João Amílcar Salgado

quinta-feira, 1 de maio de 2014

MINAS E AS DIRETAS-JÁ
João Amílcar Salgado
            Os historiadores mineiros têm dificuldade no relato de episódios em que Minas aparece mal na história do Brasil. Três episódios podem servir de exemplo. O primeiro foi quando Getúlio Vargas inventou a personagem caricata e sonsa de Benedito Valadares, para se livrar de três correligionários tidos como inteligentíssimos: Antônio Carlos, Capanema e Virgílio Melo Franco, sem os quais os revolucionários de 30 não triunfariam.  O segundo foi quando o líder estudantil Herbert José de Souza, o Betinho, foi passado para trás na eleição para presidente da União Nacional de Estudantes, entidade que, caso sob seus liderados, evitaria certamente o golpe de 64. O terceiro foi quando mineiros foram usados não só para dar início a este golpe como para a tentativa de sua legitimação, por meio de figuras até então respeitáveis no cenário político.
            Americano Freire, fluminense que veio para professor de medicina em Minas, ofereceu explicação endocrinológica para isso. A falta de iodo em nossas montanhas faria com que homens de notória inteligência comprem o Pão de Açúcar no Rio e bondes em São Paulo. A própria origem de Minas explica melhor. Quando descobertas as minas, houve a maior corrida do ouro do mundo, vindo gente de todo o Brasil e de fora da colônia. A população inicial compreendia dois grupos: 1) os que recolhiam ouro, diamante e outras gemas e desapareciam; 2) os que gostaram daqui e aqui se enraizaram. Estes escondiam daqueles suas mulheres e seus baús - e entre si criaram rigorosos códigos tácitos. Quando em outro lugar, julgavam ali vigentes tais códigos. Daí surgiu, inclusive, o anedotário do “mineirim”, tão popular na internete.
            Todo esse preâmbulo é para melhor historiar a relação entre Minas e as diretas-já. A idéia de luta pela eleição presidencial direta, como término da ditadura, surgiu da anistia, em 1979 – conquistada graças ao heroísmo de Teotônio Vilela. Veio a se transformar em campanha nacional em 16-4-1984 no célebre comício do Anhangabaú em São Paulo, no qual Tancredo Neves foi o primeiro a discursar. Ao lado dele estava Milton Nascimento.
Dois anos antes, em 1982, houve a maior greve em universidade federal, durante a ditadura. Exigia-se a eleição direta para diretor de faculdade.  O movimento foi deflagrado na Faculdade de Medicina da UFMG, estando Tancredo Neves em campanha para governador de Minas. Os grevistas obtiveram do candidato pleno apoio a sua reivindicação. A congregação da faculdade, vergonhosamente, não acatou a lista de docentes (um deles eu) eleita pelo voto direto e paritário de docentes, estudantes e funcionários e fez sua lista própria, com ultraconservadores apoiadores da ditadura. Tancredo Neves confessou mais tarde que seu engajamento na campanha das diretas-já remontava a esta greve. Isso contradiz a declaração de Ulisses Guimarães de que Tancredo não era pelas diretas até que ele, Ulisses, o convenceu a se engajar.

            Ainda mais cedo, em 1980, na inauguração da sala Borges da Costa do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, Tancredo aplaudiu os discursos do estudante Jésus Fernandes e do professor Amílcar Viana Martins, ambos bradando inauditas e audaciosas palavras contra a ditadura vigente.  Isso mostra que Tancredo já se encontrava, antes de 1982, em oposição aberta aos poderosos de então. E mostra a aproximação dele com a Faculdade de Medicina, de tal modo que, durante o preparo de seu governo estadual, solicitou dela subsídios nas áreas da saúde e da educação. Mais que isso, no esboço de seu governo nacional, preparava profunda transformação na educação e na saúde, a partir da experiência acumulada na mesma Faculdade. 

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