João Amílcar Salgado

segunda-feira, 27 de maio de 2024

 


AS BOAS NOTÍCIAS TÊM PRESSA PARA SEREM VERDADEIRAS

João Amílcar Salgado

O aperfeiçoamento de veículos, de combustíveis e de estradas sempre me pareceu muito suspeito. O pneu, o asfalto e o diesel são fósseis tecnológicos. O trem de alta velocidade que substitui os trilhos por levitação magnética já está velho, pois sua concepção foi esboçada no século 19. O hidrogênio como combustível só em 1935. Boas notícias de fato são duas 1) o combustível, semelhante ao diesel de aviação, produzido a partir de vegetais, em vez de petróleo e 2) o etanol fabricado de bagaço. Mas tem de ser verdadeira a declaração do bilionário britânico Richard Branson, no Brasil: “O combustível de aviação sustentável funciona, agora é só produzir”, vangloriando-se de que “O mundo sempre assumirá que algo não pode ser feito, até que alguém o faça”. Urge ser verdadeiro também o anúncio do Parque de Bioenergia Bonfim de Guariba, SP, de que sua produção de etanol de bagaço, iniciada em outubro de 2023, segue prometendo 82 milhões de litros por ano.

 

 

P

 

quarta-feira, 22 de maio de 2024

 


EM TODAS AS FAMÍLIAS HÁ HISTÓRIAS SENSACIONAIS

João Amílcar Salgado

Em 2006, foi exibida a série JK na tevê Globo. Nosso Cememor ficou povoado de técnicos e a roteirista estrangeira me pediu sugestões. Vetou vários aspectos interessantes, enquanto distorceu vários fatos para fins dramáticos.  Um destes foi a atitude do adversário fictício de JK, obrigando seu filho a abandonar o seminário para rapidamente casar-se com sua amante grávida, a tempo de que assumisse a paternidade. Isso era extraído de algo acontecido na região de Diamantina, que relatei fora da biografia de JK. Pois bem, no estudo que faço de meus antepassados ibéricos, encontrei relato muito semelhante.

Um dos homens mais poderosos do reino luso era o frei Álvaro Gonçalves Pereira (1300-1379), arcebispo de Braga e prior da ordem cruzada do Hospital. Era amante de Teresa Peres Vilarinho e com ela teve um filho que se tornou legendário, inclusive personagem de Camões. Trata-se de Nuno Álvares, de rara habilidade militar. Ao longo do tempo, Nuno foi anistiado de sua condição de filho sacrílego e acabou recentemente canonizado por Bento 16 (2009). Seu pai o retirara ainda jovem do convento, onde estava para ser monge, e o fez casar com outra de suas amantes. Sua vocação religiosa era tão forte que, depois de ter filhos e se enviuvar, voltou ao convento e daí hoje é santo, com o nome canônico de São Nuno de Santa Maria.

Mais recentemente na Vila, um primo de minha mãe, quase repete tal história. Uma de suas amantes mais belas seduziu seu filho, dizendo-se perdidamente apaixonada. O plano dela era ficar sob o teto do amante e, mais ainda, sua herdeira. O riquíssimo fazendeiro percebeu a jogada e vetou a pretensa nora.

 

domingo, 12 de maio de 2024

 


OLHOS NEGROS DA NEUSA VILELA SALGADO:

 

OLHOS NEGROS

João Salgado Filho

 

Olhos negros

Como noites

 De procela,

Sem estrelas,

 Sem luar...

 

Que maravilha

 Os olhos dela!

Que lindos olhos!

Que meigo olhar!

 

Numa capela

Muito branquinha

A Virgem Santa,

A mãe de Deus

Os olhos tinha

Tais quais os seus...

 

Se indaga alguém:

- “Olhos de quem?”

Confesso a medo,

Quase em segredo:

- “Que maravilha

 Os  olhos lindos

De minha filha!”

 

 

[Publicado em 4/8/1946 no no 18 do jornal 29 De Outubro, Nepomuceno.

 A Neusa, inspiradora do poema,  tinha cinco anos]

 

Minha irmã sempre foi de uma meiguisse infinita. Meu pai a apelidou de Caçulinha. Alguém perguntava seu nome e ela respondia: “Caiolinha”, toda orgulhosa. Passava as horas vigiando seu tabuleiro de magníficas mangas de nossos pomares. Todos contribuíamos para sua coleção. Ela não conseguia comer tanta manga. Gritava: “mãe, o Zeca tá robano minhas mangas”. Ou então: “mãe, a Ia tá me chamando de Chaniquinha”. Seu feitiço de andaluza teve uma explicação: se a Ia era sueva, como o avô João, a Neusa era sevilhana, como a avó Chanica. Acontece que tínhamos uma prima anã, exatamente a Chaniquinha. Chamar a garotinha no diminutivo era choro soluçado e com beicinho, na certa.

 

[NESTE  DIA DAS MÃES HOMENAGEM À NEUSA, MÃE MARAVILHOSA]

 

 

domingo, 28 de abril de 2024

 


ZULMIRA VILELA TEIXEIRA

João Amílcar Salgado

Suprema  sacerdotisa do bem, da música e do humor.

Nunca ninguém suportou tanta adversidade, com tanta candura e serenidade.

Mais que prima, irmã.

 

[Rosa-de-maio, canção com que fazia sucesso ainda menina: https://youtu.be/YrqKXWvyh6c]                    

 

 

sábado, 27 de abril de 2024


 

A FARMACOBRÁS E A INSULINA

João Amílcar Salgado

Em 1963, o presidente João Goulart passou a defender as chamadas reformas de base, propostas desde 1962. Foram reunidas, em estudo de San Tiago Dantas, em reformas agrária, educacional, tributária, administrativa, urbana e da remessa de lucros das multinacionais. Estudantes e docentes de medicina da UFMG, se reuniram, ainda em 1963, para exigir a inclusão da reforma farmacêutica entre aquelas propostas. Inspirada na criação, 10 anos antes, da PETROBRÁS, foi proposta a FARMACOBRÁS, que estabeleceria o monopólio estatal da importação dos insumos farmacêuticos, bem como a fabricação estatal de medicamentos essenciais, mas permitiria a fabricação privada de medicamentos. Tal reunião surgiu de um debate entre os estudantes e o professor Carlos Ribeiro Diniz, promovido por mim. Dela participaram, entre outros, os docentes e residentes Carlos Diniz, Marcos Luiz dos Mares Guia, João Amílcar Salgado, Zigman Brener, Wilson Beraldo, Lineu Freire Maia, Arnaldo Elian, Luís Cisalpino Carneiro, Cid Veloso, José Ribeiro de Paiva, Paulo Madureira de Pádua e Rubem Simões – e os estudantes, entre outros, Henrique Santillo, Philadelpho Siqueira, Wilson Almeida, Lúcio Almeida, Antonio Dilson Fernandes, Edward Tonelli, Naftale Katz e Evilázio Ferreira. O Betinho, presidente da UNE, pediu para ser informado do resultado da reunião. Com o advento da ditadura, a Farmacobrás foi modificada para Biobrás, restrita afinal a fabricar insulina. A Biobrás foi fundada em 1976 por Marcos dos Mares Guia e por Guilherme Emrich. Desenvolveu brilhantemente a insulina recombinante (insulina humana produzida em bactérias transgênicas). Em 2001 Marcos fez acordo da Biobrás com a empresa dinamarquesa Nordisk. Em 2010 esta comprou aquela por 75 milhões de dólares, quando o laboratório brasileiro faturava mais de 50 milhões de reais ao ano. A Nordisk veio para aqui em 1990, especializada em diabete, e faturou 3,8 bilhões de dólares em 2002. Os ex-controladores ficaram com a patente da insulina recombinante e fundaram a Biomm, capaz de incorporar qualquer novidade tecnológica.

Desde 1956 o Marcos e eu já tínhamos iniciativas conjuntas: começamos com um grupo para estudar alemão, que incluía o Guilherme Cabral e o Emir Soares, e criamos o curso pré-médico gratuito para vestibulandos carentes. Trabalhei e debati tudo isso com seu pai, o notável pediatra José Maria, na previdência estadual. Outra cooperação entre nós foi a liberação da vacina para leishmaniose. Outra foi a criação da Fapemig. Quando reclamei que nossas criatividades sempre acabavam desviadas para o lucro (o pré-médico para o cursinho Pitágoras, e a Farmacobrás para a Biobrás) ele sorria e justificava: mas o ideal nacionalista é o mesmo. Carlos Diniz me dizia que as coisas seriam outras se nelas fossem envolvidas a recuperação da atual Funed e a própria Fapemig. Se vivos, Diniz e Marcos teriam sido personagens decisivos no drama das vacinas para covide.

 

quinta-feira, 25 de abril de 2024

 


A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS E NEPOMUCENO

João Amílcar Salgado

Em 1974, ocorreu a Revolução dos Cravos em Portugal, pela qual a ditadura vigente foi substituída pela atual democracia. A ditadura de inspiração nazista foi implantada em 1933 pelo extremista de direita e colonialista Antônio Salazar. Em 2024 comemoramos os 50 anos desse acontecimento feliz. A canção TANTO MAR do genial musicista brasileiro Chico Buarque, composta para homenagear o fato, tornou-se clássica. Nepomuceno entra indiretamente nesta história, através de meu encontro com o sociólogo Gilberto Freyre, dois anos depois, em Londres. Salazar, diante do declínio de seu poder, agarrou-se desesperadamente ao prestígio mundial de Freyre, alegando que sua sociologia justificava a manutenção das colônias lusas. Em minhas conversas com o sociólogo, cobrei dele sua insustentável amizade ao ditador.

 Meu argumento era de que ele decepcionou logo a mim que o tinha como ídolo de juventude. E mostrei a ele sua frase lapidar, citada em meu discurso de orador da turma de médicos pela UFMG, em 1960.  Gilberto Freyre a escreveu, quando fez parte da universidade revolucionária, criada, em 1935, pelo médico Pedro Ernesto, de esquerda, conhecida como UNIVERSIDADE DO DISTRITO FEDERAL - por sua vez logo fechada por outro ditador, Getúlio Vargas.  A citação refere-se ao extraordinário Antônio da Silva Melo, outro ídolo, seu companheiro ali, tendo como reitor o inovador Baeta Viana, liderando seletíssimo corpo docente.  Ele a ouviu comovido:

“Vós [mestres homenageados] que, para usar palavras de Gilberto Freyre, em vez do lugar macio e de honra entre os triunfadores, prefer(is) ficar de pé ao lado dos estudantes, não para adula-los mas para adverti-los, de pé ao lado dos brasileiros de vinte anos e contra os falsos mestres de sessenta, os maus políticos de cinquenta, os ministros ineptos de quarenta, que cada dia acrescentam, sorrindo ou discursando, alguma coisa de nova e de definitiva à desorganização do ensino superior do país.”

 

segunda-feira, 22 de abril de 2024

 

LUTA CONTRA O SAQUE. ARTÍSTICO DE MG



João Amílcar Salgado 

S.Benedito do século 18, furtado na década de 90, é recuperado em BH, em abril de 2024. É de capela de Congonhas e estava num leilão da internete. Na mesma data imagens são recuperadas em Santa Luzia. É a oportunidade de relembrarmos nosso manifesto de 2004 contra o saque ao acervo artístico de MG, bem como homenagear o Padre Simões do Pilar.

Minas Gerais foi e continua sendo origem de invejável conjunto de bens artísticos e históricos, dignos do maior zelo por parte não só dos mineiros, mas dos brasileiros em geral. Desgraçadamente, desde o esboço deste crescente tesouro, a cultura mineira vem sendo vítima de contínuo saque, que já se estende por três séculos.  A triste crônica de tal agressão não deixa dúvida de que a ostensiva impunidade quer dos saqueadores, quer dos cúmplices locais, é responsável por sua perpetração contínua e crescente. Autoridades maiores a quem deveria caber o mais desvelado cuidado vêm demonstrando tal e tão cínica omissão ao longo do tempo que lhes cabe clara parcela de cumplicidade. Tamanha vilania clama por medidas objetivas e eficazes e, por meio deste manifesto, estamos desafiando os órgãos governamentais, as instituições não-governamentais e a sociedade em geral a que dêem às futuras gerações uma resposta condigna. E que esta esteja à altura do incomensurável patrimônio atingido, que soma à insubstituível porção já dilapidada, a valiosíssima fração que resta em flagrante perigo.

  As tímidas medidas, esboçadas de tempos em tempos, estão eivadas de evidências de que a complacência para com os criminosos prosseguirá.  Tratá-los como meros contraventores, em vez de autores de gravíssimo crime, é o pior sinal. Chamar eufemisticamente o traficante de marchand e o receptador de colecionador é a contraprova da cumplicidade oficial. Reduzir o conjunto desejável de medidas enérgicas à conscientização das pessoas é flagrante ingenuidade, principalmente agora quando medidas eficazes em favor do turismo cultural e ecológico estão em andamento. Apoiamos plenamente tanto o turismo como tudo que vise à consciência coletiva  do valor de nossos bens históricos, artísticos e paisagísticos.  Mas isso não dispensa e, ao contrário, exige a vigilância cada vez mais sofisticada dos mesmos, pois sua exposição estará multiplicada tanto quanto a cobiça sobre eles, com o inevitável uso de métodos criminosos peculiares ao crime organizado.  Os saqueadores são imunes à conscientização e só são contidos pela certeza de que a impunidade será substituída por punições severas e incontornáveis.

Em relação às obras de Aleijadinho ou de artistas de mesmo nível, a lei já deveria ter proibido a comercialização, com seu imediato recolhimento aos museus públicos mineiros.  O catálogo com minuciosa descrição de cada uma, mesmo das de autenticidade duvidosa, deveria ser de elaboração oficial, estar na internet e sem o anonimato dos atuais depositários.  Assim como a televisão e a demais imprensa divulga telefones para devolução voluntária de peças desviadas, os atuais depositários deveriam receber prazo para a entrega ao governo de seus aleijadinhos e congêneres. Os profetas de Congonhas já deveriam ter sido resguardados contra qualquer deterioração e isso já deveria ter sido realizado desde quando foram feitos os moldes ora recolhidos à UFMG.  Trair os interesses da cultura mineira com medidas de marketing, que encubram providências firmes e efetivas, é crime tão grave quanto aquele que fingem combater.  Até aqui, tecnocratas da cultura, historiadores, mestrandos, doutorandos e consulentes em geral não sofrem qualquer controle e foi inevitável que começassem a aparecer nos noticiários como membros de quadrilhas capazes não só de saquear bens, mas de sua danificação irreversível. O esbulho de bens culturais é terrivelmente semelhante à devastação de nossas florestas, ou seja, encontram-se submetidos à mais cruel e sórdida das tolerâncias. Solicitamos aos Senhores Presidente da República, Governador do Estado de Minas Gerais, Ministro da Cultura e Secretário de Estado da Cultura que se manifestem oficialmente diante de cada questão acima mencionada