João Amílcar Salgado

sábado, 10 de maio de 2014

DOUTORA ADRIANA OLIVEIRA VILELA

Nesta 6ª feira, 9-5-14, em memorável defesa de tese de doutorado, na Escola de Engenharia da UFMG, foi aprovada a Adriana Oliveira Vilela, filha do querido casal Ramilc - Maria Helena. Tive a enorme satisfação de estar presente, ao lado de familiares, amigos, estagiários e docentes, não só por ser acontecimento que faz transbordar de orgulho qualquer nepomucenense, mas pela oportunidade de apreciar como a Adriana se sairia em tão alto desafio. Deve ter sido muito raro que uma moça tão linda, ainda mais de aparência adolescente, tenha protagonizado uma etapa final de doutoramento, ainda mais em engenharia. E, para aumentar a excepcionalidade do fato, sua tese é também rara, tanto no mundo acadêmico como empresarial. Trata de inovação tecnológica para os fornos de carbonização, desenvolvida não em laboratório universitário, mas nas dependências de uma empresa privada. É o momento, pois, em que a universidade e a empresa de abrem uma para a outra, sem qualquer transgressão da independência e da liberdade de cada qual. Por mais de uma evidência, estamos diante de uma invenção destinada a repercussão internacional, inclusive por sua validade ecológica. Quem lucra com isso é o país, que necessita disso: saltar sobre variados e sucessivos fossos tecnológicos. Estão igualmente de parabéns os habilitados especialistas da banca examinadora, que souberam reconhecer esta afortunada convergência entre pertinaz dedicação e reiterada criatividade. Mil felicitações à Adriana e a seus familiares.

domingo, 4 de maio de 2014

BAETA VIANA, A BALEIA E O ZEBU
João Amílcar Salgado
            Em 2014/15 comemoram-se os 80 anos da Exposição de Zebu no Brasil e 70 anos do Hospital da Baleia. Entre os principais pioneiros do zebu em Uberaba, encontram-se descendentes de famílias de Nepomuceno e região, como os Costa (colonizadores da região de Uberaba, Desemboque, Ituiutaba, Franca, Mococa e Barretos), os Carvalho, os Andrade e os Borges. Ali se uniram aos Prata, aos Rodrigues da Cunha e a outros.
Há interessante dupla relação histórica entre o zebu e Baeta Viana. Por sinal, o professor José Baeta Viana, o maior bioquímico brasileiro, foi mestre de conhecidos médicos ligados a Nepomuceno: Rubem Ribeiro, Décio Lourenção, João Pereira Neto, João Sebastião (estudante de medicina), Aprígio de Abreu Salgado, Adauto Barbosa Lima, Alberto e Maurício Sarquis, Oscar Resende Lima, João Batista Veiga Sales, Geraldo Lima, José Elísio Correa Lima, Edward Tonelli e Waltenir Salgado. Honra-me pertencer a este grupo, razão que me leva a fazer o presente relato. Vale lembrar também que o Hospital da Baleia, idealizado por Viana, se localiza junto à fazenda Taquaril, da família Veiga de Nepomuceno
Em 1943 houve o Manifesto dos Mineiros, forte golpe contra a ditadura Vargas. Em 1944 estava programada a inauguração do Hospital da Baleia e o serviço de informação da ditadura esperava que neste evento Baeta Viana fizesse violento discurso contra Getúlio Vargas. O interventor Benedito Valadares tramou fazer uma exposição de zebu no parque da Gameleira em Belo Horizonte, como pretexto para trazer Vargas à cidade. No momento da inauguração do Hospital da Baleia, chegam “de surpresa” Benedito e Getúlio. O esperado discurso do Baeta não ocorreu, ele falou sobre a obra e, de hostil, apenas deixou de cumprimentar o ditador.

Anos depois, Baeta Viana foi padrinho de casamento de um ex-aluno em Uberaba. Os fazendeiros orgulhosamente exibiram seus bois ao cientista. Baeta os chocou com seu comentário: o zebu parece ótimo negócio, mas do ponto de vista bioquímico é um erro.  E explicou que o boi ocupa a todos para transformar vegetal em carne e melhor seria plantar diretamente um vegetal equivalente à carne. Perguntaram quase em coro: e este vegetal existe? Ele respondeu que era um feijão oriental chamado soja, que então todos ali ignoravam.  O noivo foi interpelado por que arranjara um padrinho de idéias tão absurdas!... Décadas depois grande parte dos pastos foi coberta pela soja.
AINDA O CENTENÁRIO DE CARLOS LACERDA
João Amílcar Salgado
            No livro O RISO DOURADO DA VILA (2003) relato minha primeira aula de dermatologia. O professor Osvaldo Costa, o maior dermatologista das Américas, entra e encontra, logo na frente, dois alunos lendo jornais: o Paulo Dias lia a ÚLTIMA HORA (do getulista Samuel Wainer) e eu lia a TRIBUNA DA IMPRENSA (do antigetulista Carlos Lacerda). Ele arrebatou ambos os jornais, abriu sua maleta, retirou o ESTADO DE MINAS e o exibiu, para nos ensinar: por esses dois jornais aí o mundo vai acabar depois de amanhã, vocês devem ler este aqui - por este o mundo está indo às mil maravilhas. E acrescentou: a medicina exige estudo diário, em tempo integral, e este jornal aqui nos dá tranquilidade para isso – é esse meu truque para ser o que sou.
            O Lacerda escrevia uma coluna no CORREIO DA MANHÃ chamada “Tribuna da Imprensa”, daí derivou seu jornal, no qual também brilharia o Hélio Fernandes, irmão do Millor Fernandes, dois irmãos geniais. Com a morte de Lacerda, Hélio ficou com a TRIBUNA. Além de ler seu jornal, os estudantes acompanhavam os discursos de Lacerda pelo rádio precário da época. Que espetáculo seria hoje, pela tevê, ao vivo! [Ver www.youtube.com/watch?v=gc4Z4hj_g1M e www.youtube.com/watch?v=kB7UpY-aP7Q]
            Os estudantes de direito, medicina, engenharia e outros eram fãs dos grandes oradores ou locutores e os comparavam: Lacerda versus Afonso Arinos, Pimenta da Veiga (pai) versus Pedro Aleixo, Evandro Lins versus Aliomar Baleeiro, Paulo Pinheiro Chagas versus Adauto Lúcio Cardoso, Tancredo Neves versus JK ou César Ladeira versus Paulo Gracindo. Na faculdade de medicina comparávamos Hilton Rocha e José Feldman. Este possuía bela voz mas só depois de grande esforço autodidático passou a notável expositor.
            Eu, que venho sendo orador desde os dez anos, queria falar como o Lacerda, enquanto meu primo José Maria Ribeiro queria falar como o Pimenta da Veiga. Eu conseguia imitar o Pimenta e o Hilton Rocha, mas achava o Lacerda inimitável. Além de procurar imitar tais astros, sugeri ao Zé Maria treinar com a teatróloga portuguesa Esther Leão. Ela cobrava caro, mas ele achou que, para seu futuro, valia a pena - e teve aulas com ela. Nisso foi colega do Lacerda, de Helder Câmara e outros famosos. O Lacerda aprendeu dela emitir tão bem seu vozeirão que dispensava microfone, como verifiquei em palestra que fez na Associação Médica. Nessa época, eu tinha cara de menino e ele me deu carinhosamente seu autógrafo.

A oratória do José Maria Ribeiro era admirada por mim, pelos demais nepomucenenses, por seus contemporâneos na faculdade e pelos juristas. Entre tantos, lembro os desembargadores Celso Alves de Melo e Lúcio Urbano, além de seu mestre e primo João Pimenta da Veiga. 
CARLOS LACERDA E SEUS DOIS ÊMULOS NA UDN MINEIRA
João Amílcar Salgado
Em 2014 acontece o centenário de Carlos Lacerda, que disputa com Rui Barbosa o título de maior orador brasileiro.  Por meio do jornalismo, tornou-se um dos principais políticos do país, após a segunda guerra mundial. Muitos o apontam como maior inimigo do ditador Getúlio Vargas, mas Baeta Viana, professor da Faculdade de Medicina da hoje UFMG, o antecedeu e concorre com ele por este título. Na política, seu rompante e sua fluência foram armas poderosas, mas não era bom em estratégia eleitoral. O melhor estrategista de seu partido era o mineiro Oscar Dias Correa.  Lacerda, Baeta e Oscar eram muito influentes na União Democrática Nacional (UDN), partido antiditadura. O notável orador Adauto Lúcio Cardoso, era o udenista mineiro que mais se aproximava do estilo lacerdista.
Carlos Lacerda é neto do jurista e ministro Sebastião Lacerda, cujos filhos se tornaram líderes do movimento comunista brasileiro, um deles, Maurício, pai de Carlos.  Este herdou e superou a flamejante oratória do pai, tornando-se grande promessa da juventude comunista. Sendo fluminense, era também Werneck, família de origem mineira. Refugiou-se em fazenda de Minas, onde teve vagar para escrever uma análise marxista do vale do rio São Francisco. Mais tarde asilou-se numa república de estudantes de medicina de Belo Horizonte.  
No fim da segunda guerra, moveu-se rumo aos ideais democráticos da UDN. As frustrações eleitorais desta o levaram, junto com os principais udenistas, para o caminho antidemocrático, em lamentável declive, até chegar à extrema direita, apoiando e participando do golpe de 1964.  Os grandes beneficiários da ditadura emergente procuraram livrar-se de Lacerda, de JK e de qualquer outra liderança civil. Assim, restou a Lacerda unir-se a seus antigos adversários JK e Jango. Como Lacerda, JK e Jango morreram em seguida, surgiu a suspeita de que foram eliminados planejadamente.

Oscar Dias Correa tinha levado a UDN a surpreendente triunfo eleitoral em Minas, em 1947. Se, em vez de Lacerda, Oscar fosse ouvido no plano nacional, teria havido um governo verdadeiramente udenista, isto é, democrático, na sucessão de JK -  em vez do desatino representado por Jânio Quadros. E o Brasil teria sido poupado do abismo que durou 20 longos anos: de arbítrio, brutalidade e obscurantismo. 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

MINAS E AS DIRETAS-JÁ
João Amílcar Salgado
            Os historiadores mineiros têm dificuldade no relato de episódios em que Minas aparece mal na história do Brasil. Três episódios podem servir de exemplo. O primeiro foi quando Getúlio Vargas inventou a personagem caricata e sonsa de Benedito Valadares, para se livrar de três correligionários tidos como inteligentíssimos: Antônio Carlos, Capanema e Virgílio Melo Franco, sem os quais os revolucionários de 30 não triunfariam.  O segundo foi quando o líder estudantil Herbert José de Souza, o Betinho, foi passado para trás na eleição para presidente da União Nacional de Estudantes, entidade que, caso sob seus liderados, evitaria certamente o golpe de 64. O terceiro foi quando mineiros foram usados não só para dar início a este golpe como para a tentativa de sua legitimação, por meio de figuras até então respeitáveis no cenário político.
            Americano Freire, fluminense que veio para professor de medicina em Minas, ofereceu explicação endocrinológica para isso. A falta de iodo em nossas montanhas faria com que homens de notória inteligência comprem o Pão de Açúcar no Rio e bondes em São Paulo. A própria origem de Minas explica melhor. Quando descobertas as minas, houve a maior corrida do ouro do mundo, vindo gente de todo o Brasil e de fora da colônia. A população inicial compreendia dois grupos: 1) os que recolhiam ouro, diamante e outras gemas e desapareciam; 2) os que gostaram daqui e aqui se enraizaram. Estes escondiam daqueles suas mulheres e seus baús - e entre si criaram rigorosos códigos tácitos. Quando em outro lugar, julgavam ali vigentes tais códigos. Daí surgiu, inclusive, o anedotário do “mineirim”, tão popular na internete.
            Todo esse preâmbulo é para melhor historiar a relação entre Minas e as diretas-já. A idéia de luta pela eleição presidencial direta, como término da ditadura, surgiu da anistia, em 1979 – conquistada graças ao heroísmo de Teotônio Vilela. Veio a se transformar em campanha nacional em 16-4-1984 no célebre comício do Anhangabaú em São Paulo, no qual Tancredo Neves foi o primeiro a discursar. Ao lado dele estava Milton Nascimento.
Dois anos antes, em 1982, houve a maior greve em universidade federal, durante a ditadura. Exigia-se a eleição direta para diretor de faculdade.  O movimento foi deflagrado na Faculdade de Medicina da UFMG, estando Tancredo Neves em campanha para governador de Minas. Os grevistas obtiveram do candidato pleno apoio a sua reivindicação. A congregação da faculdade, vergonhosamente, não acatou a lista de docentes (um deles eu) eleita pelo voto direto e paritário de docentes, estudantes e funcionários e fez sua lista própria, com ultraconservadores apoiadores da ditadura. Tancredo Neves confessou mais tarde que seu engajamento na campanha das diretas-já remontava a esta greve. Isso contradiz a declaração de Ulisses Guimarães de que Tancredo não era pelas diretas até que ele, Ulisses, o convenceu a se engajar.

            Ainda mais cedo, em 1980, na inauguração da sala Borges da Costa do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, Tancredo aplaudiu os discursos do estudante Jésus Fernandes e do professor Amílcar Viana Martins, ambos bradando inauditas e audaciosas palavras contra a ditadura vigente.  Isso mostra que Tancredo já se encontrava, antes de 1982, em oposição aberta aos poderosos de então. E mostra a aproximação dele com a Faculdade de Medicina, de tal modo que, durante o preparo de seu governo estadual, solicitou dela subsídios nas áreas da saúde e da educação. Mais que isso, no esboço de seu governo nacional, preparava profunda transformação na educação e na saúde, a partir da experiência acumulada na mesma Faculdade. 
JOSÉ BENTO TEIXEIRA DE SALLES
ELE FAZ A GENTE TER ESPERANÇA NA HUMANIDADE
Sua última crônica publicada no EM Cultura ontem lembrava os bons tempos do futebol brasileiro (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press - 26/6/10)
João Amílcar Salgado
            Conheci, antes dele, o irmão Fritz Teixeira de Sales, notável pensador, admirado por toda a minha geração. Tive como fraterno colega de turma na Faculdade o menino prodígio dos Teixeira, o João Augusto Moreira Teixeira, primo dele e filho de Carlos Martins Teixeira, este o corajoso denunciador da silicose em nossas minas. Outros dois primos dele por quem tenho especial estima são  CamiloTeixeira da Costa e Márcio José de Castro Silva.  Havendo tais antecedentes, chegou o dia em que o José Bento aparece no Centro de Memória da Medicina para nos entregar o livro de sua autoria MILTON CAMPOS  – UMA VOCAÇÃO LIBERAL (1975). Explicou: o Milton está na história da medicina mineira porque nomeou Baeta Viana para seu Secretário de Saúde.
            Bem mais tarde, houve a homenagem da Academia de Medicina ao centenário de Adelmo Lodi, quando falei em nome da Faculdade. Ali me penitenciei diante da família pelo violento discurso de orador da turma que pronunciei em 1960, estando Adelmo presidindo, como reitor em exercício, a formatura do curso médico. Confessei que Pedro Nava me fizera rever a imagem dele e que semelhantemente Paulo Pinheiro Chagas me fizera rever a imagem de Kubitschek. No dia seguinte, bem cedo, me telefona o José Bento: você me tirou o sono, pois agora eu também passo a rever a imagem do Juscelino. Respondi que era nosso dever de ex-udenistas tal atitude de grandeza.
            Quando chega o centenário de Clóvis Salgado, o José Bento me pede um texto sobre ele, destinado à revista da Academia Mineira de Letras. Mandei um ensaio intitulado  CLÓVIS SALGADO – A MESMA HABILIDADE NA CIRURGIA E NA POLÍTICA. Uma frase desfavorável a Jarbas Passarinho, quando relato que este coronel foi extremamente grosseiro com o Clovis, foi suprimida na revista. Falei ao José Bento que iria acusar a revista de censura e este disse que acabaria responsabilizado pelo ato, que de fato ignorava. Para não atingi-lo, combinei que nada faria e apenas republicaria o texto integral. E assim está no livro ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS (2013).
            Quando chega o centenário de Hilton Rocha, o José Bento novamente me pede um texto para a mesma revista. Sem a mínima objeção, mandei um ensaio intitulado HILTON ROCHA – A FLUÊNCIA DO ORADOR EMOLDUROU SEU TRIUNFO CLÍNICO E CIRÚRGICO. Também este texto está integralmente no mesmo livro, para que os interessados leiam a versão não editada pela revista. E o José me agradeceu a colaboração incondicional de verdadeiro amigo, pois vários admiradores de Hilton o procuraram para dizer que ficaram ali sabendo de várias facetas do oftalmologista que do contrário jamais conheceriam. Uma dessas facetas é o parentesco entre Hilton e a família de meu colega de turma Sérgio Almeida de Oliveira. Este notável cardiocirurgião me enviou mensagem agradecendo a referencia a essa ligação, tão cara a nós sulmineiros.
            Talvez o fruto mais interessante do sólido vínculo entre José Bento e o Centro de Memória seja uma pesquisa feita por ele e o José Sílvio Resende, extraordinário cirurgião e minucioso investigador, tanto em ciência como na memória da medicina . José Sílvio se deu ao árduo trabalho de esclarecer a até então quase desconhecida ligação entre os luminares Henrique Marques Lisboa e José Baeta Viana e um humilde barbeiro, o sêo Santos – que cortava o cabelo e fazia a barba de gente ilustre em frente ao antigo Cine Metrópole. Pois bem, toda a obra de benemerência dos dois professores não teria sido possível sem a participação desse santo homem, engajado na proteção ao tuberculoso pobre de Belo Horizonte. E o José Sílvio não teria localizado a família de José dos Santos se não fosse a ajuda essencial de José Bento Teixeira de Sales, a partir de uma de suas implacáveis crônicas sobre  nossa vida cotidiana.
            Por aí se pode imaginar que preciosidades estão acrisoladas nas nove obras que publicou. Por elas dá para perceber que José Bento sofreu o mesmo tormento dos cronistas que se sentem desafiados ou são desafiados por outrem para que libertem o romancista enrustido neles. Quantos romances estão no DNA de suas crônicas e de suas fábulas? No caso dele não são só ficção mas sociologia da boa.  

          De minha parte, como historiador, ando às voltas com pesquisas que envolvem o José Bento, o qual, além de Teixeira da Costa, é Viana e Sales. Estudo de longa data  a família Viana do centro de Minas, com importantes personagens em nossa Faculdade de Medicina e na própria história de Minas. De outro lado, estudo as três famílias Sales de Minas: do Serro, de Lavras e de Santa Luzia – de importância análoga.  Perguntei pormenores dessas gentes a Zé Bento e ele anulou minha esperança, completando: toda família tem um interessado nisso e, infelizmente, não sou esta pessoa.  Pensei: ele me frustrou, mas, ao mesmo tempo, me aguçou a curiosidade sobre aquilo de que sua elegância passou ao largo. Afinal localizei essa pessoa no brilhante consanguíneo Eduardo Viana de Paula (ver Sumidoiro´s Blog).

Em 1984,  o mineiríssimo médico Japhet Dolabella publicou o fundamental livro SANTA LUZIA NASCEU DO RIO...  O prefácio, como não podia deixar de ser, é de José Bento Teixeira de Sales, que se diz feliz com a saudade com que o autor recheou as ternas páginas: ... o Rio das Velhas, então caudaloso, que desaforava adiante São Francisco, os córregos dos banhos furtivos da mocidade, os becos das verdades inconfessáveis, os campos repletos de gabirobas e mangabeiras, a boiada atravessando a cidade, com o touro bravo se desgarrando para por em pânico a quietude do nirvana luziense, o velho teatro, iluminado com tímidas gambiarras e enfeitado  por cenários desbotados e bizarros, o sobrado do Rafinha, em cuja venda se encontrava de tudo, desde urinóis e foices até a mais pura renda francesa, o adro do Rosário, a Rua Direita, calçada por alvos seixos roliços, a Matriz, o Largo e, ao fundo, o sobrado senhorial do “Sô” Aurélio, com o seu admirável museu particular.
            Qual de nós mineiros não se irmana ao Zé Bento na emoção concentrada neste parágrafo?

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais


A DITADURA 64-85 E A CORRUPÇÃO NO BRASIL
João Amílcar Salgado
            Os antecedentes da ditadura 64-85 podem ser apontados sob três aspectos. O 1º é a aprendizagem oferecida por ditadores da primeira metade do século 20, principalmente  nazifascistas, estalinistas e caudilhos, um destes Getúlio Vargas. O 2º é o começo da guerra fria, ocasião em que o Brasil esperava forte desenvolvimento socioeconômico no pós-guerra, esperança frustrada pelo governo retrógrado de Eurico Dutra. O principal efeito da guerra fria referente ao Brasil adveio da previsão feita pelo Pentágono nos EUA de desembarque de fuzileiros em vários lugares, um deles no Brasil. Em função disso, o governo Dutra recebeu o plano SALTE, sucedâneo menor e precário do plano MARSHALL.  O 3º aspecto é a quádrupla frustração do partido da União Democrática Nacional (UDN), proposto para unir todos os que desejavam redemocratizar e modernizar o país. Seu 4º fracasso eleitoral, em 1960, o fez esquecer seu propósito inaugural e o precipitou no vergonhoso golpe de 64.
Em tal sentido, a ditadura 64-85 foi embrionada em 1945 com a derrota que o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN, sofreu para Dutra, na eleição presidencial. O governo Dutra foi tão ruim que não seria difícil eleger o brigadeiro para sucedê-lo em 1951, desta vez contra o próprio ex-ditador Vargas. E a UDN mostrou-se incompetente pela segunda vez, pois sendo um partido de oradores consagrados, teve a ilusão de que a flama destes significava votos. E a agremiação dispunha de homens com capacidade eleitoral, mais do que com capacidade retórica, tanto é que isso ficara demonstrado com a vitória do udenista Milton Campos em Minas, em 1947.  O partido, entretanto, não os aproveitou.
            Nova ilusão teve a UDN quando julgou que, com o suicídio de Vargas em 1954, o partido seria imbatível. Isso seria verdade se não fosse JK. E, na sucessão deste, sofreu a 4ª derrota. Para comprovar que a UDN padecia de ilusão de óptica eleitoral congênita, basta lembrar que o referido vitorioso de Minas, Milton Campos, foi o derrotado em 55 e também em 60, como candidato a vice. Por sinal, se Milton, em vez de João Goulart, tivesse sido vice de Jânio Quadros, não teria havido a ditadura de 64. E a frustração udenista veio a ser tamanha que os quase canonizados democratas Milton e Eduardo Gomes aceitaram o lamentabilíssimo papel de ministros de um ditador quasímodo, nos dois sentidos, físico e moral.
            Papel igualmente lamentável desempenhou John Kennedy. Quando foi eleito, em 1960, Nixon era o bandido e John o nosso mocinho. O mundo parecia estar entrando nos eixos com Kennedy de um lado, Luther King de outro e João 23 no meio. O assassinato presidencial fez com que esquecêssemos tudo de errado que John fez. Ele aparentava acreditar piamente em Allen Dulles, diretor da CIA, e em Edgar Hoover, diretor do FBI. Hoover é hoje considerado por muitos grande facínora, responsável que foi por horrendos experimentos em seres humanos, e Dulles igualmente, responsável que foi pelas mortes dos líderes libertários Lumumba e Guevara e pela expansão de narco-plantações. Mas, no caso do Brasil, Hoover deve ser considerado o introdutor  aqui dos métodos mais sofisticados e diabólicos de corrupção. Ele usou contra os nacionalistas daqui a bem financiada experiência de espionagem e delação, usada antes nos EUA contra ativistas universitários e negros e contra qualquer defensor dos direitos civis. Aqui como lá seu expediente irresistível e deletério consumiu ilimitada quantidade de dólares.  Assim foi cevado o alto, médio e baixo clero do futuro partido Arena, pró-ditadura, e foram forjados os impérios Sarney, Malvadeza, Maluf, Marinho, Moon, Evangélicas, Grande Imprensa, Grandes Bancos, Empreiteiras, Madeireiras, Químico-farmacêutico e Agronegócio.  Dulles, por sua vez, se encarregou de preparar a missão Brother Sam, que, se necessário, faria no Brasil a divisão norte-sul já feita na Coréia e em andamento no Vietnã. A tudo isso John Kennedy não podia, nem se quisessem, estar alheio. E Obama, ao acobertar um golpe no Egito, acaba de imitar a atitude de Kennedy para com o Brasil.
            Várias observações podem ser enfatizadas nesta descomemoração do golpe de 64. Por ora enfatizemos a questão fundamental da corrupção, porque está por traz de vários acontecimentos logo no início do golpe. Principalmente três deles: 1) a jura de morte contra Rubem Paiva, 2) o discurso de Moura Andrade declarando vago o governo e 3) a mudança de posição do general Kruel. Paiva denunciou, no próprio dia 01-04-1964, a organização IPES-IBAD como instrumento do governo estadunidense para comprar  parlamentares e outros aliciados, em favor do golpe, e daí que foi jurado de morte. Este mesmo IPES-IBAD pagou considerável soma a Moura Andrade para declarar vago o governo, mesmo com o presidente eleito ainda dentro do território brasileiro. E o general Kruel, que se posicionara em favor da legalidade, mudou de lado quando recebeu grande soma do presidente da FIESP, segundo depoimento do mineiro Erimar Pinheiro Moreira, major-farmacêutico, na época em São Paulo, em cuja farmácia o general foi pago.
            Este relato é da maior importância porque recebemos reiteradas mensagens eletrônicas garantindo a monstruosa falsidade de que não houve corrupção na ditadura. Seus autores são óbvios aproveitadores da desmemória nacional. Basta apontar os citados fatos para mostrar como a corrupção fez parte intrínseca do golpe e como copiosa corrupção correu solta de 1964 a 1985. Nada mais propício à corrupção do que os desvãos, o obscurantismo, o silêncio, o medo, o acovardamento, o sadismo, a intriga, a vileza, a mesquinhez, a leniência, as vinditas e a censura – tudo aquilo que compõe um sórdido e inexpugnável poderio ditatorial, seja, por exemplo, de Hitler, seja, por exemplo, de Stalin. Tanto que não surpreende ter aí florescido a ética perversa do “levar vantagem em tudo” (1976), ao lado da fauna crescente de doleiros, mega-investidores, lobistas, megafalsários, biopiratas e multitraficantes (narcóticos, medicamentos, trabalhadores, mulheres, crianças, órgãos humanos e animais silvestres).
Assim podemos dizer que os corruptos do mensalão petista e os corruptos do mensalão tucano foram excelentes aprendizes tanto de antecessores nacionais como internacionais. Coincidentemente, as duas principais fontes de mensagens sobre a angelical inocência dos ditadores são os jornalistas Carlos Chagas Meimberg e Alexandre Garcia. Carlos Chagas foi nada menos que o assessor de imprensa do ditador Costa e Silva e Alexandre Garcia foi nada menos que o porta-voz oficial do ditador João Figueiredo.