DOUTOR HONORIS CAUSA EM PEDIATRIA
João Amílcar Salgado
1.
Aos 12 anos eu era o braço direito de meu
pai e aprendi tudo de farmácia galênica, inclusive o critério rigoroso para a
dosagem das poções infantis
2.
Desde
então fui pediatra informal para familiares e filhos de auxiliares, em nossa
casa e na roça
3.
No 1º ano de medicina, perguntei ao
professor Liberato DiDio por que não dissecaríamos cadáveres de crianças. Ele
ficou tão desconcertado que disse ser a minha dúvida assunto da próxima aula, a
qual não aconteceu até hoje.
4.
No 3º ano, tivemos o privilégio de
iniciar, na então cátedra de microbiologia, o “convênio da gastrenterite”, pelo
qual as crianças, após o exame clínico, tinham suas fezes sob escrutínio
bacteriológico. Dai surgiu o centro de hidratação infantil, hoje João Paulo II,
e a projeção nacional de meu colega de
turma Josè Aloysio da Costa Val e do excelente Luciano Peret
5.
No quarto ano, o primeiro leito de que
cuidei foi no pavilhão de isolamento. Era uma adolescente com suspeita de
hepatite, mas logo diagnostiquei drepanocitose. Na apresentação deste caso, em
reunião conjunta da clínica médica, citei o efeito da doença sobre a malária,
fato que todo o corpo docente ignorava e ainda suspeitaram de que eu estava inventando.
6.
A partir daí, o Geraldo Canabrava, querido
colega de turma e colega-estagiário desse atendimento infectológico, me
impressionou com seu modo de se relacionar com os bebês e com as mães, bem como
sua capacidade excepcional de interpretar sinais e sintomas. Ao mesmo tempo
excursionávamos a cidades sem médico, em mutirão de atendimento, antecipador do
internato rural.
7.
O impacto das aulas de pediatria propriamente
dita, lideradas pelo genial Ênio Leão, me entusiasmou. Em vez de aulas
teóricas, cada aluno era escalado para um consultório e tive enorme prazer em
acompanhar o sulmineiro Augusto Severo, exímio semiologista pediátrico e cultor
da simplicidade terapêutica.
8.
No final do curso, residi no então
excelente hospital do IPSEMG, onde a metade do atendimento era pediátrica, com
hidratação venosa, inclusive por ambulância. Ali atendi ao lado de eminentes
pediatras, os principais deles Clarindo Cerqueira, pioneiro em neonatalogia,
Múcio de Paula, virtuose da habilidade clínica e Guy Jannotti, diligente
instrutor. Conheci então a magnífica enfermeira pediátrica, a irmã Teca, da
qual recebi elogio inesquecível: “pelo que vejo você vai ser pediatra, não?,
mas, se for, será dos melhores”.
9.
Dedicado à semiologia médica e professor
dela por vários anos, fiz o estudo comparativo entre adulto e criança, e
concluí que qualquer curso médico deve colocar os alunos precocemente no atendimento
50% de crianças, qualquer que seja a
pirâmide populacional. Outro estudo comparativo foi entre o parto de cócoras
defendido por Galba Araújo e a defecação de cócoras defendida por Silva Melo.
10.
Isso levou à proposta de dois segmentos de
ensino ambulatorial: medicina geral de adultos e medicina geral de crianças,
afinal adotado na UFMG em 1975 e depois pelo Brasil. O ambulatório periférico e
o internato rural são obviamente também pediátricos. Isso significou a maior
carga horária pediátrica do mundo. Proposta correlata fora anteriormente feita,
em 1967, de uma equipe mínima de três médicos, sendo um deles pediatra dublê de
anestesista. Outras iniciativas foram os apoios coerentes à oftalmologia
pediátrica através do brilhante Henderson Celestino de Almeida, à cirurgia
infantil através dos eminentes Manoel
Firmato, José Carlos Lana e Moacir Tibúrcio, bem como ao ensino simulado em
adulto e criança, através do notável Antônio Cândido, junto a Cristine McGuire,
mestra do tema.
11.
Sextanista, recebi no plantão uma criança
com síndrome de Waterhouse-Friderichsen e os pediatras diagnosticaram
meningite. Discordei e pedi exame para
febre maculosa. Foi o último exame feito por meu querido professor Otávio
Magalhães, que me parabenizou pelo diagnóstico confirmado por ele
12.
Ainda sextanista, diagnostiquei
mononucleose em outra criança. Na época o exame exigia sangue de carneiro. O
laboratorista Sales Jesuino esbravejou comigo e falou aos pediatras: “este
menino tem de ser proibido de inventar doença, estou bufando de correr atrás de
carneiro!” Depois veio me pedir desculpas, porque o exame deu positivo.
13.
Recém-diplomado, reencontrei, com uma
equipe, a paciente Berenice da Doença de Chagas, sendo que a descrição da
criança inaugural por Carlos Chagas significa o primeiro ou o maior capítulo da
infectologia pediátrica no Brasil. A Berenice de Chagas e a Berenice
reencontrada estão no livro A PACIENTE BERENICE DA DOENÇA DE CHAGAS (2024).
14.
Encontrei em Nepomuceno uma criança que
ingeriu soda cáustica. Trouxe-a ao pronto-socorro e o tratamento foi modelar,
se prestando a muitas aulas. Tanto que a menina, apelidada de Sodinha, passou a
residir no hospital, protegida por Elmo Perez, e a devolvi à mãe Aparecida da
Maria Rosa plenamente recuperada.
15.
Outra criança estava em opstótono em
Nepomuceno e eu tinha acabado de participar da montagem do primeiro CTI
completo do país, na UFMG. Trouxe-a e
foi o primeiro tétano tratado em CTI no Brasil. A criança se tornou um homem
normal que veio, nós dois emocionados, me agradecer recentemente.
16.
O Ênio Leão veio com sua magnífica tese
sobre escorbuto, dizendo que me queria testemunha de sua decisão de jogá-la no
lixo. O outro Enio (Cardilho) tinha dito que seria da banca e a reprovaria pela
ausência de dosagem da vitamina. Arrebatei o texto, fiz a revisão metodológica
e lhe dei dez com louvor.
17.
O Edward Tonelli veio com sua magnífica
tese sobre salmonelose septicêmica, fiz a revisão metodológica e lhe dei dez
com louvor.
18.
O José Silvério Diniz veio com sua
magnífica tese sobre síndrome nefrótica, fiz a revisão metodológica e lhe dei
dez com louvor.
19.
Indiquei o José Silvério para diretor do Hospital
das Clinicas e o Enio para editor da revista médica que criamos. Indicamos
Dario Tavares para a saúde estadual, com o fim de implantar o internato rural,
e ele perguntou: com que recurso? Respondi: com os dólares que a Kellogg nos
deu para a antinatalidade.
20.
Propus a edição de um livro didático sobre
clínica ambulatorial de adultos e outro sobre pediatria ambulatorial, redigidos
pelo método de resolução de problemas. Ambos foram editados, mas, por pressa,
as equipes encarregadas deixaram de lado o método.

Nenhum comentário:
Postar um comentário