João Amílcar Salgado

domingo, 4 de maio de 2014

AINDA O CENTENÁRIO DE CARLOS LACERDA
João Amílcar Salgado
            No livro O RISO DOURADO DA VILA (2003) relato minha primeira aula de dermatologia. O professor Osvaldo Costa, o maior dermatologista das Américas, entra e encontra, logo na frente, dois alunos lendo jornais: o Paulo Dias lia a ÚLTIMA HORA (do getulista Samuel Wainer) e eu lia a TRIBUNA DA IMPRENSA (do antigetulista Carlos Lacerda). Ele arrebatou ambos os jornais, abriu sua maleta, retirou o ESTADO DE MINAS e o exibiu, para nos ensinar: por esses dois jornais aí o mundo vai acabar depois de amanhã, vocês devem ler este aqui - por este o mundo está indo às mil maravilhas. E acrescentou: a medicina exige estudo diário, em tempo integral, e este jornal aqui nos dá tranquilidade para isso – é esse meu truque para ser o que sou.
            O Lacerda escrevia uma coluna no CORREIO DA MANHÃ chamada “Tribuna da Imprensa”, daí derivou seu jornal, no qual também brilharia o Hélio Fernandes, irmão do Millor Fernandes, dois irmãos geniais. Com a morte de Lacerda, Hélio ficou com a TRIBUNA. Além de ler seu jornal, os estudantes acompanhavam os discursos de Lacerda pelo rádio precário da época. Que espetáculo seria hoje, pela tevê, ao vivo! [Ver www.youtube.com/watch?v=gc4Z4hj_g1M e www.youtube.com/watch?v=kB7UpY-aP7Q]
            Os estudantes de direito, medicina, engenharia e outros eram fãs dos grandes oradores ou locutores e os comparavam: Lacerda versus Afonso Arinos, Pimenta da Veiga (pai) versus Pedro Aleixo, Evandro Lins versus Aliomar Baleeiro, Paulo Pinheiro Chagas versus Adauto Lúcio Cardoso, Tancredo Neves versus JK ou César Ladeira versus Paulo Gracindo. Na faculdade de medicina comparávamos Hilton Rocha e José Feldman. Este possuía bela voz mas só depois de grande esforço autodidático passou a notável expositor.
            Eu, que venho sendo orador desde os dez anos, queria falar como o Lacerda, enquanto meu primo José Maria Ribeiro queria falar como o Pimenta da Veiga. Eu conseguia imitar o Pimenta e o Hilton Rocha, mas achava o Lacerda inimitável. Além de procurar imitar tais astros, sugeri ao Zé Maria treinar com a teatróloga portuguesa Esther Leão. Ela cobrava caro, mas ele achou que, para seu futuro, valia a pena - e teve aulas com ela. Nisso foi colega do Lacerda, de Helder Câmara e outros famosos. O Lacerda aprendeu dela emitir tão bem seu vozeirão que dispensava microfone, como verifiquei em palestra que fez na Associação Médica. Nessa época, eu tinha cara de menino e ele me deu carinhosamente seu autógrafo.

A oratória do José Maria Ribeiro era admirada por mim, pelos demais nepomucenenses, por seus contemporâneos na faculdade e pelos juristas. Entre tantos, lembro os desembargadores Celso Alves de Melo e Lúcio Urbano, além de seu mestre e primo João Pimenta da Veiga. 

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