insistir com nomes cartagineses aos filhos.  A mãe Vange achou estranho, mas aceitou mudar para o nome latino Lívio. O Gingin, esposo da Teresa, prima da Vange, aproveitou para dar o nome Asdrúbal a seu filho e tudo ficou em família.

            O João Salgado falece muito jovem, aos 47 anos. Em meio ao pranto geral, o tio Tito levou o menino para o quintal. Mas ele próprio soluçava e ensopava de lágrimas a roupa do sobrinho. A cidade inteira cercou o Lívio de carinho, principalmente seus colegas na escola, amigos pela vida toda. A foto anexa mostra todos eles. Em sua formatura no ginásio, cheguei às pressas de Belo Horizonte, pois ele me aguardava para retocar seu discurso de orador da turma. A Maria da Tiana, nossa querida cozinheira, fritou-lhe em homenagem uma pratada de lambaris. O Lívio exagerou na quantidade ingerida e agi como médico para permitir que o discurso fosse lido sem sustos.  

            Para o curso científico, inscrevi-o para o colégio Estadual e ele ultrapassou o temido exame com impressionante facilidade e calma. Veio morar na pensão da rua Paraíba, onde proseava, entre outros, com o vestibulando Valter Caixeta, depois famoso endocrinologista. O professor suiço Marcel Debrot descobriu que aquele caipira era capaz de conversar com ele em francês e perguntou como aprendera. O Lívio respondeu que ele e o tio Moacir receberam aulas que dei durante o ginasial na Vila. Isso lhe foi útil na França. E coincidiu que sua esposa, Maria do Carmo Barbosa, além de médica, é também excelente professora de francês. No Estadual foi colega do Boris Feldman e contemporâneo da Elke Maravilha, participantes da célebre geração que inaugurou o prédio de Niemeyer. Este prédio foi projetado para que JK obtivesse dos formandos de 1954 aceitá-lo como paraninfo no centenário do célebre ex-Liceu Mineiro. Ironicamente, o Lívio estudou ali, lugar onde antes foi o batalhão em que cumpriu pena um tenente, por ter agredido seu avô em Três Pontas, em 1934.

            Antonio Lívio brilhou no vestibular de engenharia, na UFMG, conquistando o 2º lugar. Fez um curso também brilhante e participou da bela iniciativa dos universitários em qualificar os eletricistas de ofício, mostrando-se excelente e querido instrutor. Candidatou-se a orador da turma, mas preparou um discurso tão emotivo, homenageando o pai, que lhe embargou a voz.  Os colegas aprovaram o discurso exceto o orador e, numa rara decisão, exigiram que o segundo colocado fundisse o primoroso discurso do Lívio com o dele. Fez estágio na Petrobrás, em Salvador, e ali fez vários amigos, um deles o engenheiro de petróleo Alfeu Valença, irmão do notável compositor e cantor Alceu Valença. O pernambucano Alfeu contava seus causos de sua cidade Garanhuns e o Lívio os da Vila. O simpático jovem apreciava tanto o anedotário do Lívio que não resistiu à tentação de conhecer aquela improvável cidade. E de fato na visita que nos fez concluiu que a realidade local era incomparável. Alfeu foi superintendente da Bacia de Campos e presidente da Petrobrás.

            O Lívio fez carreira na CEMIG, onde chegou a dirigente, sendo que na presidência de Carlos Eloy Guimarães, atuou com status de diretor.  Carlos Eloy me confidenciou: seu irmão foi o mais rígido superintendente que tivemos e, como tal, causou reclamações contra seu excessivo zelo ético. A tais queixas a presidência respondeu, não com seu afastamento, mas apontando-o  como exemplo a ser seguido por todos e permanentemente. Disso o Lívio extraiu, depois de aposentado, sua permanente crítica à corrupção hoje generalizada.

            Mas a melhor parte da vida desse mineiro típico -  e nepomucenense irreversível - aconteceu em sua vida de aposentado. Isto porque o enxadrista, o matemático, o competente engenheiro e o severo administrador foram substituídos pelo agrônomo amador. Saudoso dos pomares de seu pai, fez do seu um prolongamento daqueles. Todas as divisas internas e externas de sua fazenda são feitas de amoreiras vivas, em homenagem às trazidas por seu pai de Barbacena, fornecidas pelo sericicultor Amílcar Savassi. Com isso o lugar, já repleto de passarinhos, multiplicou por dez o alarido da avifauna.  E mais: Antônio Lívio ostenta o título de cultivador emérito do mangarito, reintroduzido por ele como iguaria da Vila, em colaboração com o verdureiro Zacarias das 3 Barras, o último a conservá-lo entre nós.

 

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