João Amílcar Salgado

quinta-feira, 1 de maio de 2014

JOSÉ BENTO TEIXEIRA DE SALLES
ELE FAZ A GENTE TER ESPERANÇA NA HUMANIDADE
Sua última crônica publicada no EM Cultura ontem lembrava os bons tempos do futebol brasileiro (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press - 26/6/10)
João Amílcar Salgado
            Conheci, antes dele, o irmão Fritz Teixeira de Sales, notável pensador, admirado por toda a minha geração. Tive como fraterno colega de turma na Faculdade o menino prodígio dos Teixeira, o João Augusto Moreira Teixeira, primo dele e filho de Carlos Martins Teixeira, este o corajoso denunciador da silicose em nossas minas. Outros dois primos dele por quem tenho especial estima são  CamiloTeixeira da Costa e Márcio José de Castro Silva.  Havendo tais antecedentes, chegou o dia em que o José Bento aparece no Centro de Memória da Medicina para nos entregar o livro de sua autoria MILTON CAMPOS  – UMA VOCAÇÃO LIBERAL (1975). Explicou: o Milton está na história da medicina mineira porque nomeou Baeta Viana para seu Secretário de Saúde.
            Bem mais tarde, houve a homenagem da Academia de Medicina ao centenário de Adelmo Lodi, quando falei em nome da Faculdade. Ali me penitenciei diante da família pelo violento discurso de orador da turma que pronunciei em 1960, estando Adelmo presidindo, como reitor em exercício, a formatura do curso médico. Confessei que Pedro Nava me fizera rever a imagem dele e que semelhantemente Paulo Pinheiro Chagas me fizera rever a imagem de Kubitschek. No dia seguinte, bem cedo, me telefona o José Bento: você me tirou o sono, pois agora eu também passo a rever a imagem do Juscelino. Respondi que era nosso dever de ex-udenistas tal atitude de grandeza.
            Quando chega o centenário de Clóvis Salgado, o José Bento me pede um texto sobre ele, destinado à revista da Academia Mineira de Letras. Mandei um ensaio intitulado  CLÓVIS SALGADO – A MESMA HABILIDADE NA CIRURGIA E NA POLÍTICA. Uma frase desfavorável a Jarbas Passarinho, quando relato que este coronel foi extremamente grosseiro com o Clovis, foi suprimida na revista. Falei ao José Bento que iria acusar a revista de censura e este disse que acabaria responsabilizado pelo ato, que de fato ignorava. Para não atingi-lo, combinei que nada faria e apenas republicaria o texto integral. E assim está no livro ENSINO DA MEDICINA NO BRASIL E EM MINAS GERAIS (2013).
            Quando chega o centenário de Hilton Rocha, o José Bento novamente me pede um texto para a mesma revista. Sem a mínima objeção, mandei um ensaio intitulado HILTON ROCHA – A FLUÊNCIA DO ORADOR EMOLDUROU SEU TRIUNFO CLÍNICO E CIRÚRGICO. Também este texto está integralmente no mesmo livro, para que os interessados leiam a versão não editada pela revista. E o José me agradeceu a colaboração incondicional de verdadeiro amigo, pois vários admiradores de Hilton o procuraram para dizer que ficaram ali sabendo de várias facetas do oftalmologista que do contrário jamais conheceriam. Uma dessas facetas é o parentesco entre Hilton e a família de meu colega de turma Sérgio Almeida de Oliveira. Este notável cardiocirurgião me enviou mensagem agradecendo a referencia a essa ligação, tão cara a nós sulmineiros.
            Talvez o fruto mais interessante do sólido vínculo entre José Bento e o Centro de Memória seja uma pesquisa feita por ele e o José Sílvio Resende, extraordinário cirurgião e minucioso investigador, tanto em ciência como na memória da medicina . José Sílvio se deu ao árduo trabalho de esclarecer a até então quase desconhecida ligação entre os luminares Henrique Marques Lisboa e José Baeta Viana e um humilde barbeiro, o sêo Santos – que cortava o cabelo e fazia a barba de gente ilustre em frente ao antigo Cine Metrópole. Pois bem, toda a obra de benemerência dos dois professores não teria sido possível sem a participação desse santo homem, engajado na proteção ao tuberculoso pobre de Belo Horizonte. E o José Sílvio não teria localizado a família de José dos Santos se não fosse a ajuda essencial de José Bento Teixeira de Sales, a partir de uma de suas implacáveis crônicas sobre  nossa vida cotidiana.
            Por aí se pode imaginar que preciosidades estão acrisoladas nas nove obras que publicou. Por elas dá para perceber que José Bento sofreu o mesmo tormento dos cronistas que se sentem desafiados ou são desafiados por outrem para que libertem o romancista enrustido neles. Quantos romances estão no DNA de suas crônicas e de suas fábulas? No caso dele não são só ficção mas sociologia da boa.  

          De minha parte, como historiador, ando às voltas com pesquisas que envolvem o José Bento, o qual, além de Teixeira da Costa, é Viana e Sales. Estudo de longa data  a família Viana do centro de Minas, com importantes personagens em nossa Faculdade de Medicina e na própria história de Minas. De outro lado, estudo as três famílias Sales de Minas: do Serro, de Lavras e de Santa Luzia – de importância análoga.  Perguntei pormenores dessas gentes a Zé Bento e ele anulou minha esperança, completando: toda família tem um interessado nisso e, infelizmente, não sou esta pessoa.  Pensei: ele me frustrou, mas, ao mesmo tempo, me aguçou a curiosidade sobre aquilo de que sua elegância passou ao largo. Afinal localizei essa pessoa no brilhante consanguíneo Eduardo Viana de Paula (ver Sumidoiro´s Blog).

Em 1984,  o mineiríssimo médico Japhet Dolabella publicou o fundamental livro SANTA LUZIA NASCEU DO RIO...  O prefácio, como não podia deixar de ser, é de José Bento Teixeira de Sales, que se diz feliz com a saudade com que o autor recheou as ternas páginas: ... o Rio das Velhas, então caudaloso, que desaforava adiante São Francisco, os córregos dos banhos furtivos da mocidade, os becos das verdades inconfessáveis, os campos repletos de gabirobas e mangabeiras, a boiada atravessando a cidade, com o touro bravo se desgarrando para por em pânico a quietude do nirvana luziense, o velho teatro, iluminado com tímidas gambiarras e enfeitado  por cenários desbotados e bizarros, o sobrado do Rafinha, em cuja venda se encontrava de tudo, desde urinóis e foices até a mais pura renda francesa, o adro do Rosário, a Rua Direita, calçada por alvos seixos roliços, a Matriz, o Largo e, ao fundo, o sobrado senhorial do “Sô” Aurélio, com o seu admirável museu particular.
            Qual de nós mineiros não se irmana ao Zé Bento na emoção concentrada neste parágrafo?

O autor é professor titular de Clínica Médica e pesquisador em História da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais


Nenhum comentário:

Postar um comentário