João Amílcar Salgado

quinta-feira, 1 de maio de 2014

A DITADURA 64-85 E A CORRUPÇÃO NO BRASIL
João Amílcar Salgado
            Os antecedentes da ditadura 64-85 podem ser apontados sob três aspectos. O 1º é a aprendizagem oferecida por ditadores da primeira metade do século 20, principalmente  nazifascistas, estalinistas e caudilhos, um destes Getúlio Vargas. O 2º é o começo da guerra fria, ocasião em que o Brasil esperava forte desenvolvimento socioeconômico no pós-guerra, esperança frustrada pelo governo retrógrado de Eurico Dutra. O principal efeito da guerra fria referente ao Brasil adveio da previsão feita pelo Pentágono nos EUA de desembarque de fuzileiros em vários lugares, um deles no Brasil. Em função disso, o governo Dutra recebeu o plano SALTE, sucedâneo menor e precário do plano MARSHALL.  O 3º aspecto é a quádrupla frustração do partido da União Democrática Nacional (UDN), proposto para unir todos os que desejavam redemocratizar e modernizar o país. Seu 4º fracasso eleitoral, em 1960, o fez esquecer seu propósito inaugural e o precipitou no vergonhoso golpe de 64.
Em tal sentido, a ditadura 64-85 foi embrionada em 1945 com a derrota que o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN, sofreu para Dutra, na eleição presidencial. O governo Dutra foi tão ruim que não seria difícil eleger o brigadeiro para sucedê-lo em 1951, desta vez contra o próprio ex-ditador Vargas. E a UDN mostrou-se incompetente pela segunda vez, pois sendo um partido de oradores consagrados, teve a ilusão de que a flama destes significava votos. E a agremiação dispunha de homens com capacidade eleitoral, mais do que com capacidade retórica, tanto é que isso ficara demonstrado com a vitória do udenista Milton Campos em Minas, em 1947.  O partido, entretanto, não os aproveitou.
            Nova ilusão teve a UDN quando julgou que, com o suicídio de Vargas em 1954, o partido seria imbatível. Isso seria verdade se não fosse JK. E, na sucessão deste, sofreu a 4ª derrota. Para comprovar que a UDN padecia de ilusão de óptica eleitoral congênita, basta lembrar que o referido vitorioso de Minas, Milton Campos, foi o derrotado em 55 e também em 60, como candidato a vice. Por sinal, se Milton, em vez de João Goulart, tivesse sido vice de Jânio Quadros, não teria havido a ditadura de 64. E a frustração udenista veio a ser tamanha que os quase canonizados democratas Milton e Eduardo Gomes aceitaram o lamentabilíssimo papel de ministros de um ditador quasímodo, nos dois sentidos, físico e moral.
            Papel igualmente lamentável desempenhou John Kennedy. Quando foi eleito, em 1960, Nixon era o bandido e John o nosso mocinho. O mundo parecia estar entrando nos eixos com Kennedy de um lado, Luther King de outro e João 23 no meio. O assassinato presidencial fez com que esquecêssemos tudo de errado que John fez. Ele aparentava acreditar piamente em Allen Dulles, diretor da CIA, e em Edgar Hoover, diretor do FBI. Hoover é hoje considerado por muitos grande facínora, responsável que foi por horrendos experimentos em seres humanos, e Dulles igualmente, responsável que foi pelas mortes dos líderes libertários Lumumba e Guevara e pela expansão de narco-plantações. Mas, no caso do Brasil, Hoover deve ser considerado o introdutor  aqui dos métodos mais sofisticados e diabólicos de corrupção. Ele usou contra os nacionalistas daqui a bem financiada experiência de espionagem e delação, usada antes nos EUA contra ativistas universitários e negros e contra qualquer defensor dos direitos civis. Aqui como lá seu expediente irresistível e deletério consumiu ilimitada quantidade de dólares.  Assim foi cevado o alto, médio e baixo clero do futuro partido Arena, pró-ditadura, e foram forjados os impérios Sarney, Malvadeza, Maluf, Marinho, Moon, Evangélicas, Grande Imprensa, Grandes Bancos, Empreiteiras, Madeireiras, Químico-farmacêutico e Agronegócio.  Dulles, por sua vez, se encarregou de preparar a missão Brother Sam, que, se necessário, faria no Brasil a divisão norte-sul já feita na Coréia e em andamento no Vietnã. A tudo isso John Kennedy não podia, nem se quisessem, estar alheio. E Obama, ao acobertar um golpe no Egito, acaba de imitar a atitude de Kennedy para com o Brasil.
            Várias observações podem ser enfatizadas nesta descomemoração do golpe de 64. Por ora enfatizemos a questão fundamental da corrupção, porque está por traz de vários acontecimentos logo no início do golpe. Principalmente três deles: 1) a jura de morte contra Rubem Paiva, 2) o discurso de Moura Andrade declarando vago o governo e 3) a mudança de posição do general Kruel. Paiva denunciou, no próprio dia 01-04-1964, a organização IPES-IBAD como instrumento do governo estadunidense para comprar  parlamentares e outros aliciados, em favor do golpe, e daí que foi jurado de morte. Este mesmo IPES-IBAD pagou considerável soma a Moura Andrade para declarar vago o governo, mesmo com o presidente eleito ainda dentro do território brasileiro. E o general Kruel, que se posicionara em favor da legalidade, mudou de lado quando recebeu grande soma do presidente da FIESP, segundo depoimento do mineiro Erimar Pinheiro Moreira, major-farmacêutico, na época em São Paulo, em cuja farmácia o general foi pago.
            Este relato é da maior importância porque recebemos reiteradas mensagens eletrônicas garantindo a monstruosa falsidade de que não houve corrupção na ditadura. Seus autores são óbvios aproveitadores da desmemória nacional. Basta apontar os citados fatos para mostrar como a corrupção fez parte intrínseca do golpe e como copiosa corrupção correu solta de 1964 a 1985. Nada mais propício à corrupção do que os desvãos, o obscurantismo, o silêncio, o medo, o acovardamento, o sadismo, a intriga, a vileza, a mesquinhez, a leniência, as vinditas e a censura – tudo aquilo que compõe um sórdido e inexpugnável poderio ditatorial, seja, por exemplo, de Hitler, seja, por exemplo, de Stalin. Tanto que não surpreende ter aí florescido a ética perversa do “levar vantagem em tudo” (1976), ao lado da fauna crescente de doleiros, mega-investidores, lobistas, megafalsários, biopiratas e multitraficantes (narcóticos, medicamentos, trabalhadores, mulheres, crianças, órgãos humanos e animais silvestres).
Assim podemos dizer que os corruptos do mensalão petista e os corruptos do mensalão tucano foram excelentes aprendizes tanto de antecessores nacionais como internacionais. Coincidentemente, as duas principais fontes de mensagens sobre a angelical inocência dos ditadores são os jornalistas Carlos Chagas Meimberg e Alexandre Garcia. Carlos Chagas foi nada menos que o assessor de imprensa do ditador Costa e Silva e Alexandre Garcia foi nada menos que o porta-voz oficial do ditador João Figueiredo.


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