ANTÔNIO LÍVIO SALGADO
João Amílcar Salgado
Antônio
Lívio Salgado é o somatório feliz
do humor crítico de Vilelas e Salgados Seu humor crítico é tão extremo que
me levou a defini-lo como o menino-prodígio que concluiu não valer a pena ser
prodígio, ou melhor, que ficou com preguiça de continuar sendo prodígio. Com
três anos, ele dava show diário na farmácia de seu pai. Era um menino muito
vivo e falante, loiro então. O Sargado pedia uma a uma, e ele não errava
qualquer capital do mundo. Agora conte
aquela história do Pedro Malasartes. Agora recite “Você sabe de onde eu venho”.
E o menino, com o rompante de orador choroso, herdado de seu lado Correa Lima,
recitava o poema musicado em CANÇÃO DO EXPEDICIONÁRIO (www.youtube.com/watch?v=jykf9-egoaA). Eram dias alegres, logo após a 2ª
guerra e as pessoas faziam roda para ver o menino ganhar na dama ou no xadrez de
qualquer marmanjo, além de peripécias no futebol e no víspora. Seu nome não seria Lívio, mas
Asdrúbal. Seu pai pretendia insistir com nomes cartagineses aos filhos. A mãe Vange achou estranho, mas aceitou mudar
para o nome latino Lívio. O Gingin, esposo da Teresa, prima da Vange, aproveitou
para dar o nome Asdrúbal a seu filho e tudo ficou em família.
O João
Salgado falece muito jovem, aos 47 anos. Em meio ao pranto geral, o tio Tito levou
o menino para o quintal. Mas ele próprio soluçava e ensopava de lágrimas a
roupa do sobrinho. A cidade inteira cercou o Lívio de carinho, principalmente
seus colegas na escola, amigos pela vida toda. A foto anexa mostra todos eles.
Em sua formatura no ginásio, cheguei às pressas de Belo Horizonte, pois ele me
aguardava para retocar seu discurso de orador da turma. A Maria da Tiana, nossa
querida cozinheira, fritou-lhe em homenagem uma pratada de lambaris. O Lívio
exagerou na quantidade ingerida e agi como médico para permitir que o discurso
fosse lido sem sustos.
Para o
curso científico, inscrevi-o para o colégio Estadual e ele ultrapassou o temido
exame com impressionante facilidade e calma. Veio morar na pensão da rua
Paraíba, onde proseava, entre outros, com o vestibulando Valter Caixeta, depois
famoso endocrinologista. O professor suiço Marcel Debrot descobriu que aquele
caipira era capaz de conversar com ele em francês e perguntou como aprendera. O
Lívio respondeu que ele e o tio Moacir receberam aulas que dei durante o ginasial na Vila. Isso
lhe foi útil na França. E coincidiu que sua esposa, Maria do Carmo Barbosa,
além de médica, é também excelente professora de francês. No Estadual foi
colega do Boris Feldman e contemporâneo da Elke Maravilha, participantes da
célebre geração que inaugurou o prédio de Niemeyer. Este prédio foi projetado para
que JK obtivesse dos formandos de 1954 aceitá-lo como paraninfo no centenário
do célebre ex-Liceu Mineiro. Ironicamente, o Lívio estudou ali, lugar onde
antes foi o batalhão em que cumpriu pena um tenente, por ter agredido seu avô
em Três Pontas, em 1934.
Antonio
Lívio brilhou no vestibular de engenharia, na UFMG, conquistando o 2º lugar. Fez
um curso também brilhante e participou da bela iniciativa dos universitários em
qualificar os eletricistas de ofício, mostrando-se excelente e querido
instrutor. Candidatou-se a orador da turma, mas preparou um discurso tão
emotivo, homenageando o pai, que lhe embargou a voz. Os colegas aprovaram o discurso exceto o
orador e, numa rara decisão, exigiram que o segundo colocado fundisse o
primoroso discurso do Lívio com o dele. Fez estágio na Petrobrás, em Salvador,
e ali fez vários amigos, um deles o engenheiro de petróleo Alfeu Valença, irmão
do notável compositor e cantor Alceu Valença. O pernambucano Alfeu contava seus
causos de sua cidade Garanhuns e o Lívio os da Vila. O simpático jovem
apreciava tanto o anedotário do Lívio que não resistiu à tentação de conhecer aquela
improvável cidade. E de fato na visita que nos fez concluiu que a realidade
local era incomparável. Alfeu foi superintendente da Bacia de Campos e
presidente da Petrobrás.
O Lívio fez
carreira na CEMIG, onde chegou a dirigente, sendo que na presidência de Carlos
Eloy Guimarães, atuou com status de diretor. Carlos Eloy me confidenciou: seu irmão foi o
mais rígido superintendente que tivemos e, como tal, causou reclamações contra
seu excessivo zelo ético. A tais queixas a presidência respondeu, não com seu
afastamento, mas apontando-o como
exemplo a ser seguido por todos e permanentemente. Disso o Lívio extraiu,
depois de aposentado, sua permanente crítica à corrupção hoje generalizada.
Mas a
melhor parte da vida desse mineiro típico - e nepomucenense irreversível - aconteceu em
sua vida de aposentado. Isto porque o enxadrista, o matemático, o competente
engenheiro e o severo administrador foram substituídos pelo agrônomo amador.
Saudoso dos pomares de seu pai, fez do seu um prolongamento daqueles. Todas as
divisas internas e externas de sua fazenda são feitas de amoreiras vivas, em
homenagem às trazidas por seu pai de Barbacena, fornecidas pelo sericicultor
Amílcar Savassi. Com isso o lugar, já repleto de passarinhos, multiplicou por
dez o alarido da avifauna. E mais: Antônio
Lívio ostenta o título de cultivador emérito do mangarito, reintroduzido por
ele como iguaria da Vila, em colaboração com o verdureiro Zacarias das 3 Barras,
o último a conservá-lo entre nós.