MINHA LINDÍSSIMA NETA FERNANDA,
NESTE SEU ANIVERSÁRIO, ME FEZ CANTAROLAR A CANÇÃO AMAPOLA
NEPOMUCENO
E BARRETOS
João Amílcar Salgado
A
região de Barretos era território dos índios caiapós que sofreram genocídio
cometido pelos primeiros bandeirantes. Os índios coroados ocuparam seu espaço e
sofreram genocídio igual. Em Nepomuceno, meu tetravô Manuel Joaquim da Costa
Valle sabendo de área ficada devoluta e sendo dono de uma fortuna incalculável,
mandou gente de sua família para ocupar parte das glebas. Sua neta Mariana de Souza Monteiro (terceira desse nome) nasceu na Fazenda da
Lagoa em Nepomuceno, em 1829, casou-se com Francisco Angelo Rodrigues Airão,
nascido na cidade de Campanha, e o casal foi para o sertão do Rio Pardo entre
São Paulo, Minas e Mato Grosso. A fazenda que fundaram ali deu origem â cidade
de Barretos.
OS CHINESES TROCAM O CHÁ PELO CAFÉ OU BEBERÃO AMBOS?
João Amílcar Salgado
Houve
um encontro internacional de ensino da medicina no Othon Palace, coordenado
pelo meu notável ex-aluno Antônio Cândido de Carvalho, o Cancando. Este eminente sulmineiro fez questão de
servir um café finíssimo. O líder do ensino médico de Xangai provou e quis
saber que coisa deliciosa era aquela. O Cancando me chamou para explicar-lhe, ressaltando
que eu era cafeicultor. Ele então profetizou que a bebida concorreria com o chá
em seu país. Tempo depois foi noticiado
que o consumo de café na China e na Índia está em forte crescimento junto à
juventude urbana. A melhora das condições de vida em ambos os países causou o maior
consumo do próprio chá e também do café. Se isso continuar acontecendo, os
cafeicultores brasileiros seremos agraciados com incalculáveis milhões de novos
adeptos de nossa bebida.
Nos EUA aconteceu conversa semelhante, quando me pediram
para falar ali do café de minha região. Fui muito franco ao afirmar que o seu
país paga um preço alto por um café fino que não sabe consumir. E garanti que,
quando aprendessem a beber aquela maravilha, o consumo que já é alto será
muitas vezes multiplicado.
Bem antes desse evento internacional, esteve entre nós, o
cientista prêmio Nobel Alfred Gilman, autor clássico de farmacologia, quando se
mostrou fã da nossa cachaça e de nosso café. Perguntei se tinha provado o nosso
guaraná. “Vou provar urgentemente”, respondeu. Resumo dessa prosa: ele me
convidou para escrever um capítulo sobre café, guaraná e cachaça na próxima
edição de seu livro. Perguntaram-me, depois, sobre o capítulo e respondi que o
convite tinha sido uma brincadeira.
AINDA
OUTRA DO 4D ANTECIPADO DA VILA
João Amílcar Salgado
Os filmes do
Roy Rogers faziam mais sucesso na Vila por duas razões: somos fãs de cavalos e
o ator era idêntico ao Marcly Vilela.
Qualquer pronúncia em inglês era anepomucenada: ele era o “Rói Roja” e
seu cavalo palomino Trigger era “ou Tigre ou Trigue”. Grande emoção de todos
foi quando o Trigger desamarrou o herói sequestrado pelos bandidos. O Guda era
filho do Massaud, muito feliz por saber que seu caçula era companheiro
inseparável dos filhos do Sargado. Pois bem, saímos da fita, o Guda veio
conosco e perguntou: “Amirca, cê tem uma corda aí na sua casa? Cê vai me amarrá
nesse poste, quí o trigue vem me desamarrá”. Amarramos o Guda e ficamos
esperando. Como o cavalo não veio, fomos desamarrar o amigo. Ele ficou uma
fera: “Me deixa aqui!!!”. Entrei e deixei o Zeca e o Marracarça vigiando o
Guda: “Ele vai acabá durmino e aí cês sorta ele”. Os dois acabaram deitando no degrau
e dormiram. Passava da meia noite, quando o Joca, irmão do Guda, vem vindo e
encontra os três meninos dormindo, sendo que seu irmão dormia dependurado.
MARCELO
GUIMARÃES – PARA ELE O PRÓ-ÁLCOOL SERIA OUTRO
João Amílcar Salgado
Entre
as dezenas de ilustres Marcelos Guimarães existentes pelo Brasil, há um cuja
memória deve ser preservada por todos nós. Aposentou-se da Petrobrás e foi
morar num sítio em Mateus Leme. Ali inventou um mini-alambique supersimples
capaz de produzir álcool ou cachaça com a pior cana-de-açúcar disponível. Eu
disse a ele que um funileiro de Barbacena tinha tido a mesma ideia e ele
respondeu: “então isso prova que o funileiro e eu achamos o rumo certo”. Os pais do nosso motor a álcool são Stumpt e
Vidal. Marcelo, porém, queria o álcool produzido em chácaras e sítios, como o
dele, não só para uso próprio, mas a ser vendido livremente na beira das
estradas. Isso causaria uma reforma agrária automática. Marcamos uma audiência
com o recém-eleito presidente Lula e este disse: “Marcelão, vamos fazer esta
revolução mais adiante, se eu fizer isso logo agora, as petroleiras me botam
pra correr”. Importante, o sindicalista metalúrgico e o sindicalista petroleiro,
também genial inventor, foram amigos fraternais do nepomucenense Luiz Fernando
Maia.
MAIS
UMA DE CINE 4D
João Amílcar Salgado
Muitos
programas radiofônicos ou de tevê usam gravações de gargalhadas para remendo de
humorismo sem graça. No folclore da Vila aconteceu isso e seu contrário. O
protagonista era o Zé das Gatas. Ele adorava filmes cômicos. Só que sua
gargalhada inestancável era um espetáculo à parte. Eu e minha turma resolvemos
fazer de seu riso uma estudantada. Pagávamos sua entrada não só para ouvi-lo,
mas para espicaçarmos seu tique incontrolável. Quando o fazíamos nas comédias,
tudo bem. Se o filme era um dramalhão a plateia protestava, pedindo silêncio,
que era impossível. Até que nos proibiram entrar com o Zé, quando o filme não
era humorístico.
As Gatas eram
duas irmãs brancas que adotaram uma criança negra, o José Borba, e o criaram
como filho mimado. Foram, portanto, pioneiras contra a discriminação racial. O
mesmo fez meu tio Demétrio que adotou meu querido primo, o Jair do Papai. Isso
explica por que o Zé das Gatas se sentia tão feliz, a ponto de não refrear as
gargalhadas. Em nossa farmácia, os amigos discutiam a origem das Gatas. Meu pai
explicou: são mulheres refinadas que fazem parte de hipotética descendência do
bandeirante Borba Gato. Se o Umberto Eco tivesse notícia disso tudo, ele
incluiria no enredo de O NOME DA ROSA (1980) a incontinência gargalhante do Zé
das Gatas.
LATANCHA,
OUTRO DO CINE 4D DA VILA
João Amílcar Salgado
Além
de meus três primos precursores do cine 4d, o Latancha, na década seguinte,
surgiu como astro da arte esboçada. No
caso dele, era uma perfórmance exclusiva de alguém sendo alvejado. Quando aparecia na tela o mocinho ou o
bandido apontando a arma, ele já se erguia. Com o disparo, a vítima podia até
estar na tela, mas o alvo concreto era ele ali na frente da plateia. Nem o
melhor artista de Hollywood representava tão realisticamente a agonia e a morte
do atingido. Impressionante era o som do baque de seu corpo no duro cimento de
nosso cinema. A partir daí, o que era previsível aconteceu. Qualquer moleque,
ao cruzar, em qualquer esquina, com o Latancha, fingia um tiro nele e ele, em
resposta automática e instantânea, caia na sarjeta. E foi assim que ele morreu:
o Zé Liminha tinha o único caminhão F8 dali, o qual ficava mais majestoso
lotado de sacas de café. O alto da carga era o palco ideal para o Latancha e cenário
perfeito para os tiros da molecada. Num destes, ele exagerou no realismo e veio
do alto até o chão.
FOTO:
F8 51