João Amílcar Salgado

domingo, 6 de junho de 2021

 

 

Acabo de receber um e-mail do CFM, intitulado, CFM PUBLICA MOÇÃO DE REPÚDIO EM DEFESA DO MÉDICO, AO RESPEITO E À CIVILIDADE NA CPI DA PANDEMIA. Diante dos termos ambivalentes desta moção, respondi o e-mail com o seguinte teor

De João Amílcar Salgado ao CFM

4/6/21

SOU MÉDICO, PROFESSOR TITULAR DE CLÍNICA MÉDICA DA UFMG, EX-PESQUISADOR DO FIOCRUZ, HISTORIADOR DA MEDICINA, CRIADOR DO CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA (UFMG), AUTOR DE ESTUDOS SOBRE JK E SOBRE OS CONSELHOS CORPORATIVOS, ESPECIALMENTE O CFM E OS CRMS.

SOU PRINCIPALMENTE CONTRÁRIO À PARTIDARIZAÇÃO DA SAÚDE.

 DIANTE DISSO, CONSIDERO LAMENTÁVEIS OS POSICIONAMENTOS DO CFM E DAS CORPORAÇÕES MÉDICAS NESTA PANDEMIA.

 NÃO ME CONSIDERO REPRESENTADO PELO CFM, PELO CRMMG, PELA AMB E PELA AMMG.

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NA INTERNETE, A FILOSOFIA FICOU POPULAR


JOÃO AMÍLCAR SALGADO
Diante disso, relembro aqui meu vestibular de filosofia. A inscrição para a Ufmg ainda era no edificio Acaiaca. Meu colega de república estava saindo para se inscrever em engenharia e um outro falou que, se eu também fosse me inscrever, passaria em primeiro lugar. Eu disse que aproveitaria a ideia para me inscrever não em engenharia, mas em filosofia - e que, nesse sim, eu  passaria em primeiro lugar. E passei em primeiro. Era um desejo de desde quando fui aluno do Artur Veloso no colégio estadual. E na banca da prova oral quem estava lá?  O Veloso. Fui agüido também pelo Morse Belém e pelo Eduardo Frieiro. O professor Luiz Andrés me processou na congregação da medicina, com a alegação de que minha frequencia na filosofia violava minha dedicação exclusiva. Quem deu parecer sobre isso foi Wilson Beraldo, que considerou, ao contrário, digna dos maiores elogios aquela minha atividade. Exemplos de contribuição, entre outras,  de minha formação filosófica à minha produção na área médica são o estudo da cooperação versus competição, referente à EQUIPE-MÍNIMA, e o estudo histórico da medicina, que resultou no CENTRO DE MEMÓRIA da medicina, em Minas, com a consequente disseminação do ensino da história da medicina pelo país.

Em 1962, estudar filosofia era escalafobético, termo da época. Surpreende hoje a fauna que se jacta de autoridade em filosofia, pelas redes de comunicação, entre a qual astrólogos, blogueiros e comediantes. Quando estudei, fiz o levantamento de filósofos brasileiros. Nessa busca topei a frase de Giovanni Papini: não há mais filósofos, todos foram mortos pelos professores de filosofia. Os que encontrei eram padres:  Leonel Franca, William Silva, Orlando Vilela e Henrique Lima Vaz. Não-padres, apenas dois, mesmo assim católicos: Artur Veloso e Mário Santos. Este, sentindo-se no fim, pediu que o pusessem de pé, rezou o pai-nosso e faleceu. Suas traduções de Nietzsche são paradoxais. Já Leonel fazia parte de minha biblioteca paterna, por suas NOÇÕES DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA (1918), mas me são preciosas duas de suas outras obras O PROTESTANTISMO NO BRASIL (1938) e O MÉTODO PEDAGÓGICO DOS JESUITAS (1952). O Orlando tinha todos os sintomas de ser meu parente, ainda mais que nasceu em Ventania (Alpinópolis), autor do ótimo UM BURRO E SUA SOMBRA (1965). Do Henrique Vaz cito ANTROPOLOGIA FILOSOFICA (1991), que Joaquim Carlos Salgado e eu lemos ainda mimeografada. O avô de Vaz era médico, sósia de Pedro 2º e revelou que a filariose tinha por vetor um pernilongo. Do Veloso, cujas aulas no Colégio Estadual eram um refrigério na azáfama do vestibular e assim me atraíram para a filosofia, cito A FILOSOFIA E SEU ESTUDO (1947) e VIDA DE KANT (1956). Na primeira aula, quando citou Parmênides: o ser é e o não-ser não é me causou misto de alegria e ciúme, pois fui Parmênides, quando, no primeiro dia de escola primária, a Ìracema Lima me testou: quem não é gordo é ... e respondi não é - e ela me reprovou. Todos, menos Franca e Santos, foram meus professores. Na Vila, quatro filósofos brilham: padre João Assunção, o citado Joaquim Carlos, padre Luís Henrique Eloi e Guilherme Carvalho.

Nesta lembrança, devem ser incluídos o helenista Silvio Barata Vianna, autor de O IDEALISMO EM PARMÊNIDES DE ELEIA (1973) e ENSAIOS DE HISTORIA DA FILOSOFIA (1990)), o poeta e esteta Moacir Laterza, autor de CANTO QUE AMANHECE (1955) e ROTEIRO ESTÉTICO DAS MINAS ENGANOSAS (2002) e o notável latinista e devoto da música erudita Flávio Neves, autor de BACH, BEETHOVEN E WAGNER (sd) e RESCALDO DE SAUDADES (1986)). O Sílvio parecia ser o único que cotejava os conceitos filosóficos com as palavras originais em grego e, na minha turma, ficou surpreso comigo e com o Luiz Gonzaga de Carvalho, porque também éramos adeptos deste esporte - e em grego e latim. De minha parte, fiquei surpreso de saber que ele não lia inglês. Numa aula citei Bertrand Russel e ele indagou onde eu lera aquilo e respondi: no livro A HISTORY OF WESTERN PHILOSOPHY (1946). Ele, com certa inveja, sorriu: então você lê filosofia em inglês? Ali os docentes mais eruditos se limitavam a ler em francês. Exceção era um comparsa e amigo, o filosofo bertrandista e matemático José Maria Pompeu Mémória. Um primo de Bertrand Russel teria vindo para o Brasil e seu avô se desentendeu com Pedro 2º. Desse nosso grupo participava a Soninha (Sônia Viegas), pioneira aqui como mulher filósofa.

O Laterza, juntamente com outros docentes e estudantes, parecia sempre temeroso de ser preso, a qualquer momento, pela ditadura. Discordei de seu existencialismo, mas logo nos tornamos amigos e se manifestou honrado de ter sido meu mestre. Já o Flávio, quase foi colega de internato de meu pai no colégio de São João del Rei e ambos quase foram ali colegas de Guimarães Rosa. Era tio de meu querido colega de turma Armando Gil e encabeçava um grupo de médicos aliciados pelo Baeta Viana, para ouvintes coletivos de Bach, Mozart, Beethoven e Wagner. O Flávio passou a fazer em latim as atas dos encontros, aos quais chamou de melofilia hipocrática. Nelas traduzia até nomes próprios, por exemplo Clovis Salgado era Clodoveus Salsus e José Feldman era Josephus Agrigenta. Outros melófilos eram o Galizzi, o Greco, o Nassim, o Santoro, adjuntos, assistentes, estagiários e fâs.  Flávio se indignou quando, em Diamantina, ficou sabendo que um vereador havia proposto a mudança do nome antigo de um beco, para bajular um figurão da cidade.  Escreveu em latim uma carta de protesto dirigida à câmara. O nome do beco era (ou é) Quebra-Bunda, que em latim ficou mais elegante como “Cunem Frangentis”. Jà em Salvador, a ladeira da rua Arlindo Fragoso, que faz a ligação entre a Rua do Sangradouro e os Galés, foi batizada de Quebra Bunda.  E há também o morro do Quebra Cu na ilha baiana de Boipeba. Por fim, em Pitangui, há o córrego Rala Cu.

 

 

terça-feira, 1 de junho de 2021

 


JOSE GERALDO RIBEIRO

     Hoje, 1/6/21, ocorreu uma coincidência impressionante.  José Geraldo Ribeiro, a maior autoridade brasileira em vacinas, declara sua despedida. E, em contraste, pela tevê, passamos o dia vendo o depoimento de uma impostora. O José e eu, que somos infectologistas, presenciamos alguém que exibiu toda a sua completa incompetência científica e sua gigantesca maldade para, em nome da ciência, propagar falsa terapêutica, em vez de vacinas. Com isso enganou milhões e contribuiu para causar a morte de incalculável número de brasileiros.

Eis a despedida do José.

Hoje encerro oficialmente minhas atividades como neonatologista. Na verdade, quando entrei na FM UFMG tinha como objetivo ser pesquisador, especialmente nas áreas de parasitologia e entomologia. Mas nos ambulatórios da Faculdade desenvolvi a paixão pela pediatria. Também  com os maravilhosos professores daquele Departamento era fácil apaixonar-se. No internato de neonatologia, através de meu professor César Xavier veio o encantamento pela área. Durante minha residência na FHEMIG fiz 6 meses de neo no berçário da Octaviano Neves. Fantástico. Como professor Edson Corrêa, um dos maiores pediatras qu conheci, e que compartilhava comigo o amor também pela Saúde Coletiva. Exercer a neonatologia era um sonho difícil de r pealizar, pois naquela época entrar em maternidades públicas dependia muito de indicações e eu fui o primeiro médico de minha família e não tinha também padrinhos políticos. Nas maternidades privadas era necessário ser cotista e eu não tinha recursos para tal. Aí vem a surpresa: antes do término de minha residência, em outubro de 1981, a Octaviano Neves me convida para compor seu corpo clínico. Formou-se um laço indissolúvel entre eu e a instituição. Durante esse tempo tive convites de outras maternidades, em BH, outras cidades e do Canadá. Mas nunca consegui deixar a Octaviano, onde sempre me senti querido e respeitado. E lá nasceram meus filhos amados.

            Durante esses 40 anos e o cuidado de mais de 12 000 recém-nascidos,  a neonatologia mudou muito. Assisti a espetacular revolução da sobrevivência dos prematuros. A especialidade ficou mais tecnológica, com a utilização de grande número de aparelhos. As relações humanas pioraram; antes vistos pelos clientes com admiração passamos a ser suspeitos de negligentes, até prova em contrário.

            Minha maior alegria é ter tido como colegas várias ex- alunas e ex-residentes. E reconhecer, nos olhos brilhantes delas e deles, os meus. Tive muita sorte. Jamais esquecerei a Octaviano, seus funcionários, enfermagem e colegas. Jamais esquecerei a delícia de ter um RN no colo. Sou muito agradecido a todos.

segunda-feira, 31 de maio de 2021

 

PLENILÚNIO AZUL SANGUÍNEO DE MAIO

JOÃO AMÍLCAR SALGADO


JOÃO A

Neste 26 de maio ocorreu a superlua - e que isso tem com Minas e com a Vila? É que um dos sonetos mais famosos da literatura brasileira é apelidado de PLENILÚNIO DE MAIO e seu autor é Antônio Augusto de Lima, importante personagem da história mineira. O sonetista tem relações de parentesco com a família Lima desta Vila, tendo sido colega de colégio do nepomucenense Manoel Correia de Souza Lima, este que proclamou a república em São Paulo 3 meses antes da proclamação oficial.

domingo, 30 de maio de 2021

 

NA VILA É POSSÍVEL SER ESQUISITO E ENGRAÇADO AO MESMO TEMPO
JOÃO AMÍLCAR SALGADO

            O farmacêutico João Salgado Filho, sentado no alpendre de sua residência, ficava apreciando os passantes, ali na rua Direita, hoje Ernane Vilela. Um ou outro parava para conversar, principalmente porque a prosa era boa, quase sempre com sobra de riso. Certo dia chegou-lhe o Ari Botelho e disse: Sargado, vou aproveitar que estou passando por aqui, para saber o que está acontecendo comigo: uma hora eu estava esquisito, outra hora eu estava engraçado, mas ultimamente vejo que estou esquisito e engraçado ao mesmo tempo, que será isso? Meu pai custou a acreditar no que ouviu, mas para degustar esta doença inteiramente nova, pediu que explicasse melhor. A explicação foi uma lenga-lenga interminável, até que chegou o Zé Viturino e meu pai disse: Ari, você foi de sorte, chegou quem entende de seu problema, acabe de explicar pro Zé. E deixou os dois ali, para ir à cozinha pegar uma asa frita.

Meu pai relatou a consulta do Ari ao Orico, sogro dele, dono da padaria ali na esquina. O padeiro arregalou os olhos, pensou e falou: Já sei, tudo isso é porque ele não é mais meu auxiliar. O farmacêutico sorriu: Então tá tudo resolvido, cê vai readmiti-lo, assim ele vai voltar a ser ou só esquisito ou só engraçado – e aí vai deixar de ser esquisito e engraçado ao mesmo tempo...  O Orico respondeu que isso definitivamente não iria acontecer. Por sinal, os filhos do Ari foram várias vezes atendidos por mim e garanto que estavam entre os meninos mais inteligentes da Vila.

E por que o homem foi demitido? O Ari estava no balcão e o dono arrumava uma prateleira atrás dele. Chegou um freguês e pediu um pedaço de goiabada. O balconista fincou um garfo no pedaço exposto na vitrine e ia entregando ao requerente. Quando este estava quase alcançando o doce, o ofertante recuou o garfo e disse a ele: Quem fez esta maravilha de goiabada é minha mulher, a Zilda; o pai dela vende este pedaço a 200 réis, é muito barato. O homem avançou para pegar o pedaço e o Ari recuou mais ainda e acrescentou: Para esse pedaço chegar até aqui tive que ir lá pra invernada do Jonas Vêga catar as goiabas, levei três tombos e uma cobra quase me mordeu. O freguês avançou mais uma vez e o Ari recuou o garfo pela terceira vez: O senhor precisa vê o trabalho que me deu mexê o tacho! O homem engoliu a saliva que já lhe descia pelos cantos da boca e gritou: Sô Ari, fique com essa goiabada, não quero mais - e pode ficá com os 200 reis que paguei!

FOTO DE ZILDA ANTUNES DE ALMEIDA, EXCELENTE PROFESSORA E CÉLEBRE PELA GOIABADA

 

[APERITIVO DO LIVRO “O RISO DOURADO DA VILA”, 2ª ED, BREVE]


domingo, 23 de maio de 2021

 MARCIO GARCIA VILELA - EMINENTE NEPOMUCENENSE

JOÃO AMÍLCAR SALGADO


Na meninice e juventude o Márcio Garcia Vilela era chamado por nós de Marcinho do Soneca. Era colega de escola da Neusa e seu irmão Marcelo era colega do Lívio. A tia Bebete era a professora do primeiro primário e chegou a nossa casa dizendo que o Marcinho do Soneca e o Carlinhos do Salgadinho (Joaquim Carlos Salgado) eram os mais inteligentes entre os que ela alfabetizou. À noite, na roda da farmácia, meu pai relatou essa opinião ao Soneca e ele enxugou os olhos, enquanto era abraçado pelos demais.  Na família todos diziam que o João Vilela, o Soneca e eu éramos três Vilelas, um o retrato do outro. Concordo plenamente.

Como sempre acontecia, os pirralhos do primeiro ano se apaixonavam pela dona Bebete, tal o carisma e a meiguice da mestra. No caso do Marcinho, ele tinha aula de manhã e à tarde já chegava à residência da dona Bebete, para “continuar a aula”. Na segunda vez, a mãe, a querida dona Niquinha (Antônia Garcia), foi junto para saber se aquilo podia acontecer e ouviu que o menino era “da família”.  Depois disso, à tarde, vários alunos ficavam por ali, no gostoso escritório, para enorme prazer de minha tia. Quando terminou o ginásio, o Marcinho me escreveu uma carta revelando seus planos e pediu minha opinião. Incentivei-o bastante e disse-lhe que, pela redação, ele seria um grande escritor. Sempre foi elogiado por seus discursos, por suas aulas universitárias e por sua elegância.  Após diplomar-se em direito em 1963, topei com ele e perguntei: como vai o jurista? Ele respondeu que faria concurso para embaixador. Parece que foi desviado para a política pelo Aureliano Chaves, que tinha alto apreço pelos udenistas de Nepomuceno. Surpreendentemente, da política ele se desviou para as finanças e se tornou banqueiro. Com o falecimento dos pais, os filhos Márcio e Marcelo deixaram de frequentar a Vila. A fazenda do Soneca, o Bom Jardim, mesmo nome da primeira fazenda dos Alves Vilela, era primorosa e vizinha da nossa. O Zé Gama era outro vizinho e me disse que os herdeiros pensavam em vende-la - e eu deveria me candidatar. Sua venda, entretanto, foi decidida às pressas e eu só soube depois.

O Marcinho casou-se com uma prima, dele e minha - a encantadora Maria Helena. A sogra é a Mariinha do Chico Lima, denominação usada por minha mãe, aquela que aparece na primeira página de meu livro O RISO DOURADO DA VILA (2003). O sogro é o médico Ernesto Maciel, homem inteligentíssimo e humorista finíssimo. O competente cardiologista Flávio, irmão da Maria Helena, foi meu aluno e residente. O Gu (Gustavo), neto do Flávio, é muito amigo de meus netos João Mateus e Fernanda.

 O Márcio, em BH, era vizinho e, tal como eu, freguês do divertidíssimo bate-papo do médico areadense Caio Manso. Pedi a este para confirmar se o Márcio estava ou não escrevendo suas aguardadas memórias. A resposta foi: parece que ele começou, mas parou...  Foi uma perda para nós todos.


terça-feira, 18 de maio de 2021

 TOMÁS COVAS E O AMIRCA


JOÃO AMÍLCAR SALGADO

Estamos em 2021 e em 1951, há 70 anos, vivi algo muito parecido com a tragédia de Tomás Covas. Na mesma idade dele, também perdi meu pai. Por causa dessa lembrança, acompanhei na tevê esse menino vivendo a emoção que vivi. Aqueles que tiveram perda semelhante devem estar sentindo o mesmo que nós dois. A melhor expressão de tal sentimento está na letra de uma canção, com a ajuda da qual, digo que um pai, até então inseparável, quando se vai ES UN PEDAZO DEL ALMA QUE SE ARRANCA SIN PIEDAD. O nome da canção é VEINTE AÑOS, mas para mim são 70 anos.