João Amílcar Salgado

domingo, 17 de julho de 2016

BERNIE SANDERS, A SAÚDE E A EDUCAÇÃO


João Amílcar Salgado
Com Bernie Sanders aconteceu agora o que antes não aconteceu com outros candidatos, que tentaram sem êxito inovar o debate sucessório nos EUA. Para mim ele foi grata surpresa, que se somou a grata mensagem que recebi. Um amigo de lá, que se tornou admirador de minhas ideias sobre saúde e educação, brincou comigo, logo que Sanders começou a aparecer no noticiário. Ele me interpelou: jure que não foi você que escreveu a plataforma de Sanders para saúde e educação!?... Depois de rirmos, ele acrescentou:- falando sério, quando li a plataforma dele pensei: já ouvi isso de alguém, em algum lugar e com a mesma oratória ... e tinha sido de você !!!...
            De fato, em 1986, houve um diálogo meu com um chefão da medicina ianque. Ele era o editor do livro do Harrison de medicina interna. Em minha exposição sobre ensino da medicina nas Américas, eu criticara os líderes da medicina dali, que eram excelentes em diagnóstico clínico e pareciam incapazes de diagnosticar o plano inclinado em que resvalava a assistência médica oferecida à maioria de seus conterrâneos. Ele retrucou que o horizonte assistencial dele não ultrapassava os limites dos melhores hospitais universitários do mundo e que, enquanto estes não decaíssem, tudo estaria bem.  Pois bem, Sanders repetiu agora o tal diagnóstico, documentando que nada está bem. Diagnóstico este referente não só à saúde como à educação - e a esta  também eu me referira. E a Hillary já concordava com isso e só não o externou por medo da poderosíssima indústria de saúde, de quem ela vem sendo vítima contumaz.

            Do que eu disse não houve mérito nenhum de minha parte, pois todos os estudiosos sérios fora dos EUA diriam o mesmo. A grande novidade e a grande esperança é Sanders dizê-lo nas circunstaâncias em que o fez.

terça-feira, 28 de junho de 2016

HELENA GRECO

HONRA A LUMINOSA GALERIA DAS MULHERES DE MINAS

João Amílcar Salgado
           O primeiro dos Grecos que conheci foi o Armando Greco, da turma de médicos de 1944, da hoje Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Eu era estudante de medicina e o ouvi na Associação Médica, em debate sobre o abuso de antibióticos. A medicina estava em lua de mel com os antibióticos e os hormônios, resultantes da segunda guerra mundial. Pela primeira vez alguém me dizia dos perigos do abuso de medicamentos cada vez mais eficazes e principalmente do abuso induzido por propaganda. Ele passou a ser meu herói pela coragem em desafiar poderosos interesses. Mas fiquei amigo próximo foi de seu irmão José Bartolomeu Greco, da turma de 1937, que não gostava do nome Bartolomeu e exigia ser tratado de J. B. Greco. Alergologista pioneiro em Minas, era casado com sua prima Helena, diplomada em farmácia no mesmo ano de 1937, e, quando o filho Dirceu, da turma de 1969,  foi meu residente em clínica médica, os Grecos passaram a ser como gente de minha família.
            O prazer, com que JB percorria as estantes de sua biblioteca apontando livros, citando frases e me pedindo opinião a cada passo, me é inesquecível e me diz que ele reciprocamente me considerava um filho. Ou melhor, eu não lhe figurava um filho mas um irmão na admiração filial a Carlos Jiménez Diaz, o insuperável clínico madrileno. A foto deste, que encimava suas estantes, foi-me legada com imensa ternura. JB foi também meu parceiro em historiar o pombo-correio como elemento inaugural da telemedicina em Minas.  Já Dirceu veio a ser um dos frutos vitoriosos da iniciação científica ligada à inovação pedagógica, de repercussão internacional, vivida na medicina da UFMG, nos anos 70 e 80 do século 20. Culminou como astro internacional do aplaudido programa brasileiro contra a AIDS.
            Poucos sabem que Helena Greco participou dessa inovação. Quando Agostinho Patrus foi empossado presidente da Associação Médica mineira, teve a audaz iniciativa de revolucionar a Revista da agremiação. Dirceu Greco e Antonio Dilson Fernandes, com minha participação, em 1974, passaram a inserir ali artigos anticonsumistas do The Medical Letter  On Drugs And Therapeutics, editado nos EUA. Dirceu indicou para tradutora, sem ônus, sua mãe Helena, que, além de poliglota, era considerada imbatível, no país, no jogo de palavras-cruzadas em qualquer idioma.  Essa colaboração inestimável era coerente com a tradição dos Greco na trincheira anticonsumista  e também da ética na ciência, que inclui Armando, JB e Dirceu Greco. O sucesso das traduções de Helena Greco permitiu a Adelmar Cadar  expandir o alcance da iniciativa, quando utilizou a moderna gráfica do então INAMPS para levar a cada médico e a cada estudante de medicina o Boletim de Medicamentos & Terapêutica (até 1987), neste caso com tradutor remunerado.
Enquanto isso, Helena Greco se fez ativista contra a tortura ocorrida desde o golpe de 1964 e em favor dos desaparecidos políticos, bem como contra a opressão de qualquer natureza: dos menores, mulheres, negros, indígenas, estudantes, homoafetivos, sofredores mentais, encarcerados, moradores de rua, pessoas sem teto e sem terra e o povo palestino. Apoiou também a radiofonia e a tevê comunitárias. Foi fundadora do Partido dos Trabalhadores, em sua proposta inicial, ao lado de Sergio Buarque, Antônio Cândido, Paulo Freire, Leonardo Boff, Betinho (Herbert Sousa), Apolo Heringer, Carmem Lúcia Antunes e Ayres Britto.  Daí se tornou vereadora de 1982 a 92.  Por causa dessa militância, sofreu atentado a bomba, outras ameaças físicas e de prisão, grampeamento telefônico, agressões morais e processo judicial.
Acompanhei de perto, mas sob equânime neutralidade política, toda essa magnífica trajetória. De tal testemunho concluo que a estatura histórica desta incrível mulher ainda não foi devidamente percebida e, portanto, avaliada. Conservo entre minhas mais sensíveis lembranças a cena quando em sua casa me apresentou a visitantes ilustres, ali chegados de dentro e de fora do país. Abraçando-me entre ela e o esposo, recomendou-lhes ouvir meus “causos mineiros” e acrescentou que  ela e JB sempre disputavam  qual repertório gostariam de apreciar, se sobre politica mineira ou se sobre história da medicina. Aproveitei para dizer àqueles convivas que minha mais recente pesquisa histórica consistia em verificar o possível parentesco de Helena Greco, por sua ascendência materna, com nada menos que Anita Garibaldi. E, apontando o casal, declarei: as brasileiras Helena e Anita entregaram seus corações a dois “italianos”.


O autor é professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais e criador do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais

sexta-feira, 10 de junho de 2016

HÉLIO GARCIA SE FOI - E QUE ISSO TEM A VER COM NEPOMUCENO?
João Amílcar Salgado
Hélio Garcia é personagem controversa na política brasileira. Mas, neste momento, devemos esquecer seu lado controverso e considerar que, tendo sido prefeito da Capital, deputado e governador do Estado, ele está obrigatoriamente na história de Nepomuceno. Digo isso não em homenagem a ele, mas a seu pai, o nepomucenense Júlio Garcia. Júlio foi grande amigo de meu pai e não saia de nossa farmácia. Ali foi um daqueles que confessaram ter feito de sua frequência à roda da farmácia verdadeiro curso universitário, onde adquiriu cultura e principalmente seleto conhecimento político. Foi um dos jovens que passaram a abraçar os ideais da Revolução de 30. Quando foi morar em Santo Antônio do Amparo, fez-se líder daquela comunidade e procurou aplicar ali tais ideais.
Outros pontos em comum da biografia de Hélio com Nepomuceno são os seguintes: A) Ele disputou o governo estadual com Pimenta da Veiga e essa foi uma disputa de dois filhos de nepomucenenses. B) Ele foi sucedido por Newton Cardoso, em 1987, e, no apoio que deu a este, influiu a deputada Maria Elvira Sales Ferreira, também filha de nepomucenense.  C) Durante seu governo estadual, iniciado em 1991, eu próprio fui representante do governo federal, através da UFMG, na Secretaria Estadual da Saúde, de onde várias propostas sobre saúde e educação, elaboradas em Minas, foram aproveitadas pelo governo central.

Pitoresco foi um episódio com o Dr. Décio Lourenção. Numa reunião política na Capital, um deputado ouviu dele que era parente do governador. O parlamentar duvidou preconceituosamente de tal informação, alegando desconhecer que Hélio tivesse primos italianos. O queridíssimo Dr. Décio ficou “picado” e me procurou para que eu documentasse o parentesco.  E esfregou o quadro anexo na cara do cético.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

CARLOS RIBEIRO DINIZ

João Amílcar Salgado
Nasceu em Luminárias, de pai de família trespontana e mãe de família nepomucenense.  Foi um dos três maiores discípulos do cientista Baeta Viana (ele, Beraldo e Veiga Sales) e quando faleceu era o maior bioquímico do Brasil. Sem ele a FAPEMIG não teria sido criada, nem a empresa BIOBRAS, esta a primeira a fabricar insulina no 3º mundo. Estava para escrever um livro sobre a genealogia de sua família e sobre o sul de Minas, junto com o escritor Antônio Cândido e comigo. No início, outro coautor seria o farmacologista José Ribeiro do Vale, seu parente.  Ligada a isso, a ideia de se criar a Unicamp foi dele. Ou melhor, ele formulou uma universidade nos moldes da Unicamp, que seria criada no sul de Minas. O golpe militar impediu que a ideia avançasse e os paulistas a aproveitaram para criar a Unicamp, inclusive com o apoio dele.
            Diniz influiu para que Caxambu abrigasse reuniões periódicas agradáveis de cientistas, de modo a se interfecundarem. Numa das primeiras, numa roda de cerveja, ele pegou um guardanapo e nele listou os sulmineiros atuantes em universidades e setores tecnológicos do país.  E disse, se fizéssemos a revoada deles para uma cidade como esta, teríamos a melhor universidade brasileira  e  equidistante de Rio, São Paulo e Belo Horizonte. Chegou a falar com o reitor Aluizio Pimenta da UFMG que topou cria-la como campus sulmineiro desta, sendo Diniz o captador de recursos. Tendo sido concretizada em Campinas, a coisa não deixa de ser de certo modo sulmineira, pela proximidade e pela gente do sul de Minas que colonizou o noroeste paulista. Mas a tal revoada foi substituída, sendo esperado o afluxo, não de  mineiros ou paulistas, mas de cientistas de qualquer parte. O próprio Diniz sugeriu que eu fosse chamado a Campinas para dar sugestões sobre a transferência da faculdade de medicina do centro da cidade para o campus.
Também antes do golpe, em 1963, Carlos Ribeiro Diniz, Marcos dos Mares Guia,  Zigman Brener, Amílcar Martins, líderes do diretório acadêmico, um deles Henrique Santillo, e eu (recém-formado) nos reunimos para propor que, entre as chamadas reformas-de-base do governo João Goulart (educacional, tributária, eleitoral, agrária e urbana), fosse incluída a da indústria farmacêutica. Defendíamos a criação da Farmacobrás, espelhada na Petrobrás. Carlos Ribeiro Diniz argumentou que a escola bioquímica de Baeta Viana era a única a dominar de fato a enzimologia no hemisfério sul. E isso na terra do mamão e do abacaxi, fontes ultra-disponíveis dos dois mais potentes enzimas proteolíticos  vegetais. Daí que cumpria aos bioquímicos mineiros a missão de fabricar medicamentos para o povo brasileiro, a partir de tais privilégios. A concretização dessa ideia era mais plausível após a reeleição de  JK em 1965, mas, sob a ditadura, foi modificada e limitada à criação da Biobrás.
Convidei o Carlos Diniz para conhecer a paciente Berenice (a primeira diagnosticada com a doença de Chagas), numa internação desta, para revisão no Hospital das Clínicas. Entre vários assuntos ele me perguntou como andavam os estudos sobre a domiciliação do triatomíneo. Estava interessado em fazer estudo semelhante sobre o escorpião amarelo e aproveitou para lamentar a ocultação do nome completo do professor Osvaldo de Melo Campos como autor da descrição desta espécie.  São exemplos de como o pensamento original deste homem genial era incessante e quase sempre na contramão do saber estabelecido. Dias depois, após ouvir meu protesto contra a negação do premio Nobel a Carlos Chagas, ele me sugeriu. verificar sua suspeita de que o Instituto Karolinska fora financiado por um médico sueco, que havia ficado rico no sul de Minas. Ou seja, este médico prosperou perto de onde nasceu Carlos Chagas.
No episódio da invasão da Faculdade de Medicina em 1968, correu altíssimo risco, ao enfrentar a ditadura, colocando-se no meio dos invasores, protegendo-os e apoiando-os.. Dez anos depois Diniz organizou o 4º Simposio Nacional de Pós-Graduação nas Áreas das Ciencias da Saúde, na Faculdade de Medicina da UFMG, e minha participação ali foi de alerta contra a SÍNDROME DAS MULETAS SUCESSIVAS. Nosso temor era de que o fenômeno por mim denunciado, de que a residência médica não passava de muleta da má graduação já se estendera a toda a educação. Cada ciclo, cada etapa, cada modismo não passava de corretivo da má etapa anterior. Nessa época já se começava a falar em pós-doutorado. Denunciamos então o desvirtuamento do mestrado e do doutorado, como títulos voltados ao mercado de trabalho, em vez de qualificação docente. Logo a seguir o mesmo alerta foi feito por Paulo Vanzolini.
            Em 1974, Carlos Diniz me entregou o livro A FARMACOPÉIA TIRIYÓ - ESTUDO ÉTNO-BOTÂNICO (1973), de Cavalcante & Frikel, do  Museu Goeldi. Perguntou-me se aquilo estava previsto em nossa inovação curricular e lhe mostrei a disciplina optativa que seria proposta no seminário daquele ano, denominada  TERAPIAS NÃO CONVENCIONAIS e ele sorriu feliz, mas disse que seríamos metralhados pelos conservadores do Instituto de Ciências Biológicas, o que de fato aconteceu. Naquele dia, enquanto eu folheava o livro, ele me perguntou: você sabia que o Museu Goeldi deveria ser chamado de Museu Domingos Ferreira Pena, um mineiro genial, o verdadeiro fundador da instituição?  Da memória indígena frutificou a idéia da  fabricação de licor de marolo  e de gim de mangarito e também do cultivo de amendoim proteico, obsessão de Armando Gil Neves, seu devotado admirador.
            Toda vez que Diniz aparecia no Centro de Memória eu me preparava para saber o que ele fora ali me dizer ou mostrar. Numa das últimas vezes ele entrou com um homem chamado Baldomero Oliveira, um indígena filipino. Disse-me: você pode estar sendo apresentado a um descobridor histórico; ele estuda desde 1970 poderoso veneno de um molusco, com o qual sua mãe lhe aliviara, na infância,  a dor atroz de um abcesso dentário; achei que você poderia fazer com este analgésico um ensaio terapêutico semelhante ao ensaio que fez com a cimetidina. Não fiz o ensaio porque já estava em andamento o desmonte das universidades públicas. .No caso do captopril, basta dizer que, nos EUA, ao falar ali sobre cininas, Diniz foi contactado pela Squibb, bem antes da tese do Sérgio Ferreira.
Finalmente sobre a FAPEMIG, lembro-me de que Carlos Diniz veio dizer-me que sonhava embutir o amparo à pesquisa na constituição mineira, mas estava pessimista. Perguntou-me se eu tinha condições políticas de reforçar a proposta. Respondi que eu seria ouvido por gente influente. Reuni amigos e conterrâneos entre estes Cid Veloso (1º reitor eleito), Antônio Cândido Carvalho (líder docente de Medicina), Antônio Dilson Fernandes (líder docente de Medicina), Ênio Leão (líder docente de Medicina), Tarcício Campos (líder docente de Farmácia), Élvio Moreira (líder docente de Veterinária), Oder Santos (líder docente de Educação), Joaquim Carlos Salgado (líder docente de Direito),  Ângelo Machado (líder docente de Ciências Biológicas), Jota Dângelo (líder cultural), Airton Dutra (líder cultural), Jarbas Juarez (líder no meio artístico), Célio de Castro (médico e político), Carlos Becker (médico e político), Antonio Cordovil de Freitas (político e líder no meio jurídico), Luiz Fernando Maia (líder sindicalista), Eliane Souza (médica líder sindicalista), Apolo Lisboa (ativista docente), Jésus Fernandes (ativista estudantil) e outros ativistas da UNE. Depois de aprovada a Fundação, embora não da forma plenamente desejada, Diniz veio agradecer o apoio que considerou decisivo.
Em síntese, ideias de Carlos Ribeiro Diniz foram o motor inicial de universidades, indústrias, mudanças institucionais, linhas de pesquisa e descobertas científicas, de que ele jamais reivindicaria a paternidade, mas em que o historiador diligente sem dúvida detectará o DNA de sua liderança fecundante. Além disso, soube sabiamente ser o homem de cada década.  Seu mestre Viana foi o legítimo tenentista da ciência brasileira nos anos 20 do século 20, mas não vacilou em ser constitucionalista nos anos 30 e veio a ser nos 40 poderosa arma contra o Estado Novo. Em seu rastro, o discípulo Diniz, na década de 50, lutou pelo desenvolvimentismo que se estendesse dos alicerces à vanguarda da ciência. Na década de 60, vale repetir, lá estava ele na Faculdade de Medicina, não ao lado do diretor, mas dos estudantes conflagrados contra a ditadura militar, junto a Amílcar Martins e a Noronha Peres, na histórica invasão de 1968, no mesmo  dia da correspondente invasão da Sorbonne. Na de 70, já estava  mergulhado em outro desafio, sem temer a controvérsia: era a edificação do Instituto de Ciências Biológicas. Na de 80, estava prolongadamente entrincheirado na mencionada proposta da FAPEMIG.
Na década de 90, em vez de escrever seus textos memorialísticos, sempre adiados, seu devotamento foi estendido à Fundação Ezequiel Dias, onde sua presença vem impedindo que o deliberado desmantelo de organizações públicas soterre aquela instituição, referência  dos mais caros sonhos de Minas ligados à ciência. Deslocou-se a esta nova trincheira, além disso, para “injetar métodos bioquímicos, herdados de Baeta Viana, nos métodos biológicos, herdados da tradição de Vital Brasil, Carlos Chagas e Osvaldo Cruz”. Por exemplo, aposentar os cavalos fornecedores de soro antipeçonha, substituindo-os por tecnologia molecular. Assim, o mais notável dessa onipresença politico-institucional é que ela nunca foi pretexto para diminuir sua enorme e retilínea produção científica, repleta de contribuições de indiscutível relevância, e que à primeira vista seria própria não deste quixote bem sucedido, mas do mais recluso homem de laboratório.
Quando faleceu, a Funed o homenageou e fui chamado para falar. Não costumo aceitar incumbências assim, mas no caso dele não trepidei. Encerrei com uma comparação entre o Diniz e um político mineiro que indignava Tancredo Neves, por usar raro talento oratório para enganar todo o mundo. E concluí: todos nós nos afligimos com a dificuldade do Diniz para expressar suas mais geniais ideias; ora pois, enquanto o Diniz é maravilhosa fluência de ideias com dificuldade para expressá-las, esse político é maravilhosa fluência verbal à procura desesperada de mínima ideia que tenha algum valor. Este cientista-patriota, este professor-empreendedor, este cidadão valente - de posições sempre socialmente impecáveis e em sintonia constante com a juventude de seus alunos - deve passar a ser, nos dias mesquinhos e conturbados de hoje, o símbolo de perseverança em prol da vocação de grandeza deste país


O autor é professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais e criador do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais

sexta-feira, 8 de abril de 2016

AGRIPA VASCONCELOS
Mineiro, médico, poeta, historiador e ficcionista - a ser entronizado ao lado de Nava e Rosa

João Amílcar Salgado
            Agripa Vasconcelos foi homenageado em 8/4/16 na Academia Mineira de Letras por seus 120 anos. Ele e Arnaldo Antônio Elian, também médico, são nascidos em Matozinhos, Minas. Com ambos, Matozinhos sobressai no mais seleto cenário da medicina brasileira.  Os Vasconcelos são vasta família no Brasil, principalmente em Minas.  O primeiro historiador de Minas é Vasconcelos e o segundo é seu filho. Ambos são Diogo. Daí que para um terceiro seria fácil ser o inconfundível autor de obras-primas, na categoria  da  ficção histórica.
            No Centro de Memória da Medicina estudamos seis aspectos de Agripa pouco conhecidos: 1) o médico, 2) o orador de sua turma, 3) o historiador atrás do ficcionista 4) o poeta, documentado por sua filha Mara Mancini,  5) sua amizade com o erudito médico lavrense Ataúlpho Costa Ribeiro, desassombrado nietzschiano,  a quem presenteou com o soneto ADOLESCENTE, inédito, 6) sua atividade clínica em Patos de Minas, pesquisada pelo médico e historiador Giovanni Caixeta Ribeiro. Na faculdade do Rio, foi colega do notável médico Agostinho Paolucci, de Barbacena. No livro AGOSTINHO PAOLUCCI O APÓSTOLO DA MEDICINA (2010), que o filho Ruy Carlos, outro notável médico (e também artista plástico e humanista) publicou, é possível ter ideia do curso médico de Agripa e, decorrentemente, de sua competência clínica. De minha parte, além de apreciá-lo como historiador de Minas e historiador da medicina, o incluí no estudo comparativo de oradores de turma: além dele, Carlos Drummond, Odilon Behrens (contraposto a Pedro Nava) e Guimarães Rosa (contraposto ao paraninfo Samuel Lib|ânio).
            A filha Mara, na aula que deu sobre o pai no Curso de História da Medicina, emocionou a todos e foi ovacionada pelos estudantes quando, com imensa doçura e perfeita perfórmance, declamou CHUVA DO MAR.

CHUVA DO MAR
                             
(No  baixo e no médio rio Doce, chamam as chuvas temporárias, chuvas do mar -  talvez por  serem trazidas pelos ventos do Atlântico.)

Quando Raquel casou, naquela tarde mansa,
Vi desfeito de vez meu sonho de criança...
Um desespero atroz meu ser avassalou !
Mas alguém que conhece os mistérios do mundo
Num sussurro me disse um conselho profundo:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
                                                                     E passou.

Quando, ainda mocinho, eu senti, doido de ira,
Que, parecendo certo, era tudo mentira
O amor que me jurara a pérfida Margot.
Quis morrer - mas alguém que conhece esta vida
Me falou, sem calor, mas em frase sentida:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
                                                                     E passou.

Quando Ofélia seguiu seu destino sombrio,
Senti, como ainda sinto, o coração vazio!...
Faz tanto tempo já que nem sei mais quem sou !
Mas quem viu em meu pranto uma simples garoa
Quis em vão me dizer uma palavra boa:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
                                                                     Não passou
.
[Apud blogue Agripa]
            Já o soneto guardado como troféu por mestre Ataúlpho, transcrevemos aqui:
ADOLESCENTE:  No citoplasma do ovo, ao gene, obscura, / Na química fatal do cromosoma, / Foste gerada com a dourada coma / Ao calor da genética mais pura! // Produto de um calor que ainda perdura, / Num salto mendeliano, agora assoma / Teu vulto esbelto que é o resumo, a soma / De protoplasmas que o calor mistura. // Na tua biologia recessiva, /Não teu pai – tua mãe é que está viva, / O gene dela é que prevaleceu // Tu que vens de uma antese clara e bela, / Já te cobri de beijos dados nela/ E beijo em ti aquela que morreu.
            Para Agripa, vale mais a devoção da neta Mara, que, nesta data,  realiza em homenagem ao avô o que todos os grandes de nossa historia e de nossa literatura sonhariam para si.


O autor é professor titular de Clínica Médica e criador do Centro de Memória da Medicina de MG na UFMG
JOSÉ RENAN DA CUNHA MELO
Energicamente realizou sozinho o sonho de quantos?

            em Belo Horizonte o que faz quando está num dos países adiantados em trânsito, nos quais já morou ou visita freqüentemente. Sendo alucinantemente versátil em tudo, domina também a medicina preventiva e daí que cedo abandonará o ciclismo de risco, para alívio de todos nós. Em alguns endereços estrangeiros de alta medicina, encontrei o rastro do Zé Renan, com elogios tais que em cada qual não me contive em afirmar que ele foi um dos meus iniciandos à pesquisa, dos quais  muito me orgulho - dele em especial.
Toda manhã, quando desço de carro a avenida Bernardo Monteiro, costumo ultrapassar um ciclista, que quase sempre é o Zé Renan.  Como pode um preciosíssimo recurso-humano estar assim  sob risco tão óbvio? Ele está tentando fazer
            Graduou-se em medicina pela UFMG em 1968 e logo juntou-se ao grupo de jovens que Celso Afonso de Oliveira e eu iniciávamos na pesquisa, referente à doença de Chagas, esquistossomose e estrongiloidose.  O primeiro trabalho de que participou intitulou-se TRATAMENTO DE CASOS AGUDOS DA ESQUISTOSSOMOSE MANSONI COM HYCANTHONE (Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 1971), sendo co-autores, além dele, os iniciandos José Murilo Zeitune e Dalton Chamone, ambos hoje estrelas da clínica e da pesquisa médica em Campinas e em São Paulo. A publicação seguinte com os mesmos três iniciandos foi o estudo intitulado POSSIBILIDADES EVOLUTIVAS CLÍNICAS NA ESQUISTOSSOMOSE  MANSONI, COM APRESENTAÇÃO DE UM CASO DE EVOLUÇÃO ADAPTATIVA COMPLETA (mesma revista, 1972). Neste último caso, a comissão editorial da revista quis simplificar o texto e reduzir a referenciação bibliográfica, do que discordamos. O Dalton Chamone jê era estagiário no instituto paulista e sua argumentação impressionou tanto seus interlocutores que foi um dos fatores para que o retivessem ali.
Vale lembrar outros iniciandos da época: Armando Carneiro, Edward Tonelli, Antonio Dílson Fernandes, José Américo Campos, Sérgio Drummond, Amélio Maia, Lúcia Foscarini, José Maria Veiga Azzi,  J Diamantino,  H Chaves, Luiz Geraldo Matos, Maria Suzana Lemos, João Paulo Mendes de Oliveira, João Galizzi Filho, Antonio Candido Melo Carvalho, Orcanda Rocha, Cid Sérgio Ferreira, Elisabete Lauar, Dirceu Greco, Anielo Greco, Ciro Buldrini, Sebastião Soares Leal, Davidson Pires de Lima, Leonardo Diniz, José Maurício Carvalho Lemos, Luiz Otávio Savassi Rocha, Cláudio Azevedo Sales, Carlos Luiz Guedes, Carlos Faria Amaral, José Carlos Silveira, José Agostinho Lopes,  Júlio Anselmo de Souza, César de Barros Vieira, Francisco Luiz Costa, José Nelson Mendes Vieira, Francisco Caldeira Reis  e José Carlos Gallinari . Pela projeção que quase todos vieram a ter, pode avaliar-se a importância do modelo de iniciação cientifica, de cujo desenvolvimento tive a satisfação de participar, ao lado de  Celso Afonso de Oliveira, Luiz de Paula Castro, Tarcício Ribeiro Campos, Cid Veloso e Arnaldo Elian, com o apoio essencial de João Galizzi. Fez parte dessa inovação a integração com outras cadeiras clínicas, com pesquisadores na área da pedagogia médica e com disciplinas pré-clínicas, havendo importante envolvimento dos professores José Pellegrino, Zigman Brenner, Pedro Raso, Washington Tafuri, José de Souza Andrade Fiho,  Wilson Beraldo, Eurico Alvarenga Figueiredo, Giovanni Gazzineli, Carlos Ribeiro Diniz, Lineu Freire Maia, Jairo Bernardes, Célio Garcia e Domingos da Silva Gandra, os quais contavam com iniciandos nas respectivas áreas.
A segunda das publicações citadas ilustra a tendência de pesquisa clínica que foi então esboçada, a partir de publicação anterior, intitulada REVISÃO CRÍTICA DOS DADOS QUE FUNDAMENTAM O PROGNÓSTICO E A TERAPÊUTICA DA FORMA CRÔNICA DA DOENÇA DE CHAGAS (Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 1964).  Trata-se da aplicação, em proveito da investigação clínica, de conhecida peculiaridade da medicina mineira, cujo modelo completo é Carlos Chagas, que consiste em querer sempre conjugar rara e incansável curiosidade bibliográfica com igualmente rara e desassombrada versatilidade interdisciplinar. Assim fica possível aventurar por temas evitados por sua complexidade e que estão usualmente situados na província da fisiopatologia. Pois bem, cinco de nossos iniciandos, Dalton Chamone, Antônio Cândido Melo Carvalho, Sebastião Soares Leal, Antônio Dílson Fernandes e José Renan da Cunha Melo se mostraram radicais na adoção dessa empreitada, sendo que os dois últimos chegaram ao extremo de levar sua versatilidade a qualquer fronteira cirúrgica ou experimental.
No caso de José Renan da Cunha Melo, são  necessários os parágrafos precedentes para que melhor se  entenda sua surpreendente sucessão de graduações: em medicina (1968), veterinárioa (1983) e direito (2003), além de mestrado em fisiologia-farmacologia (1975) e doutorado em cirurgia (1985) (todos esses diplomas pela UFMG) e ainda pós-doutorado  pelo National Heart Lung and Blood Institute, Bethesda, EUA (1985-8). Como bacharel em direito, é estudioso dos marcos legais da clonagem humana e da biotecnologia.  Sendo cirurgião geral, hoje integra a equipe cirúrgica do Instituto de Gastroenterologia da UFMG, entidade  surgida exatamente do citado esforço de iniciação científica.  
Todos o professores da velha guarda se entusiasmaram com seus talentos e procuraram retê-lo em seus laboratórios: Wilson Beraldo, Luigi Bogliolo e João Resende Alves. Ele, por sua vez, respondeu tamanho aplauso, fazendo seu mestrado e seu doutorado com pesquisa experimental da tradição desta Universidade, ou seja, com a toxina de nosso escorpião amarelo, descrito por sinal por um iniciando da pesquisa, de perfil análogo ao seu, o ex-estudante de engenharia Osvaldo de Melo Campos - depois grande luminar da clínica. Pesquisaram o mesmo animal Campos, Otavio de Magalhães, Amílcar Viana Martins e Lineu Freire Maia. Também me honra que seu doutorado, além da toxina escorpiônica, tenha tido por tema possíveis manifestações digestivas da forma experimental da doença de Chagas, tal como minha tese de mestrado, oito anos antes.
Quando estive na Universidade de Londres em 1976, Richard Erlam, tratadista de cirurgia e fisiologia  do esôfago, teceu entusiásticos elogios a José Renan e se mostrou muito grato a este por ter-lhe chamado a atenção para a doença de Chagas. Ressaltou que mesmo na ciência britânica era raro um pesquisador da polivalência desse brasileiro. Quis conhecer nossa universidade e aqui se emocionou quando lhe mostramos a cine-radiografia do esôfago da célebre paciente Berenice. Os cirurgiões Richard Erlam e John Major, num churrasco no sítio do primeiro nos arredores londrinos, quiseram saber de Luiz de Paula Castro se o sistema educacional brasileiro era capaz de produzir  muitos Josés Renans. Luiz respondeu que raramente surge um, apesar do sistema educacional.  Meu comentário foi observar que o mérito não cabia ao sistema, mas aos pais do Renan, que ao lhe darem o nome Renan, estavam profetizando seu inquieto e fulgurante brilho.


           










quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

COMPROVADAS AS ONDAS GRAVITACIONAIS DE EINSTEIN - E QUE MINAS TEM COM ISSO?


Cientistas anunciaram em 11-2-16 que em 14-9-15 ficou comprovada a hipótese de Einstein de que ondas gravitacionais percorrem o universo. Não só foram fisicamente comprovadas como ouvidas. Isso significa que, a partir daí, poderemos ouvir o som da onda provocada pelo bigbang, explosão universal supostamente ocorrida há quase 14 bilhões de anos. Einstein deduziu as ondas em 1916 e 100 anos depois, em 2016, elas foram comprovadas. Que isso tem com Minas Gerais?
Não podemos esquecer que foi no Brasil que se realizou  a confirmação da principal proposta de Einstein, a equação da relatividade. Isso ocorreu no Brasil porque houve um eclipse na cidade cearense de Sobral, em 1919, e com ele  foi possível comprovar a formulação do sábio alemão. Einstein deveria estar em Sobral para presenciar e celebrar sua façanha. Ele não veio e só visitou nosso país seis anos depois, em 1925.
No motivo de sua ausência em 1919 e de sua presença em 1925, entra um componente mineiro. Isto porque foi o médico mineiro Antônio da Silva Melo, de Juiz de Fora, o fator principal na decisão de Einstein para a viagem ao Rio de Janeiro. O cientista tinha medo de morrer de diarreia no calor tropical (ele padecia dessa catação-de-risco). Seu médico alemão o tranquilizou, indicando que seria recebido  no Rio por um médico que fora seu aluno e colaborador em Berlim e que este brasileiro, além de falar alemão fluentemente, era gastrenterologista de alta competência. Einstein foi tão bem tranquilizado que teria beliscado quitutes no mercado municipal e provado feijoada na residência de Melo.
Assim, quando Einstein desembarcou no Rio, foi recebido por dois mineiros: o também cientista e também descobridor Carlos Chagas e pelo criador da Gastrenterologia brasileira, Antônio da Silva Melo. E mais ainda: Einstein havia recebido o premio Nobel de Física em 1921, sendo que Carlos Chagas foi indicado para receber o premio Nobel de Medicina neste mesmo ano e não o recebeu por uma armação de gente má e poderosa, que não tolerava o fulgurante brilho deste mineiro.
Leonice Simões, Gilberto Felisberto Vasconcelos e João Amílcar Salgado, dois mineiros e um paulista, documentam a relação entre Einstein e Silva Melo. Já Carlos Amílcar Salgado, mais um mineiro, em seu livro A História da Dispepsia e a Dispepsia na História (2007), estuda a dispepsia que acometeu personagens históricos, um deles Albert Einstein.
João Amílcar Salgado