JOSÉ GOMIDE BORGES
INVULGAR RASTREADOR DA HISTÓRIA MINEIRA
João Amílcar Salgado
Logo que o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais foi criado em 1977, sob os auspícios de Pedro Nava, dois entusiastas, Ciro Gomide Loures e Paulo Gomes Leite, vieram compor a equipe de pesquisadores. E passaram a documentar a vida e a obra de Antônio Gonçalves Gomide, médico mineiro, constituinte de 1823, senador do Império e primeiro psiquiatra brasileiro.
Em 1992, o Ciro chegou anunciando novo livro na praça, intitulado O SERTÃO DE NOSSA SENHORA DAS CANDEIAS DA PICADA DE GOIÁS, escrito por José Gomide Borges. E acrescentou que o autor era um historiador parente dele, o qual, com aquela obra finalizada, passaria a estudioso do senador. A esperança era que José usasse sua rica documentação genealógica para esclarecer dados de sua própria família, a Gomide.
Ciro Gomide Loures já nos havia revelado o interessantíssimo episódio em que o naturalista Sainte-Hilaire e o médico Antônio Gomide testemunham uma antecipação, em 1817, da descrição por Pavlov do reflexo condicionado, observado em animais de tropa, na cidade de Caeté. Paulo Gomes Leite, por sua vez, nos revelou documentos até então inéditos que autenticam ser Antônio Gonçalves o verdadeiro autor da IMPUGNAÇÃO ANALÍTICA (1814) aos milagres da Irmã Germana. Com essa impugnação ele não só inaugura a psiquiatria brasileira como antecipa conceitos só depois esposados por Sigmund Freud.
Já José Borges nos revelou Itapecerica como a cidade irradiadora dos Gomide em Minas. O tronco da família se inaugura com Xavier Gonçalves Gomide, nascido na freguesia de Santa Maria de Devela, vila de Castelo de Vide, batizado a 9-5-1712. Xavier era filho de pai homônimo e de Margarida Gonçalves Carrilho, sendo neto paterno de Manuel Gonçalves Gomide e Isabel Morata. Migrou para o Brasil, onde se fixou em Itapecerica.
Seu filho Tomás foi para Piranga, onde se tornou pai do futuro médico e senador. Este veio residir em Caeté, onde cuidou da futura Marquesa de Santos. Dois outros filhos de Tomás, de nome Emílio e Jaime foram para Rio Novo, onde nasceu Ciro.
Xavier Gomide é também pai de Teresa Gonçalves, genitora de Manuel Antonio Gomide, por sua vez pai de João Lourenço Gomide, fixado em Campo Belo. Este deixou descendentes aí e também em Lavras, Perdões, Nepomuceno e Candeias, onde nasceu José.
Os dados do historiador José Gomide Borges são preciosos inclusive para mostrar o parentesco entre as famílias Gomide, Carrilho e Morato, desde ainda Portugal. Tal nexo leva ao parentesco mineiro entre estas e as famílias Alves de Figueiredo e Alves Vilela. Quase todas migraram ao oeste, pela picada de Goiás, encontrando-se Carrilhos, Vilelas e Figueiredo no Triângulo, no noroeste paulista, em Goiás e em Mato Grosso. Observe-se que um dos fundadores de Uberlândia é Carrilho. E o próprio sobrenome Borges do pesquisador é notório nesses mesmos lugares.
No livro sobre o sertão de Candeias, o autor reproduz a fotografia do casarão da fazenda do Engenho do Bom Jardim da Mata do Jacaré, infelizmente demolido - antiga sede do imenso latifúndio de Antônio Vilela Frazão, que cobria a hoje cidade de Santana do Jacaré e outras ao derredor. Diante de minha surpresa por tal preciosidade, José me presenteou com uma cópia bem mais precisa. Que uso fiz dessa cópia?
Acontece que esse casarão está na história da medicina mineira. Um farmacêutico de Andrelândia, José Silva de Assis, chegou recém-formado a Santana do Jacaré e se casou com a linda moça Marieta Freire, moradora naquela fazenda. Ali nasceu seu primogênito Aparício Silva de Assis. José Assis, a seguir, se formou em medicina e se tornou catedrático de urologia na atual Universidade Federal de Minas Gerais, sendo pioneiro na endoscopia vesical no Brasil. O filho sucedeu o pai e se tornou um dos dois primeiros em transplante de rim no país.
Com a foto em um envelope, me aproximei do Aparício e perguntei-lhe se poderia me conseguir uma foto do casarão do Engenho do Bom Jardim onde nascera. Ele disse: infelizmente foi criminosamente demolido e nem foto ficou. E, ao receber a foto e ao rever aquela imagem de sua infância, o luminar da medicina mineira deixou que eu lhe surpreendesse discretas lágrimas incontidas. Em uma solenidade da Academia de Medicina apresentei o José Borges ao Aparício e ambos se abraçaram, sobrando grande emoção para nós três. O sul de Minas é pródigo dessas coisas.
Outra contribuição inestimável de José Gomide Borges se refere ao madeirame de Queluz. Seu livro traz essa lenda regional. Mesmo que venha a ser retificada por pesquisa documental, sempre mereceu ser registrada e ele o fez em boa hora, antes que fosse esquecida. Entre os Vilelas de Santana de Jacaré consta a lembrança de que, após o término da construção do palácio de Queluz (réplica de Versailles, onde nasceu e faleceu nosso imperador Pedro 1º), Antonio Vilela Frazão teria oferecido e enviado o jacarandá-rosa de suas terras da mata do Jacaré, para que com ele o revestissem.
Hoje os turistas apreciam menos a réplica arquitetônica e mais a guarnição de piso, parede e teto feita com a variedade de jacarandá que praticamente não mais existe em Minas, sua origem. E as árvores formavam mata fechada dos dois lados do rio, por quilômetros. Há também a tradição de que desta fazenda foi gado para a corte de João 6º, quando houve escassez de carne para satisfazer o apetite dos cortesãos recém-chegados. Tanto Borges como eu fomos a Portugal acariciar aquela relíquia de nossa região natal.
Por fim, a melhor homenagem que podemos prestar a este seleto esquadrinhador de nossa historiografia ocorrerá quando ajudarmos sua família na preservação do precioso acervo documental que acumulou com admirável dedicação.
Caro João,
ResponderExcluirSoube pela neta de José Gomide Borges que ele faleceu no ano passado. Esperava encontrar aqui neste blog alguma crônica sobre a vida dele e só achei esta, que nem fala sobre a vida dele. Que pena.