FIDEL E NOSSO ROMANTISMO DOS ANOS
DOURADOS
João Amílcar Salgado
No
livro O RISO DOURADO DA VILA (2003) eu digo que “A urologia e a
pediatria ainda ficavam no antigo hospital São Vicente, do qual relembro os
corredores arejados, ainda cheirando a iodofórmio, em pela era da penicilina.
Ali o Aparício Silva de Assis, que tinha acabado de almoçar com o general
Vernon Walters, nos garantia que os norte-americanos estavam apoiando os
guerrilheiros de Sierra Maestra. Foi então que meu colega João Cândido disse: a propósito o Fidel Castro foi ouvido no
México, dizendo na Rádio Rebelde que a primeira coisa que fará após derrubar o
ditador vai ser cortar os bigodes do cantor Bienvenido Granda...”
Noutra
parte do livro relato que, ao lado da república Remanso-de-Hipócrates, morava o
escritor Benito Barreto. Certo dia, em 1962, ouvimos muita gente chegando a seu
apartamento, todos em volta do escritor Jorge Amado, que viera prestigiar o
lançamento do primeiro livro do Benito, PLATAFORMA VAZIA. Fiquei ao lado
do Jorge o tempo todo, o qual então perguntou ao Benito se estava recebendo os jornais de Cuba. Este
respondeu que ultimamente parou de recebê-los e queixou: acho que o DOPS está interceptando minha correspondência. Fiquei
ali ouvindo tudo isso fingindo cara de pateta, porque eu era o interceptador. De
fato, nós lá na república líamos tudo, acompanhando os primeiros passos daquela
inacreditável vitória, inclusive a notícia de que Bievenido conseguira fugir,
preservando seus bigodes. Só confessei o
acontecido ao Benito muitos anos depois e ele riu muito.
Éramos
mais fãs do argentino Guevara do que do cubano Fidel. Esperávamos que
defendessem um socialismo democrático, mas não tiveram outra alternativa a não
ser cair nos braços da União Soviética. Quem os induziu a isto não foram os
soviéticos mas Robert McNamara, ministro de Kennedy. Este homem, além deste, cometeu outro crime:
a invasão da Bahia dos Porcos, contrariando o irmão do presidente, Robert
Kennedy. Mais tarde ele cometeria mais um: o mergulho na loucura da guerra do
Vietnã. Naquela invasão e nesta Guerra os EUA sacrificaram sobretudo seus
jovens e foram fragorosamente derrotados – além de causarem imensurável dor e
morticínio sem fim de inocentes.
De
nossa parte ficamos decepcionados com nossos heróis da Sierra Maestra,
especialmente pelo paredón, e com
nosso herói John Kennedy. Este ainda tentou amenizar as desigualdades sociais
da América Latina, por meio de gigantesco projeto de 20 bilhões de dólares da
época, denominado ALIANÇA PARA O PROGRESSO, cujo fim era evitar que os Andes se
transformassem em imensa Sierra Maestra. Kennedy e Guevara estavam em Punta del
Este, em 5/8/61, mas Chê se recusou a assinar o documento final da Aliança.
Robert,
o irmão de John Kennedy, nos parecia de nosso lado, contra McNamara. Mas, na
medida em que crescia essa discordância, ambos os Kennedy foram assassinados.
Assim, nós que sonhávamos com um mundo melhor sofremos rudes golpes, inclusive
a morte dos papas avançados João 23 e João Paulo 1º.
Esses
ideais juvenis (expressos em meu discurso de orador da turma, em 1960)
alimentaram a minha curiosidade sobre o que ocorreria em Cuba ao longo dos
anos. Luiz Felipe Cisalpino Carneiro, meu inesquecível amigo, e que foi um dos
vanguardeiros da humanização da psiquiatria mineira e brasileira, ao contrário
de nós, nunca deixou de ser fanático por
Fidel. Chegou a pedir minha ajuda para
visitar Cuba em plena ditadura no Brasil. E não é que consegui? Solicitei em
troca que nos trouxesse dados sobre a saúde e a educação de lá. Ministrou
magnifica aula sobre o hospital psiquiátrico de Havana em 3-5-1982.
Eu
próprio, também em plena ditadura, fui muito prestigiado em Puebla, México, em
1979, por causa da repercussão internacional da inovação no ensino da medicina,
conseguida na UFMG em 1974. Fui ali procurado por dirigentes educacionais de
vários países, inclusive para opinar sobre o ensino médico cubano. Neste caso,
aleguei que poderia ajudar em termos exclusivamente pedagógicos e sugeri que
buscassem a assessoria neutra da ONU/OPAS. Mas insistissem para que o assessor
fosse Juan Cesar Garcia. Assim, a inovação cubana ocorreu com vários aspectos
semelhantes ao novo ensino da UFMG. Nessa oportunidade, as autoridades
ministeriais mexicanas me levaram a um almoço onde tive longa conversa com uma
bela endocrinologista que chegou a ter um romance com Fidel. Ela adorou vários
de meus causos nepomucenenses.
Demais,
o admirável Luiz Carneiro me presenteou com um texto de Gabriel García Márquez,
no qual ele entrevista Fidel sobre o BOGOTAZO, ocorrido em 7/2/1948. Apresentei
no congresso de Historia da Medicina, de 2002, em Ribeirão Preto, SP, um
confronto entre esse texto e o discurso de João Guimarães Rosa, proferido em
sua posse na Academia de Letras. O resumo de tal estudo é o seguinte.
A Organização dos Estados
Americanos (OEA) foi criada em Bogotá em 1948. Por razões diferentes estavam
ali Rosa, Marques e Castro: o médico mineiro, como diplomata, Marques, como
jornalista, e Castro, como agitador estudantil. Afora os motivos que os levaram
a convergir para este lugar, nesta data, há algo em comum no modo de se
expressarem. Marques usava a palavra para a comunicação jornalística, Fidel,
para a oratória política, e Rosa para a ficção. Marques evoluiu do jornalismo
para a ficção e Castro igualmente, pois o sonho igualitário prossegue sendo a
mais sedutora e pertinaz ficção humana. Outro ponto em comum é a área da saúde,
embora, dos três, Rosa seja o único médico. Marques tematizou a saúde em seu
livro O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA (1985) e Castro comandou a construção
de um dos melhores sistemas de saúde do mundo.
Quando estavam ali, ocorreu o bogotazo, grande agitação popular,
precursor de nossos panelaços. Na
entrevista a Marques, Castro garantiu que o fenômeno foi espontâneo e ele
apenas tentou direcionar o movimento. Houve até sua célebre exortação quando,
do meio dos manifestantes, se dirigiu ao guarda do palácio, de arma em riste
contra todos – tentando convencê-lo a mudar de lado. No lado da OEA, os
delegados estrangeiros ficaram protegidos num bairro de luxo de Bogotá. Em seu
discurso de posse na Academia de Letras, Rosa descreve o medo de que a revolta
chegasse até eles. Garantiu que a coisa
foi amenizada pela prosa paregórica de
João Neves da Fontoura.
Finalmente,
chego ao tema que mais aprecio: a genealogia dos Castros. No referido livro O
RISO DOURADO DA VILA (2003), relato que em Londres, em 1976, ocorreu um
diálogo meu com historiadores da Universidade de Oxford, sobre isso. Um
historiador perguntou ao Luiz de Paula Castro (um dos maiores gastroenterologistas
do Brasil) qual era seu parentesco com Fidel Castro. O Luiz ficou indignado e
disse que não havia nenhum parentesco. Eu comecei a rir e me perguntaram a
causa do riso. Expliquei que havia parentesco sim, pois quase todos os Castro
do mundo provêm de pequena região galega. E, para provocar os ingleses, disse
que inclusive os Castro da história britânica tinham tal procedência. Aí foi a
vez dele se indignar: cite-me um Castro
histórico daqui!. Respondi com uma pergunta: como é o nome da rua aqui defronte? Ele respondeu: Lancaster Gate. Acrescentei: Lancaster quer dizer
Além-Castro, ou seja, Castro de Além Mar. Os Castro galegos atravessaram o mar
e conseguiram dar um golpe palaciano e assumem o poder em 1399, reinando até
1471. De início, os York sabiam dessa coisa e isso gerou a guerra civil chamada
GUERRA DAS DUAS ROSAS (1455-85). Todos os Tudor e os descendentes do casal
Isabel de York e Henrique Tudor são Castro.
Ou seja, Henrique 8º é Castro. Meu ouvinte ironizou: convido-o a dar uma aula de história em Oxford sobre algo que os
historiadores de Oxford ignoram. Estou esperando a confirmação do convite
até hoje.
Já
em 1992, os galegos aproveitaram que Fidel estava na Espanha e o convidaram
para visitar a cidade de Láncara, com o fim de participar de uma homenagem a
seu pai galego, Ângel Maria Castro Argiz (1875-1956), nascido ali. Ângel fora
enviado como soldado espanhol para lutar contra a independência de Cuba, país
onde faleceu na cidade de Holguin. Sua humilde
moradia galega ainda existe. Quando Fidel se transformou em herói
mundial, os galegos de todos os matizes ideológicos, inclusive alguns dos
homens mais ricos dos EUA, se orgulharam
de sua façanha. A própria CIA teria temido reação galega interna, quando
organizou os muitos atentados frustrados para assassinar Fidel. Os galegos não
só são disseminados pela Espanha, Américas, Reino Britâncio e pelo mundo, mas
controlam boa parte do PIB internacional.
Após
as invasões nórdicas, os Castro tiveram origem na estratégia israelita de
aloirar os sefardinos, por meio do matrimônio com descendentes celta-alanos. As
famílias galegas dominantes têm a mesma origem, como os Andrade, Salgado,
Machado, Garcia, Pires, Lara, Lemos e Ponce de Leon. De início os Castros já se
tornaram uma das mais poderosas e há quem inclua El Cid na linhagem Castro. Outros Castro que
estudo são os médicos Josué de Castro, Jorge Campos Rey de Castro e Ernesto Lhopart
de Castro.
O primeiro Castro de Portugal parece ter sido Pedro Fernandes de Castro,
cerca 1320, sendo ligados aos Nunes, Calvo e Laim. No Brasil assinala-se, no Rio
de Janeiro, desde 1639, Antônio de Castro, casado na família de Estácio de Sá.
A Minas (Sumidouro) chegou da Bahia o lisboeta Antônio Alves de Castro
(certamente parente do poeta Castro Alves), casado, em 1735, com a baiana Joana
Batista de Negreiros, e aí faleceu cerca de 1757. Mais tarde, Antonio Caetano
de Castro nasceu em Nepomuceno em 1843 e parte de sua família migrou com ele
para Casa Branca, SP. Parece que era irmão gêmeo de José Caetano de Castro,
ambos tenentes-coronéis e ligados à família nepomucenense dos Caetano de Lima,
com vínculos em Itaverava. Em 1868, Alípio Ferreira de Castro casou-se com
Mariana Cândida de Oliveira Lima, neta
de José Antônio de Lima (o Casaquinha), sendo filha de Antônio José de Lima,
falecido precocemente.
Na região de Lavras, os Castro são relacionados aos das cidades de
Pedro Leopoldo (Sumidouro), Barbacena, Prados e Oliveira, representados por
importantes ramos: Carrilho de
Castro, Castro Dias, Ferreira de Castro, Vinhas de Castro, Ribeiro de Castro, Nogueira
de Castro, Brasileiro de Castro e Castro
Assunção, certamente inter-relacionados.
Dois
Castro de importância histórica em Minas são Carlos Chagas, descobridor da
doença que traz seu nome, nascido em Oliveira, e o também médico Célio de
Castro, prefeito da Capital, nascido em Carmópolis de Minas. O sobredito Casaquinha
é meu tetravô materno em Nepomuceno e João Ferreira de Castro é meu bisavô
paterno em Três Pontas.
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Na foto Fidel oferece ao Papa Francisco o livro do mineiro Frei Beto e confessa saudade de quando foi coroinha.