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DITADURA 64-85 E A CORRUPÇÃO NO BRASIL
João Amílcar Salgado
Os antecedentes da ditadura 64-85 podem ser apontados sob
três aspectos. O 1º é a aprendizagem oferecida por ditadores da primeira metade
do século 20, principalmente nazifascistas, estalinistas e caudilhos, um
destes Getúlio Vargas. O 2º é o começo da guerra fria, ocasião em que o Brasil esperava
forte desenvolvimento socioeconômico no pós-guerra, esperança frustrada pelo
governo retrógrado de Eurico Dutra. O principal efeito da guerra fria referente
ao Brasil adveio da previsão feita pelo Pentágono nos EUA de desembarque de fuzileiros
em vários lugares, um deles no Brasil. Em função disso, o governo Dutra recebeu
o plano SALTE, sucedâneo menor e precário do plano MARSHALL. O 3º aspecto é a quádrupla frustração do
partido da União Democrática Nacional (UDN), proposto para unir todos os que
desejavam redemocratizar e modernizar o país. Seu 4º fracasso eleitoral, em
1960, o fez esquecer seu propósito inaugural e o precipitou no vergonhoso golpe
de 64.
Em
tal sentido, a ditadura 64-85 foi embrionada em 1945 com a derrota que o
brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN, sofreu para Dutra, na eleição
presidencial. O governo Dutra foi tão ruim que não seria difícil eleger o
brigadeiro para sucedê-lo em 1951, desta vez contra o próprio ex-ditador Vargas.
E a UDN mostrou-se incompetente pela segunda vez, pois sendo um partido de
oradores consagrados, teve a ilusão de que a flama destes significava votos. E a
agremiação dispunha de homens com capacidade eleitoral, mais do que com
capacidade retórica, tanto é que isso ficara demonstrado com a vitória do
udenista Milton Campos em Minas, em 1947. O partido, entretanto, não os aproveitou.
Nova ilusão teve a UDN quando julgou que, com o suicídio
de Vargas em 1954, o partido seria imbatível. Isso seria verdade se não fosse
JK. E, na sucessão deste, sofreu a 4ª derrota. Para comprovar que a UDN padecia
de ilusão de óptica eleitoral congênita, basta lembrar que o referido vitorioso
de Minas, Milton Campos, foi o derrotado em 55 e também em 60, como candidato a
vice. Por sinal, se Milton, em vez de João Goulart, tivesse sido vice de Jânio
Quadros, não teria havido a ditadura de 64. E a frustração udenista veio a ser
tamanha que os quase canonizados democratas Milton e Eduardo Gomes aceitaram o lamentabilíssimo
papel de ministros de um ditador quasímodo, nos dois sentidos, físico e moral.
Papel igualmente lamentável desempenhou John Kennedy.
Quando foi eleito, em 1960, Nixon era o bandido e John o nosso mocinho. O mundo
parecia estar entrando nos eixos com Kennedy de um lado, Luther King de outro e
João 23 no meio. O assassinato presidencial fez com que esquecêssemos tudo de
errado que John fez. Ele aparentava acreditar piamente em Allen Dulles, diretor
da CIA, e em Edgar Hoover, diretor do FBI. Hoover é hoje considerado por muitos
grande facínora, responsável que foi por horrendos experimentos em seres
humanos, e Dulles igualmente, responsável que foi pelas mortes dos líderes
libertários Lumumba e Guevara e pela expansão de narco-plantações. Mas, no caso
do Brasil, Hoover deve ser considerado o introdutor aqui dos métodos mais sofisticados e
diabólicos de corrupção. Ele usou contra os nacionalistas daqui a bem
financiada experiência de espionagem e delação, usada antes nos EUA contra ativistas
universitários e negros e contra qualquer defensor dos direitos civis. Aqui
como lá seu expediente irresistível e deletério consumiu ilimitada quantidade
de dólares. Assim foi cevado o alto,
médio e baixo clero do futuro partido Arena, pró-ditadura, e foram forjados os
impérios Sarney, Malvadeza, Maluf, Marinho, Moon, Evangélicas, Grande Imprensa,
Grandes Bancos, Empreiteiras, Madeireiras, Químico-farmacêutico e Agronegócio. Dulles, por sua vez, se encarregou de preparar
a missão Brother Sam, que, se necessário, faria no Brasil a divisão norte-sul
já feita na Coréia e em andamento no Vietnã. A tudo isso John Kennedy não
podia, nem se quisessem, estar alheio. E Obama, ao acobertar um golpe no Egito,
acaba de imitar a atitude de Kennedy para com o Brasil.
Várias observações podem ser enfatizadas nesta
descomemoração do golpe de 64. Por ora enfatizemos a questão fundamental da corrupção,
porque está por traz de vários acontecimentos logo no início do golpe.
Principalmente três deles: 1) a jura de morte contra Rubem Paiva, 2) o discurso
de Moura Andrade declarando vago o governo e 3) a mudança de posição do general
Kruel. Paiva denunciou, no próprio dia 01-04-1964, a organização IPES-IBAD como
instrumento do governo estadunidense para comprar parlamentares e outros aliciados, em favor do
golpe, e daí que foi jurado de morte. Este mesmo IPES-IBAD pagou considerável
soma a Moura Andrade para declarar vago o governo, mesmo com o presidente
eleito ainda dentro do território brasileiro. E o general Kruel, que se
posicionara em favor da legalidade, mudou de lado quando recebeu grande soma do
presidente da FIESP, segundo depoimento do mineiro Erimar Pinheiro Moreira,
major-farmacêutico, na época em São Paulo, em cuja farmácia o general foi pago.
Este relato é da maior importância porque recebemos
reiteradas mensagens eletrônicas garantindo a monstruosa falsidade de que não
houve corrupção na ditadura. Seus autores são óbvios aproveitadores da desmemória
nacional. Basta apontar os citados fatos para mostrar como a corrupção fez
parte intrínseca do golpe e como copiosa corrupção correu solta de 1964 a 1985.
Nada mais propício à corrupção do que os desvãos, o obscurantismo, o silêncio,
o medo, o acovardamento, o sadismo, a intriga, a vileza, a mesquinhez, a
leniência, as vinditas e a censura – tudo aquilo que compõe um sórdido e
inexpugnável poderio ditatorial, seja, por exemplo, de Hitler, seja, por
exemplo, de Stalin. Tanto que não surpreende ter aí florescido a ética perversa
do “levar vantagem em tudo” (1976), ao lado da fauna crescente de doleiros,
mega-investidores, lobistas, megafalsários, biopiratas e multitraficantes
(narcóticos, medicamentos, trabalhadores, mulheres, crianças, órgãos humanos e
animais silvestres).
Assim
podemos dizer que os corruptos do mensalão petista e os corruptos do mensalão
tucano foram excelentes aprendizes tanto de antecessores nacionais como
internacionais. Coincidentemente, as duas principais fontes de mensagens sobre
a angelical inocência dos ditadores são os jornalistas Carlos Chagas Meimberg e
Alexandre Garcia. Carlos Chagas foi nada menos que o assessor de imprensa do
ditador Costa e Silva e Alexandre Garcia foi nada menos que o porta-voz oficial
do ditador João Figueiredo.