NEPOMUCENO
E OS GAÚCHOS
João Amílcar Salgado
Fiz uma
conferência em Florianópolis e meus amigos da universidade federal de lá
ficaram surpresos e emocionados, quando pedi que arranjassem minha visita à
comunidade açoriana. Justifiquei: “sou descendente de açorianos vindos para
Nepomuceno”. Hoje acompanhamos a
tragédia de Porto Alegre, cidade que começou, em 1752, com a chegada de 60
casais açorianos, sendo seu primeiro nome Porto dos Casais. Quando mudaram o
nome para Porto Alegre, talvez não considerassem que os casais estavam ali
provisoriamente, mas quiseram ficar em definitivo. Sim, depois da dificílima
viagem, aquilo ali era um alegre paraíso: alimentavam-se, com o mínimo esforço,
de pato, peixe e camarão da lagoa em frente. Entre os casais encaminhados ao
sul, havia, por exemplo, Garcias e Corrêas, primos dos nossos.
A viagem até
aqui significava dias e dias incrivelmente angustiados, em veleiros sucedâneos
de barcos negreiros, de higiene e alimentação péssimas, principalmente para as
mulheres, confinadas no porão, onde só entravam o capelão e o capitão. Adoeciam
quase todos de diarreia, tosse e dermatoses, sendo o escorbuto o pior mal. Pelo
menos dois navios naufragaram. Apesar do mundão de terras, as famílias, em vez
de premiadas com sesmarias, recebiam sítios, onde deviam plantar trigo, cevada,
hortaliças, uva e outras frutas, além de criar ovelha. Uma fruta era a laranja
serra-dágua então chamada “da ilha” ou “ilhoa”. O trigo não deu certo e passaram para o
tabaco, o queijo, o boi e o porco, além das aves, como ocorreu aqui na Vila. A
renda maior provinha do couro, da banha e do queijo.
A diáspora
açoriano-madeirense envolveu a suposição de que seus habitantes, descendentes
de colonos ibéricos e flamengos, estavam pré-adaptados ao trópico. O
encaminhamento ao sul era resultado do Tratado de Madrid (1750), conquistado
pelo habilíssimo diplomata brasileiro Alexandre de Gusmão, que afastou a linha
de Tordesilhas rumo aos Andes. Ele é irmão do também genial Bartolomeu de
Gusmão, pioneiro aeronauta. Os migrantes vieram, também, para a reposição
populacional do planejado massacre das reduções guaranis-jesuíticas (7 Povos),
perpetrado, aliás, por bandeirantes, genocidas, dos quais descende gente da
Vila, inclusive eu.